Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vera Guimarães Martins

Marina Silva fez sua estreia no MMA eleitoral nesta semana. A pancadaria era previsível e esperada após seu crescimento vertiginoso nas pesquisas. Ao vencedor, é praxe, as pancadas. A candidata do PSB apanhou como gente grande.

É importante ressalvar que é absolutamente legítimo que Marina tenha virado vidraça. Qualquer aspirante a cargo público deve ter sua vida escrutinada, e ela está disputando o mais alto deles. O problema é de forma e de equilíbrio.

Na Folha, ela ganhou manchete que não valia o destaque dado, chegou a ter cinco chamadas negativas simultâneas no topo do site (terça, 2) e outras cinco na “Primeira Página” da edição impressa de quarta.

Começando pela manchete de domingo passado (31): “Marina fatura R$ 1,6 milhão com palestras em três anos”. Nada contra a notícia em si. É obrigação da imprensa e também do candidato informar como ele paga suas contas. Mas o resultado apurado não trazia anomalia que justificasse manchete (a não ser a falta de uma notícia melhor).

A começar pelo valor: sua empresa recebeu esse montante em 39 meses, o que dá uma média mensal de R$ 41 mil, normal para uma ambientalista de fama mundial, ex-senadora e ex-ministra de Estado.

Outros problemas: a reportagem chama faturamento bruto de rendimento, sem descontar os impostos e os custos com infraestrutura, salário de um funcionário e o aluguel.

Informa que o valor “é mais que o dobro dos R$ 16,5 mil que a então senadora recebia em 2010” –uma comparação com o passado, sem levar em conta a inflação. Atualmente, senadores recebem R$ 26.723,13 de salário (fora benefícios como 13º, 14º, 15º “cotão”, verba de gabinete, auxílio-moradia, passagens etc.).

A mesma desconsideração com os números aparece em outra comparação: “Os rendimentos [na verdade, o faturamento bruto] saltaram de R$ 427,5 mil em 2011 para R$ 584,1 mil em 2013”. De novo, sem impostos, e sem ressalvar que o valor de 2011 se referia a nove meses e que o de 2013 era relativo a 12. Feita a conta por mês, o “salto” foi de R$ 47.500 mensais no primeiro ano para R$ 48.675 no último.

O texto diz que Marina Silva “se recusa” a identificar o nome dos contratantes “alegando” cláusula de confidencialidade –comum no segmento de palestras, segundo empresas promotoras ouvidas.

O auge da artilharia se deu na tarde de terça, quando a home do site abriu espaço para o bombardeio simultâneo de adversários e até agregados regionais. Marina foi comparada a Jânio e Collor, chamada de “FHC de Saias”, metamorfose ambulante, conservadora e reacionária, entre outros mimos.

Notícia mesmo houve uma: seu programa de governo plagiou trechos do plano de direitos humanos aprovado na era tucana.

A onda de ataques arrefeceu a partir de quarta, e a cobertura passou a ser mais equilibrada.

Para a Secretaria de Redação, o escrutínio da candidata do PSB é o mesmo pelo qual Dilma Rousseff e Aécio Neves têm passado.

“Ao entrar na disputa no meio do processo eleitoral e impulsionada pela comoção em torno da morte de Eduardo Campos, Marina Silva tornou-se a personagem nova do pleito, com reais condições de chegar à Presidência. Obrigatório, portanto, que sua biografia e suas propostas sejam esmiuçadas e analisadas.”

Não foi bem isso que se viu na semana. Noves fora os ataques adversários, o noticiário ficou concentrado nos “plágios” de várias fontes, tipo de reportagem cuja produção guarda incômoda semelhança com a do programa do PSB: pode ser feita com corta-e-cola no Google.

Até agora, o leitor da Folha não leu um compilado consistente das propostas de Marina Silva.

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Vera Guimarães Martins é ombudsman daFolha de S. Paulo