Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mateus, capítulo 6, versículo 24

O segundo debate público entre candidatos à Presidência da República pela televisão, ocorrido na noite de segunda-feira (1/9), consolida a percepção de analistas da imprensa de que o ex-governador Aécio Neves tem remotas chances de vir a disputar um eventual segundo turno. Mais do que as conjecturas de especialistas que destrincham os detalhes das duas mais recentes pesquisas de intenção de voto, pesa contra o candidato do PSDB uma declaração do coordenador de sua própria campanha, José Agripino Maia (DEM-RN), de que a coligação vai apoiar a ex-ministra Marina Silva (PSB) na disputa direta com a presidente Dilma Rousseff.

Os jornais de terça-feira (2/9) ressaltam a nova polarização da disputa, agora entre Dilma e Marina, e o fato de que Aécio Neves permaneceu quase todo o tempo do debate em segundo plano, disparando críticas contra a presidente e evitando confrontar diretamente a candidata do PSB.

O momento delineado pelo encontro dos presidenciáveis no estúdio do SBT, em São Paulo, é o da consolidação de Marina Silva no primeiro plano do jogo eleitoral, mas a dinâmica dos acontecimentos e a própria natureza da aliança que a suporta tendem a oferecer grandes surpresas. Marina Silva começa a enfrentar os efeitos da contradição que personifica, na qualidade de candidata que se propõe a reformar os costumes políticos mas cujo sucesso depende de certa flexibilidade, para não dizer jogo de cintura, para conservar apoios tanto entre religiosos radicais quanto entre militantes de causas com alto potencial de controvérsia.

Originada no campo avançado da política progressista, aquele que propõe substituir as bandeiras da esquerda clássica pelo ideário da sustentabilidade, ela submeteu sua racionalidade à racionalização da fé religiosa. Como candidata, precisa agora conduzir essa ambiguidade no perigoso jogo do poder político. Para se eleger, a insustentável leveza de Marina precisa de um programa consistente e sólido. Resta saber se conseguirá resistir às tormentas da campanha, tendo que se equilibrar constantemente com cada pé apoiado em uma canoa.

Entre dois senhores

Marina Silva procura se apresentar como uma obra em progresso, aquilo que o compositor celebrizou como uma “metamorfose ambulante”. Mas corre o risco de ser vista mais propriamente como borboleta que regride ao estado de lagarta.

O discurso da sustentabilidade não sobrevive longe do berço da ciência, que lhe deu origem e credibilidade. Ao fazer concessões ao campo oposto, o da religião obscurantista, ela perde o vínculo com a raiz de sua persona política.

Entre sua fé religiosa e a conveniência de apoiar políticas de igualdade entre os gêneros, ou a autonomia da mulher sobre seu próprio corpo, ela tenta convencer o eleitorado evangélico de que segue fiel aos seus dogmas, ao mesmo tempo em que precisa defender propostas que a situem no centro das questões contemporâneas.

Entre suas originais convicções ambientalistas e a suposta necessidade de agradar as forças conservadoras do agronegócio, ela procura preservar o respeito dos adeptos do ideário que a colocou no mundo da política, ao mesmo tempo em que tenta convencer o capital agrário de que pode confiar nela.

A rigor, ela não precisaria fazer tantas concessões. O carisma que cultivou ao longo da carreira a faz maior que o PSB, e ainda maior que a aliança onde apoia sua candidatura. Se vencer frustrando seu eleitorado histórico, submetendo seu programa de governo aos ditames de manipuladores da fé religiosa e aos oportunistas da política que diz combater, estará conduzindo a retrocesso todo o movimento que sustentou sua carreira até aqui. Se mantiver sua fidelidade aos valores que a transformaram em fenômeno político, pode vencer sem ter que entregar sua alma aos demônios do poder.

A imprensa ressalta suas contradições e a pressiona para que assuma uma posição mais conservadora, na qual supostamente receberá mais apoio para a campanha. Para usar a doutrina a que a cidadã Marina Silva se obriga como evangélica, pode-se dizer que a candidata Marina Silva incorre no risco sobre o qual alertava o pregador, segundo o livro de Mateus, capítulo 6, versículo 24:

“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Você não pode servir a Deus e ao dinheiro.”