Qual dos dois vídeos chama mais atenção? O presidente Barack Obama dando uma declaração sobre a morte de um jornalista pela organização terrorista Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS) ou este jornalista de joelhos, em meio a um deserto, enquanto um homem a seu lado, mascarado, empunha uma faca e ameaça cortar seu pescoço?
“Não vi os vídeos com a decapitação dos jornalistas Steven Sotloff e James Foley”, diz a professora de Filosofia Nancy Snow, lembrando que os poucos segundos que assistiu do vídeo da morte de Daniel Pearl, em 2002, já “foram demais” para ela. “Mas sei quando uma propaganda é boa quando a vejo, mesmo por um segundo”, afirma a professora. “Trabalhei com a Agência de Informação dos EUA em propaganda governamental, e o ISIS é bom de propaganda. Não que exista algo de bom, moralmente falando, nesse tipo de filme que mostra assassinatos sem efeitos especiais e que agora é tão rapidamente distribuído pela internet que ganha um status de pornografia violenta. Mas como ferramenta de contratação, os vídeos – e lamentavelmente talvez existam outros – despertam os sentidos e os países ocidentais seriam imprudentes se minimizassem a brilhante capacidade do ISIS como agência de empregos, uma espécie de empresa que fabrica o mal.”
Os assassinatos brutais dos jornalistas americanos James Foley e Steven Sotloff precipitaram uma onda de incredulidade e indignação, diz Joel Simon, diretor-executivo do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Agora, abre-se um debate mais amplo sobre o papel da mídia em zonas de conflito: seriam algumas matérias demasiado perigosas para que os jornalistas as façam? Deveriam os governos pagar o resgate quando jornalistas forem sequestrados? Como deveria a mídia fazer a cobertura da propaganda terrorista, como esta em torno da decapitação dos jornalistas? A resposta a essas perguntas exige informações precisas e oportunas sobre as zonas de conflito, justamente o tipo de trabalho pelo qual os jornalistas arriscam suas vidas para divulgar.
Bloqueio ao vídeo
Segundo a agência Associated Press, as empresas do Vale do Silício já estavam preparadas para bloquear o vídeo de um militante do ISIS decapitando Steven Sotloff depois que um vídeo anterior feito pelo mesmo grupo, mostrando a morte de James Foley, foi amplamente divulgado pelas redes sociais, no que foi considerado por algumas pessoas como propaganda para os extremistas.
Sotloff aparecia no vídeo em que Foley é decapitado, e era ameaçado pelos terroristas – se Obama não interrompesse sua ofensiva militar no Iraque, o jornalista seria “o próximo”. “É muito interessante, no caso desta segunda decapitação, como foram poucas as imagens divulgadas”, diz Stephen Balkam, diretor-presidente do Instituto Family Online Safety, que presta assessoria de segurança ao Facebook. “É muito difícil achar as imagens, a menos que você conheça alguns lugares tenebrosos na internet.”
“Não pagam o resgate? Ele morre”
A propaganda mais eficiente é simples e repetitiva. A narrativa do repórter que se tornou prisioneiro não exige um longo texto explicativo: o prisioneiro faz uma declaração de seu testamento que liga diretamente um ato violento à sua condenação; o complexo industrial-midiático-militar dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha parece impotente em sua reação.
A mensagem do ISIS é direta e clara: “Não se metam conosco. Faremos exatamente o que dissemos que faríamos. Não pagam o resgate? Ele morre.” É uma mensagem muito simples, e não uma propaganda que distorce os fatos para apresentar uma realidade alternativa. O ISIS demonstra a seus simpatizantes a mesma mensagem com consistência: “As vidas ocidentais não são mais importantes que as dos xiitas.” Para os sunitas, que já viram centenas de milhares de seus conterrâneos mutilados por bombas e armas ocidentais, isso não oferece apenas uma promessa de onipotência, mas a esperança equivocada daquilo que vem após o massacre. O grupo provou ser muito eficaz ao alcançar pessoas que perderam todos os seus pontos de referência significativos, diz Nancy Snow.
Filmes de propaganda deveriam ser estudados
Há um tema que a mídia não vinha cobrindo por completo, pelo menos até recentemente, diz Joel Simon. É a questão dos sequestros propriamente ditos. De acordo com uma prática conhecida como “apagão da mídia”, as organizações jornalísticas rotineiramente suprimem informações sobre os sequestros generalizados de jornalistas que ocorrem em países em conflito, como Síria, Somália, Paquistão. O número de profissionais de imprensa sequestrados anualmente varia muito de conflito para conflito, mas nunca houve algo como o que vem ocorrendo na Síria. Mais de 80 jornalistas foram sequestrados desde o início dos confrontos, em 2011.
“De início, eu apoiava o uso dos apagões da mídia em casos seletivos. Porém, mais recentemente, passei a duvidar que essa seja uma estratégia eficaz”, afirma Joel Simon. “O fundamental, em se tratando dos apagões, é que se possa salvar vidas facilitando as negociações envolvendo os reféns. Mas foram poucas as provas que sustentaram isso. No meio tempo, como as notícias são contidas e às vezes nem chegam a ser divulgadas, os próprios apagões reprimem o debate público e enfraquecem a credibilidade da mídia.”
Depois que Foley desapareceu quando trabalhava na Síria, em novembro de 2012, sua família, amigos e colegas de trabalho começaram a pedir um apagão. Mas, depois de muito refletir, decidiram tornar a história pública e, em janeiro de 2013, lançaram uma campanha pedindo a libertação do jornalista. “Creio que essa foi uma decisão correta. O terrível assassinato de Sotloff, cujo sequestro não fora divulgado até o próprio Estado Islâmico o anunciar no vídeo de Foley, tornou claro que os apagões da mídia não parecem ser eficientes, pelo menos no que se refere ao Estado Islâmico”, pondera Simon.
Qualquer pessoa que recuse os objetivos do ISIS deveria estudar os filmes de propaganda da organização para aprender a combatê-los, defende Nancy Snow. Vivemos num tempo de concorrência entre propagandas modernas; portanto, este não é um caso da “propaganda deles vs. a nossa verdade”.