Trabalho espinhento para repórteres e editores, a cobertura eleitoral já se baseou mais no campo político, abordando temas como os conchavos de partidos. Agora, o que se observa no noticiário é o predomínio do debate econômico: que governo teve o melhor desempenho financeiro? Como ficou a balança comercial na gestão de x ou y? Que candidato administraria melhor as relações econômicas com outros países?
Faz algum tempo que o eixo da cobertura eleitoral nos jornais do país migrou do político para o econômico. É fácil entender o porquê: a economia, diferentemente do que se costuma pensar, não é simplesmente uma ciência exata, que trata de números e tabelas; ela, desde o seu conceito grego, de “administração da casa”, carrega traços típicos das ciências humanas. Logo, exerce uma influência gigantesca na esfera social, sobretudo em uma nação capitalista.
Giorgio Agamben, filósofo italiano considerado continuador de pensadores notórios como Walter Benjamin (1892-1940), Martin Heidegger (1889-1976) e Michel Foucault (1926-1984), entende que no mundo inteiro “não há mais governos políticos”, só “gestões econômicas”.
Agamben considera que, paracompreendermos o que está acontecendo no cenário político mundial, é preciso considerar a ideia de capitalismo de Benjamin –para Benjamin,o capitalismo é uma religião que,a exemplo das demais, tem culto, adoração permanente e capacidade de provocar sentimento de culpa em seus seguidores.
Boa ação
Nessa religião, afirma Benjamin em Capitalismo como religião, texto de quatro páginas achado em seus pertences após a sua morte, o dinheiro tornou-se uma divindade e passou a ser venerado. “Deus não morreu. Ele tornou-se dinheiro”, frisa.
O material foi publicado em 1985 pela editora alemã Suhrkamp Verlag e até hoje alguns de seus trechos são considerados “um mistério” por estudiosos. “Benjamin não tinha necessidade de torná-lo compreensível porque o texto não se destinava à publicação”, diz Michael Löwy, filósofo franco-brasileiro que vive na França. Capitalismo como religiãoé, segundo Lowy, inspirado em Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber (1864-1920). Considerado um dos fundadores da Sociologia, Weber dizia que o capitalismo surgiu na esteira do protestantismo:incentivados a economizar para alcançar a salvação, os protestantes acumularam fortunas, das quais verteu o dinheiro que move a roda capitalista.
Benjamin define três traços da estrutura religiosa do capitalismo:
>> O capitalismo é uma religião com culto: “O capitalismo é uma religião puramente cultual, talvez a mais cultual que já existiu. Nada nele tem significado que não esteja em relação imediata com o culto (as imagens nas cédulas poderiam ser comparadas à adoração aos santos, por exemplo). As práticas utilitárias do capitalismo (investimento do capital, compra e venda de mercadorias) são equivalentes a um culto religioso.”
>> O culto do capitalismo é permanente: “O capitalismo é a celebração de um culto sem trégua e sem piedade. Não há dias comuns, nenhum dia que não seja de festa, no sentido terrível da utilização da pompa sagrada, da extrema tensão que habita o adorador.”
>> O culto tem caráter culpabilizador: “Uma consciência de culpa monstruosa agarra-se ao culto para fazê-la universal, martelá-la na consciência e, finalmente e sobretudo, para implicar o próprio Deus nessa culpa. Quanto mais aumentam as posses, mais pesado torna-se o sentimento de responsabilidade que o obriga, para a glória de Deus, a aumentá-las por meio de um trabalho sem descanso.”
Baseado nas ideias de Benjamin, Agamben defende que o poder soberano de Deus foi transferido à figura do Estado e que a política econômica moderna se inspira em conceitos teológicos –quem faz uma boa ação temcrédito com Deus, assim como terão crédito no banco os bem-sucedidos economicamente.
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Jeferson Bertolini é repórter e doutorando em Ciências Humanas