Os novos proprietários do France Soir, que começou como um jornal clandestino na Segunda Guerra Mundial, querem transformar a publicação no primeiro tablóide ao estilo britânico da França. No entanto, eles vêm encontrando grande resistência dos funcionários e do Ministério de Cultura francês, noticia Helene Fouquet [Bloomberg, 21/4/06].
O jornal chegou a ter tiragem de 1,35 milhão de cópias em 1957 e hoje vende apenas 35 mil. Segundo seu novo co-proprietário, Olivier Rey, jornalista conhecido por restabelecer o semanário esportivo But nos anos 90, o diário deve ser modificado tendo como modelo os tablóides do Reino Unido. Rey e o investidor Jean-François Brunois foram beneficiados por uma decisão judicial, no dia 12/4, que os permitiu comprar o jornal, praticamente falido; atualmente, o France Soir carrega um prejuízo mensal de cerca de 800 mil euros.
‘Eu quero um jornal popular francês como os tablóides britânicos. Popular não significa vulgar. Nós deveríamos parar de insultar as pessoas que querem ler um jornal popular’, afirma Rey. Ele planeja colocar mais sexo, esportes e fofocas de celebridades nas páginas do France Soir para contrastar com o resto da mídia francesa, que segue linha bastante diferente do sensacionalismo dos tablóides britânicos, como o Sun, e do sucesso de vendas alemão Bild.
Greve e desaprovação
O plano dos novos proprietários gerou uma greve no jornal, que cancelou a publicação por seis dias. ‘Não me importo com tablóides como o Sun. Se você olhar atrás de uma mulher pelada, há um conteúdo real, mas há também dinheiro. Eu não quero o plano de Rey-Brunois. Eles não têm capital’, rebate o repórter Matthieu Frachon.
Os funcionários gostariam de transformar o France Soir em algo equivalente ao Le Parisien, diário de Paris que é popular e rentável, afirma o editor Serge Faubert. O Le Parisien atrai anunciantes e vende 345 mil cópias diárias. Desde a decisão da corte, os 112 funcionários do France Soir tentaram impedir os planos de Brunois e Rey, que incluem a demissão de mais da metade da equipe. Os funcionários afirmaram, em 17/4, que pretendem apelar da decisão da corte e continuar a greve. Para marcar a oposição, eles publicaram uma edição especial, no dia 14/4, com o título de ‘Resistência’, vendida em bancas e distribuída em frente ao Ministério da Cultura.
A transformação de um jornal que foi o mais vendido no país por 25 anos e símbolo da Resistência francesa também não tem a aprovação do governo. ‘O France Soir tem um passado fantástico, teve grande influência nos eventos da França’, diz o ministro da Cultura, Renaud Donnedieu de Vabres, completando que, caso mude de linha editorial, o jornal não deverá mais receber a ajuda estatal anual de US$ 2,5 milhões.
Já segundo o analista de mídia Jean-Clement Texier, do banco BNP Paribas, a mudança do France Soir para o modelo de tablóide sensacionalista pode ser encarada como o único meio possível para que o diário sobreviva no difícil mercado editorial francês.
Em crise
O novo France Soir será o exemplo mais dramático do esforço francês para tentar atrair mais leitores. Jornais pouco rentáveis, como o Libération e o Le Monde, tentam hoje aumentar sua margem de lucro ao procurar investidores e fazer reformulações em suas páginas. Em 2005, a tiragem dos jornais na França caiu 1,7%, de acordo com o Office da la Justification de la Diffusion, organização com sede em Paris. A circulação vem caindo desde os anos 90. ‘Os jornais estão diversificando suas ofertas, criando revistas e suplementos para atrair investidores’, avalia Denis Bouchez, diretor do sindicato da imprensa parisiense. ‘Eles entraram em um novo modelo econômico’.
A queda de leitores e anúncios na França é ocasionada em parte pela migração do público para a internet e a televisão. Pesquisa feita em novembro do ano passado mostrou que a circulação dos 20 maiores jornais franceses caiu 2,6% – maior queda desde 1991.
O Libération, criado em 1973, vendeu 137 mil cópias em 2005, apresentando prejuízo de US$ 8,6 milhões. O jornal vendeu 39% de suas ações para o banqueiro Edouard de Rothschild e teve que cortar 17% de sua equipe.
A tiragem do Le Monde, terceiro maior jornal do país, caiu 3% no ano passado. O diário também registrou prejuízo de US$ 8,6 milhões. Para tentar chamar a atenção dos leitores e ampliar as vendas, passou a ilustrar a notícia principal do dia com fotos na primeira página. O Le Monde vendeu 16% de suas ações para o Grupo Prisa, por 25 milhões de euros.
O Le Figaro, jornal mais antigo da França, gastou cerca de oito milhões de euros em 2005 em uma reformulação. Para este ano, é esperado prejuízo. Desde 2004, o jornal de 180 anos se beneficia do apoio de seu novo proprietário, Serge Dassault, empresário da indústria de armamentos e fabricante do avião de caça Mirage.
Elitistas
A grande maioria dos jornais nacionais cobre política, economia e notícias em geral. Os tablóides não são bem aceitos pela intelectualidade francesa. Os jornais do país são ‘elitistas’, afirma Patrick Eveno, historiador da mídia francesa e professor da Universidade de Sorbonne. ‘Não é melhor conversar com os vizinhos e amigos sobre futebol, sexo, crime e políticos, em vez de simplesmente ignorar estes assuntos?’, alfinetou, certa vez, em um editorial no Le Monde.