O revival da década de 1970 é um dos pontos fortes de Boogie Oogie, trama do moçambicano Rui Vilhena que traz de volta o fervilhar das danceterias que agitaram um dos decênios mais animados da história. Se, do ponto de vista político, o Brasil vivia e sobrevivia sob a égide de uma ditadura, a TV lançava grandes clássicos, como Dancin’ Days, a maior inspiração de Rui para escrever a atual novela das 18h. Depois de seis capítulos, já dá para perceber que reviver o mundo musical da época é um dos grandes fortes da história.
A crítica já apontou alguns dos possíveis deslizes da equipe da novela, dirigida pelo núcleo de Ricardo Waddington. A trilha sonora, toda ela composta por gravações originais do período representado, embora bastante elogiada, já foi alvo de questionamentos acerca de problemas anacrônicos. Alguns hits que embalam o folhetim só vieram a fazer sucesso em anos posteriores ao que a história se ambienta: 1978. A escolha da direção, no entanto, aponta para um caminho possível no terreno da ficção: a inspiração, o símbolo, a alegoria. Boogie Oogie não é um registro histórico do período, mas uma obra ficcional cujo compromisso com a realidade se resume ao nível possível de verossimilhança.
No quesito “semelhanças” com a realidade, a história já começa com um acidente de avião que culmina na morte do noivo da protagonista. O piloto, além de sobreviver, consegue ter forças, mesmo após a explosão, de ir até à igreja revelar a verdade aos presentes. Excesso de ficção? Sim, mas não se pode deixar de reconhecer os méritos de uma produção que resgata o frescor das novelas mais “clássicas”. Boogie Oogie é um folhetim “rasgado” mesmo, com todos os elementos que compõem uma história folhetinesca de sucesso: mocinho e mocinha com obstáculos para se entenderam, vilãs de fácil identificação, personagens carismáticos, trilha empolgante e “imagem de televisão”. Isso mesmo. Ricardo Waddington optou por fugir ao costume de utilizar a fotografia de cinema e buscou uma imagem mais próxima da TV, com definição em 60P.
Força e fascínio
Enfim, os fãs da telenovela têm razões de sobra para acompanhar os conflitos encabeçados por Isis Valverde, Marco Pigossi, Bianca Bin, Giulia Gam, Marco Ricca, Alessandra Negrini e todo o time de estrelas que compõe o elenco da trama que, diferente das que a antecederam no horário, terá mais de 150 capítulos. Interessante notar que a Globo encontra nas raízes do folhetim a inspiração para resgatar o público das novelas, especialmente o do horário das 18h, cada vez mais disperso, exigente e distante. As últimas tentativas de reacender o horário só conciliaram qualidade e altos números de audiência em casos raros, como o de Flor do Caribe (2013) e Cordel Encantado (2011). Mesmo assim, a emissora tem investido em tramas de alto valor qualitativo. O que mais afasta os telespectadores do horário são os jornais sensacionalistas que disputam com a Globo a audiência do horário. Brasil Urgente (Band) e Cidade Alerta (Record) são concorrentes fortes. Não são poucas as estratégias de “showrnalismo” adotadas pelas produções desses noticiários policialescos que disfarçam com prestação de serviço aquilo que, na verdade, é uma exploração das misérias e sofrimentos humanos.
A Globo precisa rever o início da faixa nobre, caso queira continuar insistindo em atingir índices invejáveis. Como apontou Ricardo Waddington, em entrevista ao Estado de S.Paulo, 18 pontos de audiência já é uma “super marca” para os padrões de consumo de hoje, tendo em vista que a segunda e a terceira emissora colocada, por vezes, não conseguem, juntas, nem a soma desse valor. Não é de se estranhar, todavia, que, em alguns anos, a Globo acabe se rendendo a um telejornal de fim de tarde e, quem sabe até, venha a extinguir um de seus horários tradicionais de novelas. Bom mesmo é saber que, apesar de toda a crise existente com os números do Ibope, a busca pela qualidade continua se sobrepondo à luta pela audiência, que digam as tramas anteriores, como Lado a Lado (2012-2013), vencedora do Emmy, mas com média numérica baixa para o “padrão Globo”. Boogie Oogie é bem-feita a ponto de poder ser exibida em qualquer horário: tem o melodrama “rasgado” mais próximo da leveza das 18h; o colorido e a vibração de arte típicos das 19h; os conflitos humanos básicos que renderiam uma empolgante trama das 21h e, com um pouco mais de sedução, uns cigarros e uns copos de uísque, conseguiria agitar o horário das 23h. Logo, estando em casa ou não (já que é possível assistir à novela pela internet), vale a pena dançar de novo na Dancin’ Days doséculo 21. Semelhanças à parte, a identidade própria do folhetim já comprovou a força e o fascínio que a telenovela ainda exerce no imaginário brasileiro.
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Tcharly Magalhães Briglia é estudante de Rádio e TV e professor de Português e de Inglês