Dois textos publicados na edição dominical de 9/4 do Washington Post, sobre o papel de Lewis Libby, ex-chefe de gabinete do vice-presidente americano Dick Cheney, no caso do vazamento da identidade da agente da CIA Valerie Plame, deixaram muitos leitores confusos, conta a ombudsman Deborah Howell [16/4/06]. A matéria de capa, assinada pelos repórteres Barton Gellman e Dafna Linzer, e o editorial, de autoria de R. Jeffrey Smith, apresentavam idéias completamente opostas.
‘Os jornalistas do Post que escrevem editoriais lêem os artigos do próprio jornal antes de publicar sua opinião? É compreensível e correto que a equipe editorial e a redação mantenham certa distância. Mas não é compreensível que a equipe editorial não leia os artigos apurados pelos repórteres do jornal’, alfinetou o leitor Thomas J. Cassidy, em uma das muitas reclamações recebidas por Deborah.
Gellman e Dafna tiveram como base para sua matéria documentos legais arquivados pelo promotor especial Patrick J. Fitzgerald, responsável pela investigação do caso Valerie Plame. O artigo escrito por eles afirmava que Libby e Cheney estavam à frente de uma tentativa de ‘desacreditar, punir ou vingar-se de’ Joseph C. Wilson IV, ex-embaixador, marido de Valerie e crítico da guerra do Iraque.
Wilson viajou para o Níger, seguindo ordens da CIA, em 2002, e publicou um artigo no New York Times, em julho de 2003, rejeitando a alegação do governo Bush de que o Iraque teria tentado comprar urânio do Níger. No texto do Post, os dois jornalistas afirmam que ‘a prova que Cheney e Libby selecionaram para compartilhar com os repórteres [para justificar a guerra] havia sido negada meses antes’.
Já o editorial publicado no mesmo dia, escrito por Smith, dizia que o presidente George Bush autorizou Libby a vazar informações confidenciais contidas na National Intelligence Estimate – uma prestação de contas do serviço de inteligência – para a imprensa.
Um dos objetivos do artigo de Smith, segundo Deborah, seria demonstrar que o vazamento era necessário para justificar que, na ocasião, Bush tinha razões para acreditar que o Iraque havia tentado comprar urânio. No editorial, Smith escreveu que o presidente teria ‘desajeitadamente’ vazado a informação, possibilitando que os democratas fizessem ‘acusações de má-conduta e hipocrisia’. Segundo a ombudsman, a passagem mais criticada pelos leitores foi a que acusou Wilson de ser ‘o único culpado por distorcer a verdade. Seu relatório [para a CIA] confirmava a conclusão de que o Iraque procurou por urânio’, escreveu Smith.
Deborah diz que a matéria e o editorial fizeram um retrospecto do período entre junho e julho de 2003, procurando adicionar contexto histórico aos fatos já conhecidos. ‘E hoje nós sabemos muito mais sobre a ausência de armas de destruição em massa no Iraque do que sabíamos na época’, ressalta ela. ‘Também é importante entender que não está sob minha competência monitorar os editoriais do Post‘, avalia. No entanto, a ombudsman considera este caso uma excelente oportunidade para apontar aos leitores que os repórteres e aqueles que escrevem editoriais podem ter diferentes pontos de vista.
Editoriais vs. Notícias
Os editoriais e os artigos noticiosos têm diferentes propósitos. As matérias têm o objetivo de informar; os editoriais são destinados a opinar e instigar os leitores. Deborah afirma que Smith não teve acesso à matéria de Gellman e Dafna quando escreveu seu editorial. Mesmo assim, Fred Hiatt, editor da página de editoriais, afirmou que provavelmente o texto noticioso não teria influenciado o conteúdo do artigo opinativo. De acordo com o texto de Smith, o relatório de Wilson revelava que houve um encontro entre funcionários governamentais do Iraque e do Níger. Embora se afirme que nada foi discutido sobre urânio, o encontro teria sido visto como uma confirmação de que o Iraque estava interessado em comprar urânio, por ser este o produto de maior exportação do Níger.
Já Gellman e Dafna basearam sua matéria em relatórios posteriores de comissões nomeadas por Bush – Comissão Silberman-Robb e o Iraq Survey Group (ISG, grupo de inspeção iraquiano) – e em suas apurações, durante três anos, com fontes da CIA. Segundo Gellman, a comissão e a ISG não encontraram evidências de que o Iraque procurou por urânio no exterior depois de 1991.
De acordo com Deborah, o editorial deveria ter colocado as declarações de Wilson em um contexto maior, especialmente no que se referia à controvérsia sobre sua viagem e sobre seu relatório. Na matéria de Gellman e Dafna, a ombudsman afirma que teria sido interessante incluir mais citações das comissões e, principalmente, as conclusões encontradas por elas.
O caso, defende ela, confirma que existe uma divisão clara entre as seções editorial e de notícias. Para alguns leitores, é um escândalo quando duas partes de um jornal parecem estar em conflito, mas Deborah afirma que não é incomum que a apuração de ambas as partes conte com fontes e opiniões diferentes.