Estimada presidente,
No ano passado a senhora zangou-se porque a minha National Security Agency monitorava comunicações do seu governo. Fez muito bem. Agora fiquei sabendo que alguém, usando o serviço da rede do Palácio do Planalto, alterou os perfis de dois jornalistas e a senhora mandou abrir uma sindicância, dizendo que isso é “inadmissível”. Contudo, uma nota do seu governo informou que, por razões técnicas, “é impossível” identificar os responsáveis.
Eu tenho mais horror a jornalistas que a senhora e sou viciado em BlackBerry. Outro dia, durante um jantar, Hillary e Bill Clinton ficaram passados porque eu checava meu aparelho enquanto ele falava. (O casal decidiu me acertar, mas essa é outra história.) Vivendo na Casa Branca, tenho sempre que vigiar os aloprados que me cercam. Um deles inventou que o ataque à nossa embaixada em Benghazi não era um ato terrorista, mas consequência espontânea de uma charge anti-islâmica. Caí no conto e pago por ele. O paranoico do Richard Nixon deixou-se encantar por eles e acabou posto para fora da Presidência. Nossas dificuldades são até parecidas. Eu só lhe escrevo porque a nota dizendo que é “impossível” identificar os aloprados é mais aloprada que eles e ameaça a segurança do seu país.
Um sujeito usa a rede do Planalto e não deixa a impressão digital? Admitamos que uma pessoa resolva fazer isso para transmitir dados confidenciais, segredos de Estado. A Chelsea Manning e o Edward Snowden contrabandearam segredos, mas não usaram a rede do Estado para passá-los adiante. Se um não fosse falastrão, talvez tivesse sido impossível achá-lo. O outro veio a público. O que seu governo diz é que não rastreia permanentemente as comunicações de sua rede. Esses dados precisam ficar armazenados pela eternidade, não por seis meses.
Rede guardada
Senhora, a segurança de suas comunicações está bichada. Além da necessidade do rastreamento e do arquivo, nenhum servidor público pode tratar de assuntos oficiais com endereços eletrônicos privados. Faço-lhe uma confidência, há funcionários do seu palácio que, além de manterem endereços privados, armazenam assuntos de Estado na memória de seus computadores pessoais, sem passá-los aos arquivos oficiais. Acham que estão seguros porque podem apagá-los. São tolos. Apagar disco é tarefa complexa e demorada. Se por acaso o computador vai para oficina, um curioso esperto pode extricar do disco quase tudo o que foi apagado. Ademais, arquivando em computadores pessoais informações do Estado, cometem uma infração.
Procurei informar-me e soube que existem no Brasil servidores civis e militares que conhecem esse assunto. Há até uma entidade privada, o Instituto Brasileiro de Peritos, capaz de ensinar a quem quiser aprender. Recorra a eles, presidente, ou chegará o dia em que seu neto Gabriel encontrará na rede boa parte dos assuntos secretos que passam por sua mesa. E não serão maledicências de Wikipédia, serão coisas muito mais sérias.
A rede de comunicações do governo brasileiro é vossa, cuide dela, pois os outros não haverão de fazer isso.
Michelle manda-lhe lembranças e Sasha espera voltar ao seu Palácio da Alvorada. Ela diz que é o lugar mais bonito em que esteve.
Atenciosamente
Barack Obama
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Elio Gaspari é jornalista