Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O quarto poder

“Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”, dizia Millôr.

Um amigo sugeriu “o resto é Deli”, mais atual. Declinei: “Quando penso no balcão de vendas da imprensa chapa-branca, a palavra que me vem nunca é ‘Delikatessen’ (comida requintada, em alemão), e sim o inglês ‘groceries’”.

Política, a correlação que busca equilíbrio de poderes entre governantes e governados, depois que surgiram as “polis” (cidades-estado gregas), pode ser aplicada a situações que vão de um país a uma casa, passando por instituições. É, por exemplo, política de empresas de comunicação, rádios, televisões e imprensa (este jornal, inclusive) que mesmo um colunista como eu, que assino o que escrevo, e, portanto, deveria arcar sozinho com as consequências de minhas opiniões, não expresse suas intenções de voto em período pré-eleitoral, não exerça livremente o (ainda que pequeno) poder que sua opinião possa ter na correlação política entre pagadores de impostos (NUNCA usarei o termo “contribuinte” para me definir numa situação em que faço algo contra minha vontade) e gestores desse meu, seu, nosso dinheiro, os governantes.

Por mais que tenha horror da má gestão econômica, da postura tirânica, da arrogância que não reconhece erros, do jeito de governar dando esporros, da interferência na vida dos cidadãos, do mau uso do dinheiro dos impostos, do aparelhamento da máquina inchada do Estado, dos investimentos mínimos, da maquiagem da inflação, da política externa vergonhosa manipulada por interesses ideológicos que servem ao partido e não ao país (como sempre havia sido a tradição do Itamaraty), tudo voltado para um projeto de eternização no poder, enfim, por mais que queira deixar explícito meu repúdio específico na coluna, a política interna do jornal considera “cláusula pétrea” a não declaração de voto. No meu caso nem seria isso, seria uma declaração de não voto, mesmo assim…

Voto nulo

Acato, mas não entendo. Invejo os jornais americanos e britânicos, a declararem em primeira página quem eles consideram melhor para dirigir o país. Aqui, como “nunca antes na história deste país”, um ex-líder sindical pede a cabeça e o emprego de quatro assalariados que ousaram dizer o óbvio sobre os destinos da economia. E é atendido!

Deduzo, portanto, que há medo. O mesmo medo que a falta de transparência de meus psicanalistas me provocavam, com seu silêncio e sua postura hierática, em nome de uma “neutralidade” que não existe.

O que me leva à afirmação de meu filho, que, enojado com os candidatos em geral, me afirmou que anularia seu voto. Expliquei-lhe que o voto nulo não é um voto de protesto, que apenas facilita a vida dos canalhas (quem for eleito, o será com o percentual de votos VÁLIDOS: se, de 100 eleitores, 80 anularem, alguém pode ganhar com 11 votos).

É hora de escutarmos o que disse Lord Gladstone: “O homem honesto precisa ser tão atrevido quanto o canalha, ou este prevalecerá”. “Vote no menos pior, pois alguém terá que governar”, disse-lhe, “Nós somos o quarto poder, não é só a mídia, e não seremos neutros”.

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Francisco Daudt é colunista da Folha de S. Paulo