Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crônicas de Mário Filho explicam crises de hoje

Na fartura de publicações de livros de futebol, o maior legado da Copa é a reunião de textos do jornalista e escritor pernambucano Mário Filho (1908-1966).

Muita gente ainda teima em apresentá-lo só como o irmão do gênio Nelson Rodrigues. Hora de virar esse jogo. No jornalismo esportivo, Nelson foi quem amarrou humildemente as chuteiras do irmão e o reverenciava como o maior de todos, um homem do tamanho do Maracanã, estádio que tem o seu nome.

Sorte do leitor que agora herda “As Coisas Incríveis do Futebol ““ As Melhores Crônicas de Mário Filho”, uma garimpagem do pesquisador Francisco Michielin no arquivo da revista “O Globo Sportivo”, que circulou de 1938 a 52, dirigida pelo próprio Mário e por Roberto Marinho.

“Ele é o maior de todos. Nenhum de nós, jornalistas esportivos, somos capazes de engraxar os seus sapatos”, diz José Trajano, outro bamba do ramo, na apresentação do livro. É preciso atentar para observação de Alberto Helena Jr., na qual revela como Mário Filho antecipou em décadas a escola do “new journalism” norte-americano de Gay Talese, Norman Mailer e Tom Wolfe.

O mesmo Mário autor da obra considerada fundamental para entender aspectos sociológicos da mestiçagem: “O Negro no Futebol Brasileiro”, de 1947, com prefácio de Gilberto Freyre e filiado ao estilo de “Casa-Grande & Senzala”.

Neste as “As Coisas Incríveis…”, o leitor atento a esta Copa no Brasil encontrará explicações, ainda na crônica esportiva dos anos 1940, sobre crises de hoje. Não há como não ver o drama de autoridade do zagueiro Thiago Silva no texto “Apogeu e Declínio do Capitão do Time”.

Máxima eterna

Para os casos de ética em campo, e não foram poucos no Mundial da Fifa, vale a receita de “A Evolução do Escrúpulo no Futebol”.

Os arroubos, maluquices e invasões de torcedores têm na crônica “Sururu” o espelho no passado, quando a “elite branca” da cartolagem ou a plebe rude invadiam os gramados em arruaças épicas de causar inveja aos “barrabravas” argentinos.

No texto de Mário vemos de onde o irmão Nelson fisgou a hipérbole que marca a literatura da família e é responsável por multiplicar como Gremlins o número de jovens cronistas esportivos de hoje.

O legado da Copa ainda deixa mais um gol do Mário: “Histórias do Flamengo”, publicado em 1945 e cuja derradeira edição é de 1966.

Se você torce para o time carioca, a leitura se dará com o peito estufado pelo orgulho do vermelho e o negro ““forma de entender as origens e a continuidade da paixão desmedida. Caso você seja adversário do urubu da Gávea, vale a leitura do mesmo jeito. Como entender o fenômeno Fla-Flu sem o texto do homem que deu esse apelido ao clássico?

A loucura de ser flamenguista é encarnada no relato do autor por personagens como o escritor José Lins do Rêgo e Ary Barroso. Seja célebre ou anônimo, vale uma máxima de Mário Filho: “Escolhe-se um clube como se escolhe uma mulher. Para toda a vida ou até que Deus separe. É mais difícil deixar de amar a um clube do que a uma mulher.”

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Xico Sá é colunista da Folha de S.Paulo