No dia 7 de agosto, uma quinta-feira, o Diário Catarinense lançou a série “Terra Contestada”, que acredita que antropólogos reconhecidos nacionalmente fabricam aldeias indígenas no estado com apoio da Funai. As reportagens, escritas por Joice Bacelo e editadas por Ivan Rodrigues com ares investigativos, não são mais do que o Ctrl + C e Ctrl + V dos relatórios de órgãos catarinenses com interesses nítidos em vender tal fantasia. Mas, como profissionais da imprensa podem comprar teorias tão esdrúxulas sem questionar? Talvez pela caçada aos prêmios nacionais? Talvez pela incapacidade de ouvir e contextualizar (atributos de todo bom repórter)? Não temos a resposta. O que sabemos é que um trabalho que deveria ser conduzido com seriedade é uma fábrica de erros.
Para aqueles que não leram a matéria, aqui está o link: http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/pagina/terra-contestada.htmlSerá mais fácil acompanhar as análises.
Erro 1. Arte
A denúncia de que indígenas Guarani se apropriaram de terras catarinenses que não lhes são de direito é ilustrada com um cocar pataxó, de indígenas que vivem no extremo sul da Bahia e no norte de Minas Gerais.
2. Título
O título é “Terra Contestada”. E a pergunta que a repórter não fez: Por quem? Pela PGE (Procuradoria Geral do Estado), que apresenta três alegações: a ocupação tradicional, a proposta de ampliação do território e a informação de que o estado de Santa Catarina não participou dos estudos.
Os três questionamentos foram respondidos por pessoas que entendem deste processo: a Funai, antropólogos reconhecidos nacionalmente, e a procuradora da república Ana Lúcia Hartmann, além de diversos órgãos federais. Mas a repórter não os considerou e bancou sua tese sem se fazer outra pergunta básica. Qual o interesse do estado na destruição da Terra Indígena do Morro dos Cavalos? Ah, isso também é respondido no texto. “O morro dos Cavalos é considerado ainda hoje o principal entrave da duplicação da BR-101.”
Mesmo a rodovia sendo federal, o governo de Santa Catarina já se manifestou dezenas de vezes sobre os malefícios dos atrasos. O governador que tiver estas obras concluídas tem publicidade garantida na campanha eleitoral. Já o segundo contestador é a Fatma (Fundação do Meio Ambiente). A Fatma alega não ter técnicos para estudar a poluição dos rios. Sobre a poluição das águas do mar, sua única ação é colocar uma plaquinha alertando sobre os riscos da balneabilidade. Além disso, o órgão também é investigado por autorizar construções em áreas de preservação e mangues. O Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) abriu inquérito contra a Fatma por corrupção e ineficiência.
A Fatma também é conhecida como trampolim de políticos. Quando perdeu as eleições para prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro ganhou o posto de presidente da Fatma, mesmo não tendo nenhuma atuação com o meio ambiente. É advogado e administrador. Em datas festivas usou o nome da Fatma para estampar outdoors com seu rosto e frases de efeito, como “Mãe e natureza só tem uma”. Também é investigada sua participação na autorização da licença concedida à BMW em Araquari, sem consulta da Funai. Agora é candidato a deputado estadual.
3. Frases de efeito sem apuração
A primeira frase da série é “Santa Catarina virou um sonho de uma terra exclusiva para os índios guaranis”. A repórter não explica o que alicerça sua frase de efeito, mas ela é estatisticamente impossível, já que a população Guarani em três países da América do Sul é de 100 mil indígenas e a do estado de Santa Catarina é de mais de 6 milhões de pessoas. A proporção é praticamente a mesma em um século. Os Guarani nunca buscaram um estado exclusivo para seu povo e atualmente representam 0,7% do território catarinense. É um contrassenso numérico e cultural (mas a repórter em nenhum momento demonstra ter estudado sobre a cultura do povo para estruturar seu texto).
4. Acusações sem fontes
“Grupos indígenas largaram o pouco que tinham nas aldeias de origem guiados pela promessa de terra fértil e farta.” De onde surgiu esta frase? O princípio do jornalismo não é a investigação? Quantos indígenas vieram de fora, de quais países, em quais anos, quais seus nomes, parentescos? Na matéria impera a suposição, a leviandade.
A repórter também desconhece a realidade Guarani. Fartura e fertilidade? Você encontrará isto somente nas lendas.
A vida Guarani é de luta e dificuldade. Na verdade, a situação indígena no Brasil é assim. Basta se informar: 55% das crianças mortas por desnutrição são indígenas, mesmo que representem 4% da população nacional.
5. Ausência de cruzamento de dados
A reportagem só considera o crescimento populacional da terra do Morro dos Cavalos. Em nenhum momento avalia o crescimento populacional do estado, nem no município de Palhoça.
6. Juízo de valor
“Essa história se inicia no Morro dos Cavalos, localidade 30 quilómetros ao sul de Florianópolis e cenário de um atraso histórico no país.” Ao longo do texto, a repórter associa o atraso aos Guarani à antropólogos e à Funai. Em nenhum momento cita o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Por quê? A procuradora do Ministério Público Federal (MPF) Ana Lúcia Hartmann levanta a mesma questão em carta enviada para o diretor da redação do Diário Catarinense: “Talvez esse jornal não saiba que o DNIT teve problemas e consequentes atrasos (anos) para a contratação dos estudos para a licença ambiental daquele trecho, ou desconheça que o DNIT alega também a ocorrência de dificuldades burocráticas para a célere contratação do projeto de engenharia dos túneis. E o DNIT alega isso oficialmente, em um processo judicial em tramitação na Justiça Federal dessa capital, cujos documentos e registros de audiências estão à disposição do DC e dos demais órgãos da imprensa. Talvez esse jornal não tenha relacionado esse atraso do DNIT com outros trechos igualmente atrasados da mesma obra de duplicação na BR 101 (ou outras estradas federais em Santa Catarina). Mas deveria fazê-lo (investigar), pelo bem da informação adequada. Esses contratos relacionados com a duplicação, aliás, são públicos e podem facilmente ser acessados e estudados pelos jornalistas interessados.”
7. Falta de conhecimento histórico
A repórter afirma que a antropóloga Maria Inês Ladeira “para sustentar a tese de que o grupo era tradicional da região, os associou aos índios carijós (que habitaram o litoral na época da colonização em 1500)”. Entretanto, “Carijó” era como os bandeirantes chamavam os índios de língua guarani que viviam no litoral catarinense nos séculos 16 e 17. E a colonização do litoral catarinense foi a partir de 1617. Um século depois do que afirma a reportagem.
Outra questão: para os Guarani, não existe Paraguai, Argentina, Brasil. Eles são anteriores a estas fronteiras, e as transpõem.
8. Fontes invisíveis
“Morro dos Cavalos também deu origem a novas aldeias. Oficialmente foram duas. Entretanto, dados extraoficiais, a partir do relato dos próprios indígenas (…)”. Quais suas fontes? Já que a reportagem sobre o Morro dos Cavalos não foi até o Morro dos Cavalos. Nunca esteve na aldeia Itaty.
9. Suposição x Apuração
“(…) revelam mais que isto: outras 19 pequenas aldeias próximas a Florianópolis teriam ligação com a reserva”. A matéria cita o nome e localização das aldeias indígenas? Não. É porque elas não existem.
10. Termos incorretos
A Terra Indígena do Morro dos Cavalos é designada incorretamente como “reserva” na reportagem.
11. Construção narrativa
A construção narrativa é uma das armas para reportagem bancar sua tese. Primeiro ela expõe a teoria que move a matéria. Depois a que é legalmente validada. E novamente falta a pergunta, qual o interesse dos antropólogos com a manipulação? “Duas teorias dividem especialistas: a que prega a manipulação da migração de índios por parte de antropólogos e funcionários da Funai. E os que defendem a vinda dos estrangeiros como uma dinâmica natural dos guaranis (sic), capaz de garantir o reconhecimento de uma terra tradicional onde quer que seja, independentemente de fronteiras.”
12. Lacunas informativas
A explicação sobre processo de demarcação está fragmentada. A contestação também é apresentada pela procuradora Ana Lucia Hartmann. “Nenhuma prova ou argumento até hoje apresentados foi capaz de afastar a legalidade e legitimidade do procedimento de demarcação da Terra Indígena Morro dos Cavalos.”
A atual ação do estado no STF foi proposta apenas agora e após intensa pressão política.
A matéria jornalística, lamentavelmente, dá destaque a um emaranhado de acusações infundadas e à utilização fora do contexto de frases parciais, além de indicar uma má compreensão da legislação indigenista e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. A matéria omite o fato de que não apenas a Funai reconhece tratar-se – o Morro dos Cavalos – de Terras Indígenas. O Ministério da Justiça reconhece, o DNIT, a Eletrosul, a Petrobras e o TCU igualmente.
13. O antropólogo contestador
O antropólogo ouvido pela reportagem para contestar a legalidade das Terras Indígenas é Edward Luz. A repórter escreve sete linhas enfatizando as titulações do profissional, mas pelo jeito desconhece a matéria publicada na revista Rolling Stone “O mercado das almas selvagens”, que conta sobre o trabalho de evangelização de Edward Luz nas aldeias indígenas. O antropólogo foi proibido pela Funai de se aproximar de indígenas por pregar que só a bíblia salvará os índios, desrespeitar a religião de cada etnia e difamar com histórias demoníacas e sem nenhuma comprovação algumas tribos.
Leiam as matérias da Rolling Stone aqui e aqui.
Trechos da matéria
“Edward Luz, que atualmente é o presidente da Novas Tribos do Brasil. Antropólogos afirmaram então que cerca de 30% da população índia pereceu devido a doenças levadas pelos missionários. Possuelo, que trabalhou junto aos zo’é, determinou a retirada dos missionários assim que assumiu a Funai. Na visão de Luz, que até hoje tenta retomar contato com os zo’é, a Funai “persegue” os missionários.
“Nós, como instituição, só temos a agradecer a essa perseguição. Porque quanto mais a perseguição vem, mais nós crescemos”, afirma Luz. “O Cristianismo sempre foi pautado por isso. O sangue dos mártires regava a semente daqueles que haviam de nascer. E no governo brasileiro isso foi a mesma coisa.”
Conheci Edward Luz no V Congresso Brasileiro de Missões, em 2008, em Águas de Lindoia (SP). Naquele momento, o drama da tribo dos índios suruwahá estava à tona: a Funai havia expulsado dali o grupo “Jovens com uma Missão” (Youth with a Mission, no original). Os missionários acusavam os índios de serem violentos assassinos de crianças e praticarem o infanticídio – era preciso a evangelização para salvá-los. A Funai culpa os missionários por uma leva de suicídios que chegou a atingir 10% da população local. Marcia Suzuki foi a missionária que se colocou como porta-voz do drama.
No que depender das agências evangelizadoras, porém, a luta está apenas começando. “A perseguição nos dá força. O sangue dos mártires regava as sementes daqueles que haviam de nascer”, reforça o missionário Edward Luz, prometendo jamais desistir de evangelizar o povo zo’é, de onde foi expulso pela Funai. “Nós vamos voltar para os zo’é. Não sei como. Mas vamos voltar. Nosso Deus é soberano. O homem pode espernear, mas no final vai ter um encontro com Deus. E, se não estiver preparado, vai sofrer.”
Luz prevê que, se o estado tentar impedir a pregação da Bíblia nas aldeias, o fato poderia unir todas as denominações evangélicas, que são rivais entre si. “Se [o governo] proíbe pregar o evangelho, está proibindo a liberdade da adoração; proíbe o autor do evangelho, o senhor Jesus; e proibiu a Bíblia, proibiu o Deus criador”, diz. E desafia: “E nós partimos para um confronto”.
14. Lembrete
As três fontes que sustentam a ideia de “fabricação da terra guarani” são a PGE, a Fatma e o antropólogo Edward Luz.
15. Desproporção
O antropólogo Edward Luz tem sete linhas de titulações, a presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati, oito linhas descredenciando suas titulações. “Em entrevista ao DC na sede do órgão, em Brasília, Guta – como é conhecida no meio – respondeu à maioria das perguntas de forma genérica, inclusive nas questões sobre o Morro dos Cavalos. Se limitou ao que acontece somente na sua curta gestão”.
E a antropóloga Maria Inês Ladeira, uma frase e meia de titulação, e cinco de insinuações.
16. Ignorar a fonte
Apesar de a reportagem afirmar que as respostas da presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati, são genéricas, elas explicam diversas falhas da apuração. Mas a fonte não foi levada em consideração.
>> Alguns trechos:
“DC – Para demarcar a área, a ocupação tradicional precisa remontar a qual período histórico?
Maria Augusta – A Funai faz um estudo etno-histórico da presença daquele povo na região, então você analisa se existem elementos da relação daquele povo com aquela terra. São muitas variáveis, como relação com ambiente, recursos naturais, se existem ancestrais na área, se a ocupação é mais ou menos recente, se o povo para sobreviver física e culturalmente precisa da área ou não. São dados etnográficos, fundiários, ambientais. É estudo complexo, que não se baseia apenas em laudos antropológicos.
DC– Por que o estado de Santa Catarina não foi consultado durante o processo de demarcação? A opinião do governo não é levada em conta?
Maria Augusta – O governo estadual é parte da discussão. Hoje existe uma portaria que determina que devem ser ouvidos os entes federados envolvidos na área que está sendo estudada. Isso é cumprido pela Funai. Na época do estudo legislação era outra.
DC – Mas o mesmo laudo antropológico, apresentado pela Fatma, cita participação da Funai.
Maria Augusta – A colocação é fantasiosa, faz parte da criação de um estereótipo indevido do trabalho da Funai e não corresponde à verdade, ao trabalho de um órgão público que integra o governo federal, pautado por leis, ordenamento jurídico e ordenação ética que merece respeito por parte da sociedade.
17. Estigmatização dos antropólogos
A reportagem tenta construir com ares investigativos a imagem que os antropólogos são pilantras, para descredenciar o trabalho. “É em um bairro classe média de São Paulo, próximo à Vila Madalena, que fica a sede da ONG Centro de Trabalho Indigenista (CTI). Na fachada, nenhuma placa ou qualquer elemento que identifique a organização. Dentro, assemelha-se a um escritório: com recepção, uma sala de reuniões e outra de trabalho.(…)Os antropólogos não se deixam fotografar. E mesmo diante do reconhecimento que carregam pelo trabalho, na internet quase não há imagem deles.”
18. Indução
A matéria leva a crer que Maria Ladeira é a responsável pelo processo de demarcação e ignora que dezenas de antropólogos têm estudo de caso. Inclusive pesquisadores da Universidade de Santa Catarina, como o renomado Silvio Coelho dos Santos.
19. Segundo dia, sexta-feira
O segundo dia da série se chama “O destino incerto das indenizações” e acusa a Funai de não explicar o que foi feito com os R$ 11 milhões arrecadados legalmente através de convênios para minimizar os impactos nas aldeias e beneficiar ONGs com o dinheiro dos indígenas.
>> O acusador: Edward Luz.
Vale salientar que Edward Luz foi formalmente desligado da Associação Brasileira de Antropologia, a principal instituição científica do país no âmbito da disciplina, pois o Conselho Diretor da Associação entendeu que a postura profissional deste senhor atenta contra Estatuto e o Código de Ética da Instituição. Não bastasse, o Sr. Edward Luz nunca publicou nenhum trabalho acadêmico sobre o povo Guarani.
20. Dinheiro (resposta à reportagem)
O Pacig (Programa de Apoio às Comunidades Indígenas Guarani) foi concebido em 2002, a partir dos estudos de impacto para as comunidades indígenas do projeto de duplicação da BR 101, em seu trecho sul. Sua proposta foi desenvolvida pelos servidores da Funai do Depima (Departamento de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente) e discutida com as comunidades indígenas afetadas pela obra. Houve, também, ampla participação do Ministério Público Federal e de entidades ligadas à defesa dos Guarani na região. As ações do Programa foram divididas em três subprogramas principais: o fundiário, o sócio-econômico-ambiental, e o de infraestrutura. A proposta do Pacig resultou num convênio entre a Funai e o Dnit, em 2002. O Dnit depositou os R$ 11 milhões na conta chamada Renda Indígena, que a Funai gerencia. Com o dinheiro a Funai comprou terras e construiu casas para nove comunidades Mbyá e Nhandéva, identificadas nos estudos do componente indígena do EIA/RIMA, que mantinham relação ou referência com a BR-101, apenas no trecho entre os municípios de Palhoça (SC) e Osório (RS).
21. O desabafo do primeiro índio do Morro dos Cavalos
Neste trecho da matéria, o acusador é o indígena Milton Moreira, que a reportagem diz que foi expulso do Morro dos Cavalos por outra etnia. Milton vendeu a terra do Morro dos Cavalos ilegalmente. Foi expulso por três vezes de aldeias indígenas, sendo uma pelo próprio filho. É contrário ao processo de demarcação. Milton também disseminou a história que nasceu no Paraguai, assim como os outros indígenas do Morro dos Cavalos. É mentira. Ele nasceu em Palhoça. A Funai tem seu registro de nascimento.
Aliás, o Grupo RBS publicou uma matéria clara sobre o assunto, mas pelo visto a reportagem desconhece até o que seu jornal publica – http://horadesantacatarina.clicrbs.com.br/sc/noticia/2013/03/indios-de-aldeia-de-palhoca-aguardam-ha-20-anos-demarcacao-de-terras-4090723.html
22. Outra fonte ignorada
A procuradora da República Ana Lúcia Hartmann expõe a situação do Morro dos Cavalos, que acompanha há 15 anos, mas a repórter não avalia e segue com sua matéria “investigativa”.
23. Descaso
A reportagem acusa o descaso da Funai. Mas a realidade é outra: o descaso é com a Funai.
24. Outro conspirador
A reportagem escolheu fontes a dedo. Edward Luz, e depois o jornalista mexicano Lorenzo Carrasco, famoso por teorias conspiratórias sobre organizações ambientalistas e indigenistas. “Carrasco já foi assessor político da UDR paranaense (a União Democrática Ruralista). Em 1984, o grupo LaRouche chega ao Brasil. Lorenzo Carrasco e Silvia Palacios, casal de mexicanos e testas-de-ferro da organização, instalam-se no Rio de Janeiro, onde residem até hoje. Carrasco e Palacios credenciaram-se como jornalistas, diretores da agência EIRSN. Nestes anos os dois têm comandado um grupo de militantes que atua sob o nome de (MSIA) Movimento de Solidariedade Íbero-Americana. Carrasco viaja pelas principais capitais brasileiras, difundindo as idéias de LaRouche em conferências e vendendo assinaturas das publicações do grupo. O MSIA publica o boletim Solidariedade Íbero-Americana, distribuído semanalmente apenas para assinantes, com artigos sobre a conjuntura nacional e internacional, sob a ótica de LaRouche e suas teorias conspiratórias. Os alvos dos ataques dos larouchistas brasileiros, tanto em seu órgão de divulgação oficial quanto na grande imprensa, são o Greenpeace, o Movimento de Trabalhadores Sem Terra, o Foro de São Paulo, a Pastoral da Terra, o Partido dos Trabalhadores, e o Movimento de Justiça e Direitos Humanos.”
>> Leia mais aqui.
25. Terceiro dia, sábado
A matéria intitulada “Da ONG CTI à alta cúpula da Funai” supõe que as relações entre CTI e Funai são escusas, conspira, divaga e não prova nada. Abre com a denúncia com acusações de um funcionário da Funai sem nome e as mesmas fontes dos dias anteriores, Edward Luz e Carrasco.
A reportagem acha estranho que antropólogos renomados trabalhem na Funai, seria normal se fossem garçons? A CTI é referência nacional. Seus antropólogos, como a Maria Inês Ladeira, têm mestrado e doutorado na área indígena, diversas publicações sobre Guarani, e anos de experiência, por isso são contratados, pelo currículo, não pelo parentesco.
A reportagem deveria ampliar a investigação e analisar o currículo das suas outras fontes, tão bem atribuídas no texto.
26. Processo de demarcação
Prove que o processo de demarcação não partiu de uma solicitação indígena. A Funai tem documentos que provam o contrário. Registros, cartas. E aí?
27. Juízo de valor no titulo
A quarta matéria sugere no título que dignidade para os indígena é não ter vínculo com a Funai (ver aqui)
28. Erro de apuração na primeira linha
“Foi a partir de um decreto assinado em 2012, que a Funai abre mão da tutela dos índios, que o então cacique da maior terra indígena de Santa Catarina vislumbrou a possibilidade de um novo modelo de vida na aldeia”.
A tutela acabou em 5 de outubro de 1988, já que a Constituição Federal reconhece os indígenas como cidadãos.
29. João Carlos Tedesco
É professor da universidade de Passo Fundo. Não tem nenhum trabalho sobre os indígenas de Santa Catarina. Sua experiência está restrita a outro estado.
30. O motivo da série “Terra Contestada”
No último dia da série, a mola propulsora de todas as acusações estampa o título “Atraso e impacto na economia” (ver aqui).
E o Diário Catarinense culpa novamente a Funai e os Guarani pelo atraso nas obras. O que demonstra falta de clareza na compreensão do processo legal. A Funai segue a Portaria Interministerial419/2011, que regula a participação da Funai, Iphan, Fundação Palmares, ICMBio e demais, no processo de licenciamento coordenado pelo Ibama. A Funai é consultada pelo Ibama, consulta os indígenas respeitando o Decreto 5051/2004, sobre a construção das obras. É o processo legal. A Terra Indígena do Morro dos Cavalos foi demarcada, mas os ocupantes não indígenas não foram retirados de lá. Quando a proposta da quarta pista foi apresentada pelo Dnit (após longos anos de atraso) os indígenas solicitaram mais terras para se afastarem da estrada. E deve ser assim, já que o licenciamento ambiental aponta risco de proximidade com a quarta pista e o subsolo será implodido e poderá haver desmoronamento.
A medida é simples e respeita a vida. Mas foi ignorada pelo Dnit que descumpriu decreto e portaria. Sendo assim, a Funai não poderia concordar com a obra. A Presidência da República através da Casa Civil e do Ministério da Justiça entendeu o posicionamento indígena. Mas o estado de Santa Catarina não providenciou a retirada das famílias. (Agora,um flash back: qual a principal fonte de denúncia da repórter?)
Os ocupantes receberam a indenização da Funai, os Guarani se afastaram da rodovia, e a construção da quarta pista está na metade. Houve atraso? Sim, do Dnit e do Governo de Santa Catarina.
30. Consideração final
Não nos surpreende que a série seja encerrada com análise sobre os impactos econômicos com os atrasos na BR-101. A reportagem deixa claro que não tem respeito, interesse e o mínimo de humanidade para tratar da questão indígena.
>> Nota do Centro de Trabalho Indigenista sobre a matéria “Terra Contestada”, publicada no jornal Diário Catarinense.
<
******
Nuno Nunes é filósofo, escritor, indigenista emestre em educação e comunicação pela Universidade de Santa Catarina; Cristiano Mariotto é sociólogo, assistente social emestre em serviço social pela Universidade de Santa Catarina