Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A rejeição do concreto

Estando próximo ao período eleitoral, a apresentação de números referentes à pesquisa realizada por tal ou qual instituto deixa a sensação de uma desesperada busca pela certeza. Assim, quando se divulga que o candidato de sua predileção está atrás da preferência eleitoral, resta a esperança – leia-se, torcida – de sua futura superação. Os mais aficionados ainda tentam enveredar, pensando em cenários de segundo turno, de migração de votos de adversários. Cria-se uma expectativa quanto a um escândalo a envolver os nomes dos demais pleiteantes aos cargos. Enfim, tem-se sempre uma expectativa, realizando projeções para o pleito, o seu resultado final e, então, os anos de governo.

No universo dos números capazes de mexer com a imaginação do eleitor e militantes que acompanham de muito perto as eleições, existe uma outra pesquisa a chamar menos a atenção, embora adquira um status relevante na veiculação das notícias dos principais jornais do país. Refiro-me à enquete referente à rejeição de um determinado candidato. Pensando especificamente no caso atual, os níveis de rejeição aos três principais candidatos à Presidência – Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), posicionados nesta ordem nas recentes e principais pesquisas sobre a preferência dos eleitores – normalmente estariam atrelados às suas experiências políticas, fundamentalmente às experiências à frente do Executivo – Dilma como presidente, Eduardo como governador de Pernambuco e Aécio, de Minas, ainda que nos últimos quatro anos esteja exercendo a função de líder da oposição no Senado federal. Notoriamente, o destaque da reprovação da população é dado à petista.

O que se diz é o que se fala?

Questiono-me, neste caso, até que ponto uma notícia focada na rejeição de um determinado governo, em pleno período eleitoral, não reflete um posicionamento de reprovação do governo, feito pelo próprio periódico a veicular a notícia. Atento, principalmente, para o fato de a matéria de O Globo (“Rejeição a Dilma cresce e petista perde votos nos grandes centros urbanos“) ter ouvido especialistas que associam as oscilações do público consultado na enquete à Copa do Mundo. Da maneira como a notícia foi veiculada, parece uma verdadeira canção de Chico Buarque: o povo vive momentos de alegria durante a Copa que permitem esquecer o seu sofrimento. Logo, quando o campeonato acaba, volta-se à normalidade e, portanto, à crítica ao governo.

Tento imaginar uma pessoa sendo abordada para uma entrevista enquanto faz um churrasco em sua casa para acompanhar o jogo da seleção. O churrasqueiro, que não poderia ser outro senão o dono da casa, responde impacientemente ao entrevistador, pois tem a sua atenção voltada para a picanha ardendo na brasa. Sua cerveja, claro, está esquentando. O entrevistador rejeita todas as vezes que lhe foi oferecido um naco da picanha e um trago na cerveja – pois, afinal, passou, antes, em dezenas de casa e ainda tem outras tantas para visitar até o final do dia. O clima fica tenso, pois a carne queima – o que gera motivo para a crítica do cunhado. Contudo, as respostas são computadas.

O final – e a final – do Mundial, todos sabem como foi. Resta, agora, retornar à rotina. Sem carne e sem cerveja, às quatro da tarde de quarta-feira. Percebe-se, então, a ausência de um “legado concreto”, nos dizeres do diário fluminense. Volta o “trânsito ruim” e o “assalto à porta de casa” – nos dizeres do professor consultado pelos jornalistas de O Globo. Agora, sim, pode-se falar mal do governo. Não há mais festa para obnubilar a visão.

Os resultados

Segundo consta através da pesquisa, a satisfação quanto ao governo Dilma Rousseff recuou 5%, ao passo que a rejeição sofreu um acréscimo de 6%. Contudo, suas intensões de voto perderam somente três pontos percentuais: 29% dos eleitores ainda afirmam votar na atual presidente. Mesmo consultando diversos especialistas, o jornal não aponta, de maneira fundamentada, para onde migraram os votos supostamente perdidos. Nenhum dos adversários cresceu de maneira expressiva (somente Eduardo Campos teve um acréscimo de 1%), ainda que o pessoal de O Globo indique um empate técnico em eventual segundo turno com o candidato tucano, após uma gigantesca margem de erro de quatro pontos percentuais, para mais, ou para menos.

Diante disso tudo, fico com a impressão de que o jornal O Globo confunde, propositalmente, campanha eleitoral com avaliação de governo. Não votar em determinado candidato é diferente de fazer uma avaliação negativa de seu governo. Quando os dois horizontes se confundem, tem-se a ideia de que não votar em Dilma Rousseff representa uma avaliação extremamente negativa de seu governo. Para se fazer dessa afirmativa algo taxativo, deve-se levar em conta uma série de elementos, como, somente para ficar em um exemplo, a região em que vota o entrevistado. Isso porque a influência de seu candidato ao governo pode pesar de forma definitiva na escolha do voto para presidente.

De toda forma, dizer que um governo específico não legou nada de concreto à população é uma atitude a ser expressa em editorial. À fala do especialista consultado não são apresentadas informações referentes aos entrevistados de maneira a permitir a identificação do que poderia ser encarado como algo concreto. Para que algo como isto seja veiculado publicamente, deve-se minimamente complementá-lo com “informações concretas”, somente para aproveitar o termo da mesma matéria.

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Ademais, a notícia termina dizendo que a petista terá de correr atrás do prejuízo no horário eleitoral gratuito. Como tem mais tempo que os seus adversários políticos, goza de mais possibilidade de convencimento para, então, reverter a situação. Neste caso, o “concreto” volta a incomodar. Como, agora, com o fim da Copa do Mundo, o eleitor está acordado e atento para as situações do cotidiano – leia-se, problemas do cotidiano – ele será facilmente convencido? Como a presidente, em dois meses de campanha eleitoral, conseguirá convencer de que há algo “concreto”? Afinal de contas, há algo “concreto”? Ou Dilma construirá algo “concreto”? A campanha eleitoral e a utilização de imagem é para a construção de algo “concreto”? Enfim, qual a diferença entre convencimento e o que é “concreto”?

À guisa de conclusão, fica a impressão de que não há certeza quanto ao que é apresentado ao leitor. A preocupação em conseguir fazer com que o resultado de uma pesquisa adquira uma relevância é tamanha a ponto de comprometer o entendimento das próprias informações veiculadas. Prefiro acreditar na desatenção da reportagem e da editoria. O pior de tudo é a sensação de que o leitor mediano, como eu, está sendo subestimado, constantemente subestimado.

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Wallace Faustino da Rocha Rodrigues é professor