A compra da GVT pela Telefónica da Espanha, se aprovada, poderá criar forte concentração de mercado nos serviços de banda larga e telefonia fixa no Estado de São Paulo e, eventualmente, em algumas regiões do Brasil onde as redes da Telefônica Vivo e da GVT forem coincidentes. A Telefônica, que já é dominante no Estado, ampliará mais ainda seu poder de mercado.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ainda não recebeu formalmente a comunicação da oferta, no valor de R$ 20,1 bilhões, considerando dinheiro vivo e ações na Telecom Italia e Telefônica Brasil. O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende, foi informado da operação pela manhã pelo presidente da Telefônica Brasil, Antônio Carlos Valente, por telefone. A Anatel esperava ontem receber um comunicado oficial.
O movimento dos espanhóis é visto por algumas fontes do setor como defensivo, para evitar a criação de um concorrente mais forte e dar “uma rasteira” nos italianos. Enquanto a Telecom Italia negociava uma fusão com a GVT, sua maior acionista individual, a Telefónica, se adiantou e apresentou uma oferta não solicitada de aquisição diretamente à controladora Vivendi. Para um executivo de uma das operadoras envolvidas nesse processo, a iniciativa revela um ambiente de conflito de interesses.
A oferta da Telefónica, que inclui pagamento de R$ 11,9 bilhões e o direito de a Vivendi adquirir 8,1% da Telecom Italia (a fatia da Telefónica é de 8,3%), é uma aposta da Telefónica para garantir a aprovação da compra da GVT no Cade. Caso os dois negócios se confirmem, a Telefónica reduziria a sua cota na Telecom Italia, o que atende a exigências do Cade.
“Se tiver êxito na proposta de aquisição, a Telefónica evitará o longo e complicado processo que a espera com as autoridades de concorrência, especialmente no Brasil”, disse o analista Iván Carbajo, da corretora independente espanhola Renta 4. Para ele, o melhor cenário para a Telefónica seria a Vivendi aceitar a oferta e receber as ações da Telecom Italia.
A união das duas teles cria uma empresa com mais de 102,3 milhões de conexões de telefonia fixa e móvel, banda larga e TV por assinatura – 94,9 milhões da empresa espanhola e 7,4 milhões da GVT. Desse modo, a Telefônica aproxima-se ainda mais de sua rival mexicana, a América Móvil, do bilionário Carlos Slim, que detém 103,3 milhões de acessos no Brasil. Na sequência estão Oi (74,6 milhões) e TIM (74,2 milhões de celulares).
Como a GVT não tem serviços móveis, a operação poderá ser complementar à da Telefônica, sem barreiras concorrenciais. A tele espanhola concentrou os negócios de rede fixa em São Paulo. Fora desse Estado, o destaque fica por conta de clientes empresariais. Na rede móvel, está presente em todo o território nacional.
A oferta da Telefónica revela uma tentativa de controlar uma empresa que tem comportamento agressivo de expansão de mercado, disse Arthur Barrionuevo, ex-conselheiro do Cade e professor da EAESP/FGV. Em tese, a eliminação da GVT não teria importância para o Cade. Mas importa se isso vai prejudicar a competição, diz ele. Terá de ser considerado se a atuação da Net e Oi será suficiente para garantir a competição.
Sem espaço
O Cade deverá avaliar cada serviço, por município e região metropolitana, e como evoluem preços e a participação de mercado onde a GVT passa a atuar.
Para Cleveland Prates Teixeira, economista que integrou o plenário do Cade e atua na consultoria Pezco Microanalysis, a oferta “envolve um concorrente forte que está incomodando em São Paulo”.
Para o economista Luiz Carlos Delorme Prado, que também foi conselheiro do Cade, o conselho costuma fazer análises locais sobre o impacto de aquisições no mercado de telefonia. “A GVT é uma empresa eficiente que vem crescendo, com resultados muito bons e isso incomoda os concorrentes.”
Já Ruy Santacruz, economista que integrou o órgão antitruste por dois anos, acha que a Telefónica pode obter uma resposta positiva ao demonstrar que está dando à Vivendi a possibilidade de comprar ações na Telecom Italia. Segundo ele, a oferta feita pela GVT pode “livrar a empresa de um problema antitruste”.
Para que os atuais conselheiros possam julgar o caso, é preciso que a Vivendi aceite a oferta e a operação seja notificada à Superintendência-Geral do Cade, que fará um parecer sobre o assunto. Esse parecer será encaminhado aos conselheiros do tribunal do órgão antitruste, que darão a palavra final, aprovando ou não o negócio.
Para um executivo do setor que prefere não se identificar, há o risco de sobreposição de redes das duas companhias mesmo fora de São Paulo por causa da rede móvel, o que também deverá ser avaliado pelo Cade. A explicação é que no mundo atual de redes convergentes, as torres de comunicação, onde estão as estações radiobase de telefonia móvel, são interligadas por redes fixas e podem dar apoio à transmissão de banda larga. É a grande corrida que as operadoras integradas enfrentam hoje, diz ele. As redes de transporte passam a ser redes comuns que dão suporte a todos os serviços.
Outro executivo que atua em uma das operadoras envolvidas no processo de fusão considera difícil o Cade dar anuência prévia à aquisição, se a Vivendi aceitar a oferta, antes de a Telefónica sair do bloco de controle da Telecom Italia. A situação do grupo espanhol ainda não está resolvida. A Telco, que detinha 22,4% de participação na Telecom Italia, com a Telefónica como maior acionista (66%), está em fase de dissolução, mas o processo é demorado. Como no fim do processo a espanhola ficou com 9% da empresa italiana, para esse executivo, essa desvinculação societária terá de ser resolvida primeiro.
A oferta da Telefónica trouxe um valor considerado alto por especialistas, mas é interessante do ponto de vista estratégico.
“É uma defesa para evitar a formação de um grupo forte que poderia vir com a fusão da GVT com a TIM”, diz Renato Pasquini, analista da empresa de pesquisa Frost & Sullivan.
Enquanto isso, a TIM sofre com a possibilidade de ficar de escanteio e perder espaço. O interesse na GVT afasta a possibilidade de a Vivo comprar os ativos da TIM e, portanto, deixa os acionistas minoritários sem o direito a extensão do prêmio de controle, diz o analista Alex Pardellas, da CGD Securities. Além disso, diz, a fusão entre TIM e GVT também sairia de cena.
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Ivone Santana, Tatiane Bortolozi e Juliano Basile, do Valor Econômico