Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A aparente contradição do setor financeiro

Ao observarmos a imprensa econômica tradicional – porta-voz do setor financeiro e suas necessidades –, notamos que no Brasil e em outros países da América Latina ela exerce uma forte pressão no sentido da ortodoxia, da austeridade. Enquanto na Europa, o que se assiste é esta mesma imprensa clamar por intervenção estatal, por políticas expansionistas.

O Valor Econômico do dia 13/08 publicou reportagem assinada por Ribamar Oliveira, intitulada “Agosto e setembro serão cruciais para o superávit”. A palavra “crucial” já indica o quanto valorizam esta questão, mas outros sinais também são dados. O artigo menciona que o caixa acumulado no primeiro semestre foi baixo e que neste o esforço tem sido maior, explicando ainda que o governo precisa de “R$ 65,4 bilhões para alcançar a meta, ou R$ 10,9 bilhões de superávit primário por mês de julho a dezembro”. A meta de superávit foi definida em 1,9% do PIB, ou 80,8 bilhões de reais. Há espaço também para uma chantagem, quando lemos que “a eventual frustração da meta e sua repercussão junto aos agentes do mercado poderá resvalar no debate da eleição presidencial”.

O Financial Times, por sua vez, publicou artigo de título “Europe now needs full-blown QE” no último dia 14. Este foi traduzido pelo Valor no dia seguinte. Podemos notar, novamente, o grau de relevância da questão já no título, pois a necessidade dos Quantitative Easing – ou afrouxamento quantitativo – é tida como imediata, imperativa. O texto inicia taxando de não funcionais as políticas liberalizantes/austeras tomadas após a crise de 2008, aponta queda de 0,2% na economia alemã no segundo trimestre e reclama que os rendimentos dos títulos de dez anos do país foram abaixo de 1% pela primeira vez na história.

Passa pela França informando que a redução do déficit público não alcançará sua meta de 3,8%, nos explicando que há três trimestres a economia por lá não dá “sinais vitais” e chegando à Itália para mencionar que a recessão já é realidade. A narrativa segue, julgando os programas liberalizantes “politicamente dolorosos”, para em seguida profetizar que o Banco Central Europeu “será obrigado, a certa altura, a adotar o afrouxamento quantitativo para salvar a economia real”.

O dinheiro público dos Estados subservientes

Considerando que, segundo o portal Trading Economics, a razão dívida/PIB do Brasil é de 56,8%, a da Alemanha de 78,4%, a da França 91,8% e a da Itália de 132,6%, por que por aqui a responsabilidade fiscal é tão valorizada, enquanto na Europa – muito mais endividada – o setor financeiro quer mais gastos estatais? Mais ainda, por que a liberalização – tão exaltada pela grande mídia brasileira e praticada pela União Europeia – não criou um cenário de investimentos atraente a iniciativa privada? Por que o empresariado internacional pede agora por injeção de dinheiro público?

A razão que leva os investidores, e consequentemente seus grupos de mídia, a adotar uma postura que aparenta contradição pro Brasil e pra Europa não possui ligação alguma com compromisso público e saúde da economia real. A financeirização da economia – posta em prática após a onda neoliberal que varreu o mundo – é a explicação para este fenômeno. No Brasil, a Internacional do Capital Financeiro exige o superávit primário com tanta veemência simplesmente porque por aqui conseguem extrair muito bons dividendos comprando títulos da dívida pública de juros altíssimos. Um superávit cada vez maior, portanto, só aumenta seus rendimentos. Já na Europa – onde os juros são de ínfimos 0,15% – o capital financeiro também não quer investir, quer “afrouxamento quantitativo pleno”. Esta expressão eufemística se traduz no pagamento de dívidas bancárias privadas com dinheiro público.

A resposta para este estranho comportamento é encontrada quando notamos para onde vai o dinheiro do superávit e do afrouxamento quantitativo. Vão para os mesmos bolsos de sempre. O dos banqueiros.

A financeirização da economia habituou a iniciativa privada, a Internacional do Capital Financeiro, a obter altos rendimentos sem correr riscos. Eles não mais pretendem investir em atividades produtivas, geradoras de emprego e renda. Seja aqui ou na Europa, usam de todo o seu lobby corruptor pra se manter às custas do dinheiro público dos Estados subservientes.

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Rennan Martins é blogueiro e editor do portal Desenvolvimentistas