Na sexta-feira, 8 de agosto, a TV pública americana exibiu um documentário excelente, marcando os 40 anos da renúncia de Richard Nixon. Dick Cavett’s Watergate revisitou o escândalo que levou à renúncia do presidente americano. O especial misturou entrevistas contemporâneas com os suspeitos habituais, como Bob Woodward e Carl Bernstein, os repórteres que cobriram a invasão da sede do Partido Democrata, no complexo Watergate, para o Washington Post, com entrevistas gravadas entre 1972 e 1974 no Dick Cavett Show que, como já disse aqui, considero o melhor talk show de todos os tempos.
Confesso que achei o resultado quase tão eletrizante quando Todos os Homens do Presidente (1976), o filme de Alan J. Pakula com Dustin Hoffman e Robert Redford, baseado no livro homônimo de Woodward e Bernstein.
À medida que os entrevistados iam aparecendo na tela, com suas cabeleiras da década de 70, eu murmurava espontaneamente seus nomes, antes de ler os créditos. John Dean, Jeb Magruder, Gordon Liddy, Sam Earvin. Um detalhe: eu era uma adolescente naquela época. Mais um motivo para guardar a memória tão fresca, dirão. Sim, concordo, mas pergunto: qual o ex-adolescente hoje capaz de recitar de memória os principais personagens do drama do impeachment de Fernando Collor de Mello?
Na década de 70, não havia internet, eu morava no Rio e o primo de uma colega de escola era uma prioridade muito maior que Richard Nixon. O que não me impedia de compartilhar uma dieta de notícias comum a meus pais, irmãos e conhecidos.
Experimente googlar variações da expressão “The world is a mess” (O mundo está uma desordem) e você vai encontrar uma explosão de citações, como a frase recente da ex-secretária de Estado do Governo Clinton, Madeleine Albright: “Sem querer exagerar, o mundo está uma desordem”.
Na noite de sábado, o âncora de um programa semanal de debates da BBC, introduziu um dos segmentos dizendo: “E quando vocês esperavam que as noticias não podiam piorar…” E se despediu ao final dizendo: “Sinto muito, esperamos que, na semana que vem, as notícias sejam melhores”.
De galho em galho
Não me lembro de ouvir com tanta frequência jornalistas se desculpando por más notícias ou de ter testemunhado recentemente um período de convulsão global similar. Ebola, Iraque, Síria, Gaza, Ucrânia, a lista não para de crescer. Com ou sem justificativa, “genocídio” e “crise humanitária” fazem parte da conversa diária na mídia e viram conceitos desvalorizados no Twitter e no Facebook, onde seu fundador, devemos lembrar, profetizou orgulhoso: “O esquilo morrendo na frente da sua casa é mais relevante do que gente morrendo na África”. A perversidade desta frase ainda não foi plenamente apreciada.
Lá vem a colunista ludita e saudosista, dirão. E me defendo: se houvesse mídia social, câmera de celular e YouTube em 2003, mais de 100 mil iraquianos teriam morrido na invasão de George W. Bush e Tony Blair? Acompanhamos os Yazidis morrendo de fome e sede no topo da montanha iraquiana graças, em parte, à mídia digital.
Mas pergunto também: o papel do jornalismo pré-ruptura digital foi preenchido? Não ainda, especialmente neste momento em que o mundo, parafraseando Tom Jobim, não é para principiantes.
Boa parte do meu tempo é consumida pulando de website em website para compreender uma crise. Leio blogueiros militares em Moscou, propagandistas em Kiev, acadêmicos moderados no Cairo. É minha obrigação de jornalista, claro. Mas, à medida que o tempo necessário para saber o que acontece se estende, o tempo dedicado pelo público ao consumo de informação relevante além do esquilo na sua frente foi reduzido na mesma proporção, já que a janela de toda uma geração para o mundo é outra. É o smartphone no seu bolso, onde desafio alguém a me provar que vai aprender tanto sobre o escândalo da Petrobrás quanto eu aprendi sobre Watergate, enquanto passava batom e me atormentava para obter o bronzeado perfeito em Ipanema.
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Lúcia Guimarães é colunista do Estado de S.Paulo, em Nova York