Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Humoristas temem censura de piadas políticas

Quando os comediantes Varun Grover e Sanjay Rajoura subiram no palco de uma casa de shows lotada, na última semana, cheios de piadas sobre o novo primeiro-ministro da Índia, eles sabiam que estavam pisando em um terreno político complicado.

Fazer piadas sobre Narendra Modi é arriscado, não apenas pela da reputação do líder nacionalista hindu de ter ferozes seguidores, mas também por causa de sua altíssima popularidade. Ainda assim, os pioneiros na indústria indiana de stand-up comedy continuam testando os limites do humor.

– Levante a mão se você votou no primeiro-ministro Narendra Modi, e se você não está envergonhado – disse Grover, de 34 anos, à plateia.

Alguns riram, mas muitos levantaram suas mãos. Depois, um bombardeio de piadas sobre Modi continuou.

– Para um partido de direita que é contra a homossexualidade, o BJP tem estado obcecado com um peitoral masculino, há meses – disse Grover, se referindo à fascinação do simpatizantes do Partido Bharatiya Janata (Partido do Povo Indiano) ao primeiro-ministro e seu peitoral de cerca de 140 centímetros.

Medida essa que Modi autodeclarou em um discurso, no estado de Uttar Pradesh, alegando que seria necessário um homem com peitoral dessa largura para trazer o desenvolvimento à região.

A plateia assobiou e gargalhou a cada piada. Em um gesto de aprovação, alguns gritavam: “Estão mandando muito, cara!”

A Índia tem uma longa tradição de sátiras em poesias, mímicas e filmes de comédia. Porém, como a indústria indiana de cinema está em decadência e a classe média está em expansão, junto com a auto-confiança dos indianos e sua vontade de rir de si mesmos, esse tipo de comédia, vinda dos Estados Unidos, está emergindo como a novidade mais atraente entre os jovens nas cidades grandes.

– Está quase tão na moda como ter um buffet de massas em casamentos em Punjabi – ironizou Grover.

Esse estilo de apresentação começou no país durante um programa de televisão de caça-talentos, há alguns anos, mas foi apenas em 2009 que o primeiro clube de comédia abriu em Bombaim. Agora, mais de uma dúzia de cidades promovem festivais de comédia, e os que abriram negócios têm recebido muitos currículos de pessoas querendo atuar na área.

Dois minutos

O hábito crônico de cuspir, os crimes de honra, a celebração da Hora do Planeta quando nem sequer há eletricidade, os relacionamentos, as pressões familiares, os congestionamentos, o sistema de castas, Bollywood, os deuses hindus, a explosão tecnológica, o excesso de população, as pessoas que não falam inglês e até Mukesh Ambani, o mais rico indiano barão dos negócios… Tudo na Índia é motivo de piada para os comediantes.

Mas, enquanto as empresas prosperam e as piadas dos clubes se espalham, os comediantes começam a temer atrair a atenção da censura do Estado.

– Carregamos o título de ser “a maior democracia do mundo”, mas, às vezes, quando você põe essa democracia à prova, percebe quão fraca ainda é – argumenta Grover.

Nos últimos anos, grupos vigilantes pediram a proibição de livros, filmes, letras de músicas e obras de artes que consideram ofensivos.

– Atualmente, nesta terra das ofensas fáceis, stand-up comedy é um oásis. Eles dizem que o querem, se arriscando nos limites, em parte porque têm permanecido em circuitos pequenos –disse Jaideep Verma, que fez um documentário sobre a indústria humorística e a intolerância crescente no país, chamado de “Eu estou ofendido”. – Mas isso pode não durar muito.

Ser alvo da censura, no entanto, pode significar, também, que alguns fizeram mau uso da liberdade.

– Os que podem assistir às apresentações em inglês são urbanos, de castas altas e bem-sucedidos – disse Rajnish Kapoor, um comediante de Nova Délhi. – Alguns comediantes comumente fazem piadas pesadas e insultam pessoas de castas inferiores porque sabem que nada vai acontecer.

Muitos costumavam fazer piadas machistas e sobre estupro. Mas isso mudou depois do abuso de uma gangue, que matou uma jovem em Nova Délhi em 2012, espalhando revolta por todo o país. Agora, piadas sobre abusos sexuais são consideradas fora dos limites e se alguém tenta fazê-las, o público não ri.

– Na Índia, tratamos o abuso sexual como uma provocação, como se fosse algo fofo e benigno, como algo que um filhote de cachorro faria à uma fada sob o arco-íris – disse Aditi Mittal, um comediante de 27 anos, conquistando risadas das mulheres na plateia, recentemente no clube Manhattan, em Gurgaon, um subúrbio de classe alta em Nova Délhi. – Mas, atualmente, estamos vivendo uma revolução na Índia. Nós acabamos de descobrir que mulheres também são seres humanos.

O maior sucesso da comédia indiana pertence a Kapil Sharma, o apresentador de 33 anos de um programa televisivo semanal e hindu, no canal de entretenimento Colors. Estrelas e humoristas de Bollywood aparecem no show, mulheres que são suas fãs enviam pedidos de casamento, homens aparecem na sua porta com presentes e crianças vestem camisas com suas frases de efeito.

Mas, algumas pessoas dizem que a televisão amenizou o humor de Sharma.

– Crianças pequenas e avós assistem às minhas apresentações. Eles acreditam que eu não irei dizer coisas ofensivas – disse Sharma. – Na Índia, temos tantas religiões, línguas e castas, que crescemos com um dispositivo de autocensura dentro de nós mesmos – completou.

Mas, fora da televisão, há muitos questionamentos sobre a nova e emergente Índia. Questões como os privilégios de classes e os efeitos da modernidade são trazidas pelos comediantes que se apresentam em hindu ou línguas regionais.

– Eu levo a minha raiva para o palco. A raiva das últimas duas décadas de crescimento econômico que somente aumentou a desigualdade social. Nossa sociedade patriarcal inerente foi agravada por esse capitalismo desgovernado – disse Rajoura, de 42 anos, um comediante hindu de Nova Délhi, que satiriza classes e a divisão entre o urbano e o rural. – O crescimento do stand-up comedy é bom. Mas, antes, o humor era usado como uma linguagem para o protesto. Hoje, é entretenimento para uma classe média privilegiada.

Enquanto isso, as risadas provaram ser uma boa forma de fazer política. Um comediante de Punjab foi eleito, este ano, para o Parlamento como um membro do novo Partido do Homem Comum. Ele fez uma crítica a Modi dentro do Parlamento que virou um sucesso no YouTube. Em versos que rimavam, Bhagwant Mann alfinetou a promessa eleitoral de Modi de trazer os “bons dias”, chamando atenção para o aumento permanente dos preços, no país.

– Diga, quando os bons dias chegarão? – questionava seu refrão. – Somos um partido pequeno. Temos apenas dois minutos para falar no Parlamento. Como um comediante, eu tenho uma vantagem. Eu conheço o vocabulário econômico e eu sei fazer graça – disse Mann.

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Rama Lakshmi, do Washington Post