Desde que cheguei à redação do Times, há dois anos, observei amplas mudanças. A revolução digital golpeou os negócios jornalísticos como um furacão devastador. Em meio a uma luta louca, o Times vem fazendo os ajustes necessários tão bem ou melhor que a maioria das empresas de mídia tradicionais.
Um dos lugares em que as mudanças são visíveis é o expediente do Times: a lista dos principais editores. Não só o principal posto de editor mudou de uma maneira que eu não poderia ter adivinhado em 2012 – com Dean Baquet substituindo a demitidaJill Abramson em maio –, mas as lideranças do Times também passaram por um recente remanejamento quase tão importante. Juntamente com seu colega editor de opinião, Andrew Rosenthal, Dean Baquet nomeou Alexandra MacCallumpara o cargo de chefe de redação assistente [para aumento da audiência]. Uma nota anunciando a mudança à equipe de jornalistas descreveu seu novo papel, a ser efetivado no mês que vem [setembro], como “responsável por aumentar nossa audiência e aprofundar o envolvimento com nosso excelente jornalismo”. Isso é particularmente importante num momento em que a receita de assinaturas do Times superou a receita publicitária.
A nomeação é inesperada não só porque Alexandra MacCallum, de 33 anos, é jovem para o cargo, considerado nobre, mas também porque seu histórico no Times não está relacionado ao jornalismo – ela é descrita como uma “executiva do setor administrativo”, recentemente convocada para ajudar a desenvolver o novo aplicativo móvel Cooking.
O leitor é o foco
Tradicionalmente, as empresas jornalísticas têm separações rígidas em duas áreas: entre o setor de notícias e o setor de opinião e entre o setor administrativo e a redação. Agora, com novas prioridades econômicas e o futuro do jornalismo do Times em jogo, alguma coisa vem mudando. A tradicional manutenção das coisas separadas era uma maneira de garantir que interesses de negócios, especialmente de anunciantes, não afetassem as opiniões da redação. E isso ajudou a evitar que as posições editoriais interferissem na cobertura jornalística.
Do ponto de vista de Dean Baquet, a nomeação de Alexandra MacCallum não deveria indicar o fim da separação entre publicidade e redação. Isso permanece do mesmo jeito, disse ele. E embora sua nota a descreva como executiva do setor administrativo, ele não considera especialistas em desenvolvimento e tecnologia de produtos como pessoas do setor administrativo no sentido tradicional. “Vejo este grupo de pessoas talentosas e criativas como uma Suíça”, afirmou Baquet – nem administrativo, nem editorial, mas um terceiro universo cujo foco vem atraindo e mantendo leitores, e não servindo aos interesses de anunciantes.
Ele acha que é fundamental tirar todas as vantagens possíveis daquilo que esses especialistas oferecem. O “Relatório de Inovação” do Times sobre a maximização do potencial digital de seu jornalismo vai direto ao ponto: “Pela primeira vez, a redação e o setor administrativo estão ambos focados nos leitores acima de tudo. Novas e emocionantes colaborações já estão a caminho. Mas nossa divisão histórica ainda não se ajustou inteiramente de forma a refletir essa mudança.”
Audiência digital
Agora, o Times vem fazendo de tudo para continuar viável numa era em que, como escreveuo professor Clay Shirky, da Universidade de Nova York, no Medium, “o futuro do jornal diário é uma das poucas certezas na atual paisagem: a maioria deles desaparecerá nesta década”.
Daí, as novas maneiras de fazer as coisas: embora, no passado, os grandes editores normalmente se vangloriassem da experiência como correspondentes estrangeiros, dos anos de experiência como editores e talvez de um prêmio Pulitzer, essas qualificações não são pertinentes aqui, disse-me Dean Baquet. “Eu simplesmente escolhi a pessoa mais qualificada que encontrei”, afirmou. Alexandra MacCallum foi uma das primeiras três funcionárias do Huffington Post, sua primeira editora e, mais tarde, membro do Conselho Corporativo. Ela disse-me na semana passada que vê seu trabalho como “chegar ao leitor da mesma maneira pela qual ele consome o conteúdo”.
Considerando a diminuição da leitura da primeira página do Times e a assustadora mudança para os dispositivos móveis, isso significa encontrar leitores que podem vir para o Times em busca de um tópico – por meio do Facebook, do Twitter e de outras plataformas sociais. Até via e-mail, que Alexandra MacCallum considera uma ferramenta subvalorizada. Sucessos recentes, diz ela, incluem a cobertura que o Times fez da Copa do Mundo, que atraiu 17 milhões de espectadores, e a série de matérias sobre a legalização da maconha, que trouxe 1,6 milhão, um quarto deles visitantes de primeira viagem.
Além de ter que se dirigir a dois chefes – o editor de notícias e o de opinião – e de seu histórico atípico, Alexandra MacCallum tem também a originalidade de ser a primeira “nativa digital” a fazer parte do grupo de editores do Times. Ela não vê conflito entre a crescente audiência digital e um jornalismo de primeira classe. “Nosso principal objetivo é servir os leitores”, disse. “Portanto, nossas metas na verdade estão alinhadas.”
Tempo de mudança
Há riscos em mexer com a separação de longa data que existe nos jornais? É claro que sim.
Ouço frequentemente leitores que não gostam das linhas fora de foco que veem na publicidade nativa, onde os anúncios têm como modelo o conteúdo jornalístico. O Times é melhor que muitos jornais ao reduzir essa confusão perigosa com etiquetas claras; mas, de certa maneira, a confusão está lá.
Também ouço leitores que ficam consternados quando veem opiniões invadindo matérias jornalísticas. Outros ainda falam-me de sua profunda simpatia pelo jornal impresso e do pouco interesse que têm pela inovação digital, que vem levando tanto tempo, atenção e investimento para funcionar.
Todas estas questões exigem consideração e reflexão, com um olho para proteger a reputação e credibilidade do Times. Nenhuma melhoria de curto prazo para o resultado final faz sentido se ameaçar ou prejudicar esse patrimônio.
Porém, ao mesmo tempo, a necessidade de mudança é urgente – e tentar manter o status quo pode ser o caminho mais arriscado de todos.
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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times