Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O marketing na eleição

Liberada a campanha eleitoral, parece-me mais que foi aberta a temporada de caça ao eleitor. Para todos os lados, na rua, no rádio, na televisão, aparecem caras e vozes cuidadosamente trabalhadas de candidatos aos diferentes cargos. Mais do que isso, mensagens primorosamente elaboradas por profissionais de publicidade, os conhecidos marqueteiros, capazes de convencer até granjeiros a comprar ovos podres, açougueiros a comprar verduras e esquimós dos polos a comprar ar condicionado e geladeira.

Lembro-me das antigas campanhas eleitorais, nas quais os candidatos saíam às ruas enfrentando os abraços ou as chacotas dos transeuntes, enquanto seus cabos eleitorais armavam mesinhas nos passeios, com montes de cédulas dos diversos candidatos do partido que defendiam, para distribuí-las ao povo.

O ponto alto das campanhas, no entanto, eram os comícios. Palanques armados em praça pública recebiam pequenas e grandes multidões para ouvir – ao vivo – os candidatos, especialmente os mais importantes, que eram os pretendentes à presidência da República, ao governo do Estado ou à prefeitura municipal. E junto deles estavam os candidatos a deputado, a senador e a vereador, quase sempre bons oradores, que granjeavam os votos pela sua eloquência e qualidade de argumentação. Nada de artistas famosos e bem pagos dando shows para atrair e distrair os presentes. Os que mais bem se expressavam quase sempre eram ungidos pelos votos da maioria. Lembro-me de Carlos Lacerda, imbatível na retórica e nos argumentos, terrível em respostas arrasadoras contra seus adversários. Juscelino Kubitschek, esbanjando simpatia no meio do povo. José Maria Alkmin, hábil esgrimista da palavra, nunca encurralado pelos seus contestadores. Poderia fazer uma lista quase interminável.

Razões do estrago

Hoje, tudo mudou. Com a magia da televisão, os truques do photoshop, os recursos de sonorização que ampliam vozes naturalmente inaudíveis, todos se escondem atrás da tecnologia para não aparecerem como realmente são. Ou com suas más intenções…

Contudo, pior, bem pior, são os profissionais de marketing incorporados à campanha eleitoral, inflacionando absurdamente os seus custos, transformando-a num verdadeiro mercado onde se pega o produto melhor camuflado e enfeitado. Hoje, são eles quem dizem aos candidatos o que falar, como falar, quando silenciar. São eles quem escolhem as imagens a serem mostradas, as poses a serem tomadas, os recursos a serem utilizados nas entrevistas para não serem pegos em suas verdadeiras intenções.

Se antes se escolhia o candidato pelo que apresentava, sem artifícios, sem subterfúgios, hoje são eleitos quem pode pagar um Duda Mendonça, um Nizan Guanaes, um João Santana e outros mais, a peso de ouro. E serão estes que os transformarão de bruxa malvada em fada, de Quasímodo em galã de novela. São estes que não deixarão os candidatos escorregarem nos debates – ainda que alguns sejam tão incompetentes que nem milagre ajuda. São estes que de pusilânimes criarão super-heróis, salvadores da pátria. São eles que transformarão bandidos em xerifes, malfeitores em padrões de honestidade.

O trabalho dos marqueteiros do Brasil é tão bem feito que já os exportamos, muitos deles conseguindo eleger ditadores de meia-tigela, que infestam a América do Sul.

Não consigo entender como até hoje a Justiça Eleitoral não proibiu, de forma radical, a ação desses profissionais que, abandonando a venda de geladeiras, carros, apartamentos de luxo e outros, seu campo mais adequado, descobriram o riquíssimo filão da política, na qual milhões são gastos para que pessoas, muitas vezes impróprias para gerir bens públicos, sejam alçadas artificialmente a cargos de enorme relevância. Aí está, certamente, uma das razões da péssima qualidade do nosso governo, em seus diferentes níveis.

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Evaldo D’Assumpção é médico e escritor