Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Novidades que ninguém informa ou explica

Não tem sentido informar a lista dos livros mais vendidos. O leitor não tem a menor idéia de quantos exemplares foram efetivamente vendidos, qual foi a tiragem da primeira edição, qual a tiragem das edições subseqüentes.

Ninguém informa tampouco os motivos de um livro cair nas graças do público. Continuam inescrutáveis os motivos que levam um livro a alcançar o topo dos mais vendidos, mas algumas hipóteses poderiam ajudar o leitor a entender, senão os mais fundos, as razões de mercado. O leitor também não é informado, a não ser fragmentariamente, das compras oficiais, diante das quais qualquer sucesso comercial perde a importância.

Tomemos ‘os mais vendidos’ da Veja, divididos em três categorias: (1) ficção, (2) não-ficção e (3) auto-ajuda e esoterismo. A lista ganhou credibilidade desde que a pesquisa estendeu-se a mais livrarias. Hoje são contempladas livrarias de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Florianópolis, Goiânia, Fortaleza, Natal, Brasília, Recife, Maceió, Belém e Vitória.

Mas as livrarias consultadas ainda são muito poucas. Em Maceió, Natal, Belém, Vitória e Salvador, por exemplo, apenas uma rede é pesquisada. Freqüentemente surgem rumores de manipulação. Ora, a lista não pode ser fidedigna por várias razões, mas a escassez e a precariedade das consultas são cada vez mais evidentes. E ninguém toma providência que regularize a questão.

Mala de livros

As páginas dedicadas a livros em nossa imprensa estão omitindo uma informação absolutamente relevante. As vendas caíram, as tiragens caíram, mas o faturamento aumentou. Qual foi a saída dos editores? Aumentar preço de capa. Faturam mais, mas vendem menos. O livro, instrumento por excelência da vida democrática, está cada vez mais ao alcance de menos gente.

Para ninguém a questão é mais dramática do que para os inéditos. Os novos autores estão proibidos de terem idéias novas. Se as tiverem, é pouco provável que sejam publicadas. O Brasil está fechado para eles. Autores de percurso consolidado, de nome feito, ainda podem arriscar, mas não muito. O mercado está padronizado demais.

É assim que deve ser entendida a obsessão, quase irritante, dos jovens autores por um lugar na imprensa – que equivale a um lugar ao sol. As livrarias só se interessarão por seus livros se a imprensa espelhar seu aparecimento. Ou ao menos registrar.

Vetados na imprensa, eles buscam saídas. As feiras e eventos lhes dão migalhas, como se os contemplassem com quotas. Foi o caso recente da Feira Literária de Paraty. A imagem emblemática foi a de um escritor carregando mala de livros pelas ruas da cidade interiorana. Ali ele era autor, editor, distribuidor e livreiro.

Terreno pantanoso

No maior mercado editorial do mundo, os do EUA, a situação não é diferente. Lê-se menos também por lá. O NEA, sigla em inglês do Fundo Nacional para as Artes dos EUA, voltou a informar, com dados do Censo de 2002, que a leitura continua diminuindo, seguindo tendência identificada há 20 anos! Quem mais perde leitores é a literatura. Os dados trouxeram constatação alarmante: pela primeira vez em 20 anos diminui a população adulta que lê ficção, poesia ou peças.

A falta de interesse aumenta especialmente entre as pessoas com idades entre 18 e 24 anos. Há 20 anos, esta faixa etária liderava o contingente interessado em ler um livro. Agora, a tendência inverteu-se: são os que menos lêem.

Nos EUA, as vendas de livros estão paradas nos mesmos patamares há muitos anos. O dado novo é de gênero, não de gênero literário: as mulheres compram mais livros do que os homens.

É verdade que um segmento significativo de leitores em todo o mundo faz enormes sacrifícios para comprar livros, principalmente no caso de professores e alunos, mas, grosso modo, quem compra mais livros, compra vinho e charutos, viaja, tira férias, vai ao cinema e ao teatro, compra cedês, revistas e jornais. Esta é a composição do que denominamos mercado editorial.

A falta de critérios na pesquisa dos mais vendidos, que tanta confusão traz às listas brasileiras, é estonteante por seus desdobramentos. Dividir um universo complexo como os do livros em três categorias apenas, como faz a Veja, leva ao terreno pantanoso das coisas difusas e vagas. Quando a Editora Abril chegou a vender mais de 300.000 exemplares de sua coleção de filósofos, os autores, se aparecessem nas listas do mais vendidos, seriam designado como ‘não-ficção’. Mas o que informa quem informa isso apenas? Nada!

Imprensa em dívida

Não sabemos pela imprensa – e não sabemos porque ninguém nos explica – por que razão os livros de memórias, diários de viagem, de história, de ciência e outros, que se abrigam sob o rótulo geral de ‘documentais’ (igualmente vago), vendem mais do que prosa de ficção e do que poesia. O que está havendo com a literatura no mundo?

Há outro dado desconcertante. Diminuem os leitores e aumentam os autores. Somente este tema já faz por merecer amplo destaque.

Para aumentar a complexidade do mercado, eis o que informa o diário Clarín (15/7): ‘Cresceu a produção dos livros argentinos’. Fonte: Cámara del Libro. No primeiro semestre de 2004 foram lançados na Argentina, entre novidades e reimpressões, 8.000 títulos. Em 2001, foram 6.600.

A tiragem média foi de 3.200 exemplares – superior a de 2002 (2.800) e de 2001 (2.700). Diz o texto do jornal que ‘estes dados mostram também que os editores seguem a tendência mundial: lançar muitos títulos com tiragens moderadas’. A Cámara del Libro informa ainda que algo como 80% desses livros foram impressos em papel argentino. No primeiro semestre de 2004, os títulos de ficção alcançaram 27% do total, enquanto no ano anterior chegaram a 21%.

Ainda segundo a mesma matéria, entre os temas dominantes estavam educação e direito.

A Argentina publica em espanhol. Pode exportar para toda a América Latina. O Brasil é uma ilha (?) lingüística nas Américas!

Mas é evidente que a imprensa está nos devendo matérias mais extensas e mais profundas sobre livros, mercado editorial, autores, leitores e domínios conexos.