Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A necessidade de mecanismos de participação e controle social

Não é possível avançar em questões de fundo social no Brasil sem enxergarmos a democratização da comunicação enquanto bandeira fundamental. Ou seja, lutas legítimas e necessárias, como a reforma urbana, o combate ao machismo e a garantia de empoderamento das mulheres nas dimensões política e econômica, a descriminalização dos movimentos sociais e a demarcação de terras indígenas, só vão progredir efetivamente quando houver compreensão de que isto está ligado a uma mudança estrutural no sistema midiático.

Ainda que a discussão do assunto seja comum na academia e no meio jornalístico, não custa nada mostrar como o cenário da comunicação no Brasil é dominado por um oligopólio, de que modo isto atrapalha a população, e de que forma podemos alterar este quadro.

Dados levantados pela campanha “Para expressar a liberdade!”, organizada por centrais sindicais, ONGs, pastorais sociais e movimentos sociais, e que encampa a Lei de Iniciativa Popular pela Mídia Democrática, apontam que dez famílias-empresas apoderam-se de 70% dos veículos de comunicação no país. Nessa mesma linha, no Brasil existem 33 redes de TV, sendo que 24 estão localizadas em São Paulo. Além disso, 271 integrantes do Congresso Nacional estão associadas direta ou indiretamente a redes de TV e afiliadas.

Não é necessário se esforçar muito para perceber que essa concentração midiática gera prejuízos para a democracia de forma geral. Afinal, os mais de 200 milhões de pessoas que vivem no Brasil acabam por enxergar a realidade a partir de algumas linhas editoriais. Estas linhas estão, em sua maioria, conectadas com o grande empresariado da indústria, agricultura de exportação, construção civil, transporte coletivo e algumas igrejas e grupelhos políticos demarcados também por uma visão elitista e conservadora.

Mecanismos de controle social

Nesse sentido, não é à toa, por exemplo, que recebem informações negativas quanto: à redução da jornada de trabalho na indústria de 44 para 40 sem diminuição de salário; aos programas sociais de transferência de renda e inclusão social, como o Bolsa Família, o Prouni e as cotas raciais e sociais nas universidades públicas; aos rolezinhos feitos por jovens da periferia em shoppings, antes redutos da classe média alta e favoráveis à redução da maioridade penal, só para citar alguns exemplos.

Mas você pode argumentar que hoje em dia a população não está restrita às emissoras de TV e rádio enquanto “veículos de massa”, vez que o acesso à internet também engloba milhões de pessoas. Entretanto isso não se sustenta, posto que 97% dos brasileiros veem televisão e 61% têm costume de ouvir rádio, sendo ainda os meios midiáticos mais presentes em meio à população, conforme pesquisa sobre hábitos de consumo de mídia encomendada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República ao Ibope. Os dados foram coletados entre outubro e novembro de 2013 e divulgados em fevereiro deste ano. O mesmo levantamento apontou que o acesso à internet em casa corresponde a apenas 47% do contingente de seus cidadãos. Mais detalhes sobre a pesquisa aqui.

E aí, o que fazer?

Contudo, é preciso agir para mudar. “Mas como?”, muita gente se pergunta. De forma genérica, a resposta é: participando da vida social e atuando de maneira protagonista. “Mas como?”, muita gente ainda pode se indagar. Aqui apontamos alguns elementos de participação e controle social que tendem a contribuir com a discussão e uma tomada de postura crítica que não correspondam unicamente à criação de uma mídia digital alternativa e denunciadora do oligopólio da comunicação.

Lembra-se antes, porém, que controle social não tem nada a ver com ditadura. Em vários países da Europa, como Inglaterra e França, e nos Estados Unidos existem mecanismos de controle social que visam à garantia do interesse público nas comunicações e não a predominância do interesse econômico das concessionárias do setor e seus patrocinadores. No Brasil, um instrumento de participação social referente a esse assunto merece ser destacado: a Lei de Iniciativa Popular para a Mídia Democrática, que intenta levantar 1,3 milhão de assinaturas para pressionar o Congresso Nacional a votá-la.

Participação social

A ousada iniciativa se alicerça não apenas na vontade de movimentos ligados à causa, porém no sentimento espalhado na sociedade de que o quadro atual é desigual e precisa de normas evidentes e que sejam cumpridas. É o que indicam informações levantadas em pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo e socializada no ano passado.

Algumas delas:

>> 71% das pessoas entrevistadas se posicionaram de modo favorável a que existam mais regras para se definir a programação divulgada pelas emissoras de TV;

>> 61% entendem que as televisões dão mais espaço para empresários que trabalhadores; – 54% avaliam que a TV não mostra muito a variedade do povo;

>> 88% apoiam transformações na legislação referente à publicidade de bebidas alcoólicas.

Apontamentos como esses é que dão força e corpo à lei de iniciativa popular, que se volta às emissoras de TV e rádio abertas, às TVs por assinatura e às TVs de internet, e propõe, por exemplo:

>> combate à discriminação contra mulheres, homossexuais, negros e indígenas;

>> proteção a crianças/adolescentes de programas/propagandas nocivos;

>> divisão do sistema em público, privado e estatal, dando 33% para o primeiro, sendo metade para canais comunitários;

>> consultas públicas para renovação das outorgas; proibição de que igrejas e políticos eleitos tenham canais; determinação de que ninguém tenha mais de cinco canais.

Outro mecanismo que pode ser utilizado a favor da democratização da comunicação é o Decreto Presidencial 8.243, de 23 de maio de 2014, que instituiu a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social no Brasil. Esse dispositivo legal significa uma plataforma de diálogo e ação entre governo federal e sociedade civil organizada, consolida e regulamenta a participação social, assim como empodera grupos historicamente excluídos.

Conselho Nacional de Comunicação

Corresponde não à subtração ou minimização do método eleitoral e da estrutura político-representativa que possuímos, mas ao acréscimo de mecanismos de escuta, fiscalização, discussão pública e transparência. Entre eles estão os conselhos, as mesas de diálogo, as audiências públicas e o estabelecimento de condições de funcionamento para o ambiente virtual de participação.

O decreto assinado pela presidenta Dilma Rousseff causou desagrado em meio a inúmeros deputados federais e senadores que viram na institucionalização da participação popular possível diminuição de legitimidade do modelo político representativo. No entanto, o dispositivo pode ser um bom caminho para se potencializar a importância de instrumentos de democracia participativa, como a lei de iniciativa popular, o plebiscito e o referendo, o que inclui as demandas da comunicação.

Um outro mecanismo de participação e controle social que interessa à causa da mídia democrática é a criação de conselhos regionais, estaduais e municipais de comunicação. A iniciativa se orienta pelas funções atribuídas ao Conselho Nacional de Comunicação, criado em 1991, que se configura como órgão auxiliar do legislativo, estudando, dando pareceres, recomendações e solicitando informações relativas a diversas áreas, entre elas:

>> liberdade de manifestação do pensamento, expressão e informação;

>> propaganda de tabaco, álcool, agrotóxicos, medicamentos;

>> produção e programação de emissoras de rádio e televisão;

>> monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social;

>> finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas de TVs e rádios;

>> promoção da cultura nacional, regional e independente;

>> outorga e renovação de concessão, permissão e autorização

Força política e capacidade de diálogo

No Brasil, existem alguns conselhos em funcionamento, como o da Bahia, com sete membros do governo estadual e 20 da sociedade civil, buscando aperfeiçoar políticas públicas no setor, representar as demandas da sociedade por uma programação com maior diversidade de expressões culturais, políticas e econômicas e mais pluralidade na cobertura noticiosa, por exemplo.

Em Mato Grosso houve uma tentativa de implantar o conselho em 2010, via Sindicato dos Jornalistas, encaminhando esboço de proposta a um deputado estadual do PR, cuja atitude de acolher o documento em reunião com os dirigentes da entidade gerou notícias distorcidas, a exemplo do que o site Repórter MT publicou (“Mauro Savi defende projeto polêmico de monitoramento da mídia”). Diante da investida contra a ideia, o assunto perdeu força.

O exemplo de Mato Grosso é emblemático por sintetizar a estratégia dos inimigos da democratização da mídia, a saber, a interpretação maledicente do assunto, impedindo abertura de campo para uma discussão pública e aprofundada. Também é importante por sinalizar formas de ação da sociedade civil organizada para que a democratização da comunicação avance, de fato, no país.

Portanto, tornar essa causa algo central nos planos de funcionamento de ongs, sindicatos, movimentos sociais, pastorais sociais e associações de comunicadores é o primeiro passo. Isso quer dizer que a democratização da mídia tem de ser incorporada e trabalhada sistematicamente, a partir de cursos de formação, qualificação midiática (da leitura crítica dos meios à capacitação técnica para a construção de próprias mídias). Também, por meio da criação de grandes frentes de ação em municípios, estados e em nível nacional para ter força política e capacidade de diálogo com a sociedade em geral. Só assim conseguiremos resultados concretos e respaldados em um verdadeiro interesse público.

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Ana Paula Ramos Carnahiba e Gibran Luis Lachowski, respectivamente jornalista, educomunicadora e militante de movimentos sociais e jornalista e professor do curso de Comunicação Social da Universidade do Estado de Mato Grosso