Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O retorno da ditadura nas PECs das mordaças

Nesta quarta-feira (6/8/2014, que fique registrado) o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS) foi favorável ao parecer apresentado pelo conselheiro Celso Augusto Schröder sobre a obrigatoriedade de diploma universitário para exercício profissional de jornalista.

Quando um Estado, ou interesses mesquinhos [corporativismo], quer controlar o povo, nada mais oportuno limitar a liberdade de imprensa – melhor dizendo, de quem quer manter o povo como se mantém boi num curral.

Não muito diferente, da mordaça que estão querendo impor agora, a liberdade de imprensa [informação] já foi cometida em um período, não muito longe, da história brasileira. Numa matéria – viva a democracia – publicada no site da OAB, Roberto Busato declarou:

“Nunca houve no país uma decisão como a tomada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que expulsou o jornalista Willian Larry Rohter Junior, do The New York Times, em virtude de matéria publicada naquele jornal” [Busato, Roberto. Lula quis calar a imprensa com uma mordaça. Quarta-feira, 12 de maio de 2004 às 09h13 Disponível aqui, acesso em: 8 ago. de 2014].

O fim [legítimo] da ditadura

Em 17 de junho de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) isentou a obrigatoriedade de diploma superior para exercício profissional de jornalista. O relator da matéria, Gilmar Mendes, e os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluzo, Ellen Gracie e Celso de Mello votaram pelo fim da exigência do diploma universitário. Já ministro Marco Aurélio Melo votou pela continuação obrigatória do diploma para exercício profissional.

Para os ministros, que votaram contra a obrigatoriedade do diploma universitário para o exercício profissional de jornalismo, condicionar diploma para o exercício de liberdade de expressão é perpetuar o resquício da ditadura militar (1964 a 1985). Para o ministro Ricardo Lewandowski (demonstrando lucidez diante dos fatos ocorridos durante o golpe militar), que fora a favor da inexistência de diploma universitário para o exercício profissional de jornalista, tanto o DL 972/69 quanto a Lei da Imprensa (5.250/67) são “resquícios do regime de exceção, entulho do autoritarismo”.

Tais leis [DL 927/69 e a extinta Lei da imprensa (5.250/67)] tinham intenções claras ao sucesso do golpe militar, o controle do que fosse publicado e a restrição aos jornalistas que eram contra as ações dos militares. Ricardo Lewandowski também disse que para o exercício profissional de jornalista “prescinde de diploma” e que as únicas exigências para estes profissionais só requer “uma sólida cultura, domínio do idioma, formação ética e fidelidade aos fatos”.

Reserva de mercado

Desde a decisão [histórica] do STF, muitas associações de jornalistas repudiaram tal decisão dizendo que o jornalismo brasileiro sofreria consequências gravíssimas em sua qualidade, o que é um engodo. Se diploma é a certeza cósmica, como querem tais sindicatos para manter reserva de mercado, de qualidade muitos jornalistas famosos sem diplomas – como Assis Chateaubriand, Samuel Wainer, Carlos Lacerda, Costa Rego, Cláudio Abramo, Ricardo Boechat, Arnon de Mello, Mino Carta, Boris Casoy (âncora de telejornal, 56 anos de jornalismo), Júlio Mesquita, David Nasser, Danton Jobim, Horácio de Carvalho, Irineu Marinho, Roberto Marinho, Hélio Costa, Miro Teixeira, Franklin Martins – não teriam a mínima condição de serem jornalista, pois diploma cria jornalista qualificado.

No site Estadão, o jornalista e professor da USP e da ESPM Eugênio Bucci, em brilhante explanação sobre a exigência de diploma universitário para o exercício profissional de jornalista, confirma as intenções por detrás da exigência do diploma universitário:

“Um levantamento realizado Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (em convênio com a Fenaj), que acaba de ser publicado, mostra que, dos jornalistas brasileiros, apenas 25,2% (entre os quais este articulista) são filiados a sindicatos” [Bucci, Eugênio. Uma PEC para desautorizar o STF. Disponível aqui, acesso em: 8 ago. 2014].

Importante. Celso Augusto Schröder, que é a favor do diploma universitário para exercício profissional de jornalista, preside a Federação Nacional dos Jornalistas [diplomados] (Fenaj).

Profissão de jornalista em outros países

Em muitos países, como Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Chile, China, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Peru, Polônia, Reino Unido, Suécia e Suíça, não há exigência de diploma para exercício profissional de jornalista. Os países que exigem diploma são África do Sul, Arábia Saudita, Congo, Costa do Marfim, Croácia, Equador, Honduras, Indonésia, Síria, Tunísia, Turquia e Ucrânia [veja o que diversos países exigem para o exercício da profissão. Câmara dos Deputados. 31/05/2010 – 18h22 – Disponível aqui, acesso em: 8 ago. 2014].

No site da embaixada americana sobre democracia e liberdade de imprensa há o seguinte dizer:

“Numa democracia, a imprensa não deve ser controlada pelo governo. Os governos democráticos não têm ministros da informação para decidir sobre o conteúdo dos jornais nem sobre as atividades dos jornalistas; não exigem que os jornalistas sejam investigados pelo Estado; nem obrigam os jornalistas a aderir a sindicatos controlados pelo governo” [Princípios da Democracia. Uma Imprensa Livre. Disponível aqui, acesso em: 8 ago. 2014].

Mas tais prerrogativas aos jornalistas – não se esquecendo de que nos EUA não há obrigação de diploma para o exercício profissional de jornalista – é fruto de uma maturidade democrática. E o Brasil ainda é uma democracia não consolidada.

Consequências com a exigência de diploma

São várias. As propostas de Emenda à Constituição, 33/2009 e 386/2009, que determinam a exigência de diploma para exercício da profissão de jornalista, se aprovadas irão causar possíveis fechamento de sites e blogs em todo o Brasil, pois muitos dos sites e blogs atuais possuem em suas estruturas jornalistas sem diploma. Mais ainda, por exemplo, o jornalista Boris Casoy pode ser obrigado a não exercer a sua profissão, que vem exercendo há 56 anos. O que dizer, então, de Ricardo Boechat, um dos mais respeitados jornalistas da atualidade?

Pesquisando na internet, encontrei o site Diário Pernambucano. Transcreverei parte do texto publicado pelo site – entendam o porquê da exigência de diploma – sobre as PECs das mordaças (33/2009 e 386/2009):

“A medida causou polêmica no Senado. O líder do PT, Humberto Costa (PE), pediu à bancada que votasse a favor da PEC. “Entendemos que isso é extremamente justo, temos que acabar com esses jornais de internet”, afirmou. Para Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), “o que se fez aqui foi contornar a decisão do STF. Não há aqui nenhum interesse público na aprovação dessa PEC”. Para ele, a atividade de jornalista “é instrumento ligado à liberdade de expressão. Nâo cabe nenhum tipo de restrição, os jornais que circulam apenas na rede são os únicos meios de comunicação sem a censura prévia imposta pela mídia”. Já o ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL), disse que a proposta é o “embrião para o controle ‘social’ dos meios de comunicação mesmo. Temos que controlar a mídia antes que ela possa nos controlar. Eu sei bem disso, já pensou como seria se tivesse internet na época do meu Impeachment? Por outro lado, nesses últimos anos, esses cursos de jornalismo, o que mais têm feito é formar analfabetos funcionais”, criticou. O relator da matéria, senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), defendeu a exigência do diploma. “Arguir que a profissão de jornalista criaria embaraço para a liberdade de expressão e do pensamento é um verdadeiro escárnio. O que cria embaraço para a expressão da liberdade de pensamento é o monopólio na mídia”, afirmou Arruda” [volta da exigência de diploma pode fechar sites sem jornalistas formados. Disponível aqui, acesso em: 8 ago. 2014].

Com a aprovação das “mordaças” muitos blogs e sites, que possuem jornalistas sem diploma irão desaparecer. E muitos desses blogs e sites tratam de corrupções (improbidades administrativas) de políticos. Sem esses blogs e sites, os ímprobos políticos irão esconder suas maracutaias. Não se pode esquecer que as TVs abertas funcionam sob concessões do Poder Público. E alguém acha que tais TVs são tão “abertas” irão chamar de “corrupto” o político preso e condenado? Claro que não. Nos meios de comunicações tradicionais (rádio e TV) nenhum jornalista há de dizer a palavra “corrupto” ao político condenado pelo STF, por exemplo. Mas nos blogs e sites não há qualquer medo, pois o funcionamento de um site ou blog é livre das algemas do Estado (concessão de funcionamento). Claro que qualquer violação de direito cabe danos materiais e morais.

A liberdade de imprensa (sites e blogs) vem incomodando muito os ímprobos agentes públicos políticos. A Constituição Federal de 1988 diz:

“Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição:

§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no Art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”

Por força da Carta Política, a Lei de Imprensa (Lei 5.250) foi revogada em 30 de abril de 2009 pelo STF. Na época, o ministro Carlos Ayres Britto disse: “Imprensa e democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas”.

Em sua magnífica aula sobre democracia, o ministro Carlos Ayres Brito citou o artigo 5º da Constituição quanto à inviolabilidade da liberdade de expressão e de informação sendo estas “a mais nítida exaltação da liberdade de imprensa”. Desde então, a liberdade de imprensa vem incomodando os ímprobos agentes públicos.

As PECs das mordaças e as manifestações de junho de 2013

Agora imagine as manifestações ocorridas em junho de 2013. Muitas gravações e matérias foram produzidas e disponibilizadas na internet – sites, blogs e, principalmente, no YouTube – por pessoas sem possuírem diplomas de jornalista. Se as PECs das mordaças (33/2009 e 386/2009) – notem os anos das respectivas PECs: 2009 – já tivessem sido aprovadas antes das manifestações de junho de 2013, alguém duvida que, na época das manifestações, não houvesse mordaça?

Imagine a seguinte situação:

1) Algum jornalista não diplomado participa de confronto entre policiais e manifestantes;

2) O jornalista não diplomado, depois de flagrar o ocorrido, edita o material e disponibiliza em seu site ou blog particular;

3) Depois de algum tempo a fiscalização de algum sindicato de jornalistas [diplomados] bate à porta do jornalista não diplomado e diz que não pode divulgar tal conteúdo por não ter diploma universitário.

É ou não uma censura? É ou não uma ditadura? Quanto mais se cercear a liberdade de informação, mais se mantém o povo num curral, e este curral servirá para controlar as vidas de todos os brasileiros idôneos.

Em Estados ditadores o cerceamento de informação é prática necessária, como, por exemplo, China, Cuba e Coreia do Norte, para manter o povo alienado e, assim, manter poderes violadores de direitos humanos.

Repórteres Sem Fronteiras (RSF)

A Copa do mundo foi um fiasco. Foram gastos milhões para o Brasil sediar a Copa, manifestações ocorreram contra a Copa, policiais espancaram, sem piedade, manifestantes, jornalistas saíram feridos por ações truculentas de policiais e, no final de tudo, o Brasil foi goleado pela Alemanha – não colocarei aqui por vergonha.

Nesse cenário de Hares – o deus da guerra –, a organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF) alertou a comunidade internacional sobre violações a liberdade de imprensa no Brasil. Para a entidade, 38 jornalistas brasileiros e estrangeiros foram agredidos pela polícia ou por manifestantes. Há ou não uma ditadura?

No site da organização (tradução livre) as seguintes mensagens [Reporters without borders – Fredom Index 2014 (Repórteres sem Fronteiras – Índice de Liberdade de 2014). Disponível aqui, acesso em: 8 ago. 2014]:

“Graças ao impacto do crime organizado, o último (Brasil) é um dos países mais perigosos do continente para a mídia, enquanto o seu pluralismo da comunicação social é prejudicada pelo fenômeno de políticos poderosos que também são empresários e mídia grandes proprietários, com o resultado de que o Brasil foi apelidado de “o país de 30 Berlusconis”.

Além disso, a organização diz que o Brasil ocupa a 111ª posição em liberdade de imprensa no mundo, na lista de 180 países analisados. Ou seja, ainda há dúvida de ditadura?

Conclusão

O Brasil continua na ditadura, a diferença é que não há armamentos bélicos, mas as maquiavelizes por detrás das justificativas de que para ser jornalista é necessário ter diploma. Nesse contexto, os militares eram mais honestos, pois diziam e faziam o que queriam com armas em punho.

Se as PECs das mordaças (33/2009 e 386/2009) forem aprovação na Câmara dos Deputados, o Brasil continuará a ser uma democracia de fachada. E é bom que se frise que o povo continuará encoberto pelo Véu de Isis.

A quem interessa o monopólio da comunicação, da liberdade de expressão, da censura ao jornalista não diplomado? Quais motivos escondem tais propósitos?

Assim como o povo exigiu o fim do voto secreto na Câmara dos Deputados, o mesmo povo lúcido deve impedir que as PECs das mordaças (33/2009 e 386/2009) não sejam aprovadas na Câmara dos Deputados.

As consequências são muitas, caso sejam aprovadas pela Câmara dos Deputados: desempregos; cerceamento a liberdade de expressão; escassez de informações; ditadura (velada).

Quem viveu durante os anos de chumbo [1964 a 1985] sabe que as liberdades de opinião e expressão são essenciais para impedir atos desumanos, cruéis, manipuladores do Estado, dos dirigentes e das oligarquias.

Tratados e convenções internacionais

>> Declaração Universal dos Direitos Humanos

Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 [Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível aqui, acesso em: 8 ago. 2014].

Homens e mulheres livres em suas almas lutaram pelo direito à liberdade de opinião e expressão (art. XIX):

“Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”

Homens e mulheres livres lutaram pela inalienabilidade e imprescritibilidade dos direitos humanos (art. XXX):

“Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.”

Século 20, pós-ditaduras na América do Sul

>> Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992

“Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha” [Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Art. 19. Disponível aqui, acesso em 8 ago. 2014].

>> Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) – (Pacto de San José da Costa Rica)

“Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha” [Pacto de San José da Costa Rica. Artigo 13. Disponível aqui, acesso em 8 ago. 2014].

Leia também

>> http://jus.com.br/248819-sergio-henrique-s-pereira/publicacoes

>> http://transitoescola.jusbrasil.com.br/artigos

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Sérgio Henrique Silva Pereira é jornalista