Em vigor desde o final de junho, a Lei 12.965/2014, o Marco Civil da Internet (MCI), ainda tem em pauta a possibilidade de regulamentação de exceções de neutralidade de rede. No início deste mês [de agosto], durante a ABTA 2014, ocorreu debate acerca de detalhes técnicos e definições principiológicas que precisavam ainda ser discutidos para que a lei não fosse desvirtuada. Mas para um dos principais responsáveis pelos fundamentos do texto, o conselheiro do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), Demi Getschko, a situação é mais simples: nada impede que o MCI seja aplicado.
“Eu não sou da posição de que não dá para fazer nada enquanto não for regulamentado; o Marco Civil em si se sustenta, é um instrumento principiológico”, falou ele durante ciclo de debates promovido pela Camara-e.net na quarta-feira (27/8), em São Paulo. Getschko diz que o princípio da neutralidade fim-a-fim já está no texto dizendo que não se pode interferir nos pacotes nos endereços de destino e origem, mas que as exceções, que devem ser regulamentadas por decreto presidencial (e que poderão ter a consulta prévia da Anatel e do CGI.br na avaliação), não se concretizaram ainda. “Não está ocorrendo nada, é difícil discutir coisas que não aconteceram.”
Ele diz que ainda não viu casos que impedissem a aplicação da lei. “Eu não sei que atraso na regulação é esse”, afirmou, alegando que há entidades que possuem uma “agenda” e que utilizam essa motivação para criticar o MCI. Na opinião dele, pontos questionados como a possibilidade de oferecer acesso gratuito, por exemplo, não ferem a neutralidade. “Na Internet tem serviços pagos e gratuitos, o fato de ser assim não muda nada. Não pode é impedir que o cara vá usar se for (serviço) concorrente”, explica. No caso da prática anticompetitiva, Getschko defende que o controle seja de responsabilidade de órgãos como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). “Se tem dumping embutido, concorrência desleal, não é Marco Civil”, argumenta.
Questões como acordos de troca de tráfego, como os que estão atualmente no centro da celeuma entre a Netflix e operadoras nos Estados Unidos, também não seriam danosos ao tratamento isonômico no tráfego de pacotes na rede, na opinião do conselheiro. “Isso não prejudica em nada a neutralidade, é uma racionalização do tráfego”, defende, ressaltando ser uma opinião pessoal.
Até por conta do ritmo da campanha eleitoral, a presidenta Dilma Rousseff ainda não teria se debruçado sobre os possíveis cenários que demandariam a regulamentação das exceções. Getschko explica que o Ministério da Justiça tem a iniciativa de discutir e antecipar pontos a respeito do assunto, na qual o CGI.br utilizará dois exemplos claros – ataques de negação de serviço (DDoS, quando há uma explosão de requisições que acabam derrubando um site, por exemplo) e o bloqueio da porta 25 para impedir o avanço do spam. “O CGI.br vai elencar as exceções conhecidas, vamos discutir o que conhecemos.”
NetMundial
Perguntado se a NetMundial Initiative, um encontro promovido pelo Fórum Econômico Mundial na Suíça na próxima quinta-feira, 28, estaria deixando de lado os representantes multissetoriais brasileiros (de acordo com supostos documentos vazados), Demi Getschko preferiu não vincular o evento com o ocorrido em abril em São Paulo, que foi organizado pelo CGI.br. “A iniciativa é mais voltada para os governos, e tem bastante gente pesada da parte da indústria, da parte privada, e uma coisa ou outra da sociedade civil”, diz. “É fora do stakeholderismo do NetMundial, mas não impede que eles usem esse nome.”
Ainda assim, Getschko não acredita que seja um encontro com aspecto negativo para a discussão da governança da Internet. “Quanto mais gente se juntar, ótimo. É um pouco diferente do espírito original, mas acho que é um esforço”, pormenoriza. Ele ressalta a presença de representantes brasileiros. Contrário ao que dizem os supostos documentos, a presidenta Dilma e o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, não conseguiriam estar no NetMundial Initiative. Por outro lado, participarão do evento o coordenador do CGI.br, Virgílio de Almeida, e do ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado.
Quando perguntado sobre a transferência de controle da Internet Assigned Numbers Authority (IANA), Demi Getschko diz não saber o que vai acontecer, mas critica a posição de entidades como a Anatel, que estariam a favor de uma presença forte da União Internacional de Telecomunicações (UIT). “Tem que ser (uma administração) de zero países, não da ONU. Não faz sentido levar discussão para lá”, opina.
Na visão de Getschko, se o governo dos Estados Unidos tivesse optado pela saída da IANA há cinco anos, “ninguém teria notado”, mas que agora é preciso definir logo. “Se até janeiro ou fevereiro não houver posição, os EUA vão renovar o contrato, e aí não daria tempo”, diz. O processo de transição não chegou a tomar forma, entretanto. “Está se desenhando ainda, tem 42 caras nesse grupo de transição e terá reunião em Instambul, tem que ter consenso, terá que ver quem será o chair, e sempre há a tradicional briga de egos”, explica, citando o nono encontro anual do Internet Governance Forum (IGF) na Turquia entre os dias 2 e 5 de setembro.
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Bruno do Amaral, do Tela Viva News