Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Prensa nanica

Começou em uma garagem do Recife um dos principais momentos da publicação de livros no Brasil. Em 1954, na rua Manoel de Carvalho, 423, quatro amigos imprimiram os primeiros títulos da gráfica e editora O Gráfico Amador.

A garagem ficava na casa do poeta Gastão de Holanda (1919-1997). Completavam a trupe o designer gráfico Aloisio Magalhães (1927-1982), o poeta e tradutor José Laurenio de Melo (1927-2006) e o pesquisador Orlando da Costa Ferreira (1915-1975).

Entre 1954 e 1961, produziram, quase artesanalmente, com uma pequena prensa manual, livros de caprichada impressão e visual arrojado.

Fora a excelência visual, os livros também primavam pela qualidade do texto. O Gráfico Amador lançou títulos de Ariano Suassuna (“Ode”, 1955), João Cabral de Melo Neto (“Pregão Turístico do Recife”, 1955) e Carlos Drummond de Andrade (“Ciclo”, 1957).

A história da editora é recontada agora em “O Gráfico Amador”, do designer Guilherme Cunha Lima. Publicado originalmente em 1996 pela editora da UFRJ, o livro ganha reedição, revisada e em cores, pela Verso Brasil.

O trabalho fornece detalhes da produção total da editora: 27 livros, três fôlderes, dois boletins e um programa de teatro (para a peça “A Pena e a Lei”, de Suassuna).

Os livros tinham formato pequeno, poucas páginas (entre dez e 70) e tiragens que não passavam de 120 exemplares.

Cunha Lima passava uma temporada no Recife, nos anos 1970, quando topou com alguns desses títulos em sebos.

“Eu desconhecia o Gráfico Amador até então e fiquei extremamente surpreso pela qualidade. Eles provaram que não há limite para a inovação. Deixaram um legado importantíssimo”, afirma o autor.

Ponto de encontro

Com exceção de Orlando Costa Ferreira, os demais criadores do Gráfico Amador foram membros do TEP (Teatro do Estudante de Pernambuco), associação da Faculdade de Direito do Recife.

Por um breve período de tempo, no começo dos anos 1950, o TEP editou alguns livros. Aloisio Magalhães, José Laurenio de Melo e Gastão de Holanda tomaram gosto pela edição e resolveram formar um grupo para lançar os próprios livros e os de amigos.

A partir de 1956, O Gráfico Amador ganhou sua sede definitiva, uma casa na rua Amélia, 415. O local, famoso por abrigar reuniões animadas, virou um ponto de encontro de artistas do Recife.

O Gráfico não visava lucro financeiro –os livros não foram comercializados. A editora era sustentada por contribuições de seus sócios. Um deles era o pintor e ceramista Francisco Brennand, 87, assíduo frequentador da casa.

“A produção gráfica era muito avançada para a época, muito diferente do que se produzia. O Gráfico fomentou as artes brasileiras”, diz.

O pintor Reynaldo Fonseca, 88, outro dos sócios, ilustrou alguns títulos, entre eles “Ciclo”, de Drummond. “Ninguém recebia pelos trabalhos, mas era uma alegria fazer parte do grupo. Aprendi muito com eles.”

O Gráfico Amador deixou de publicar em fins de 1961. Os quatro fundadores tomaram rumos profissionais que se tornaram incompatíveis com a manutenção de uma sociedade “amadora”. Todos se mudaram para o Rio e tiveram atuação destacada no design e na edição de livros.

Hoje a produção do Gráfico Amador está espalhada em vários acervos. A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na USP, reúne o maior número de títulos.

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Marco Rodrigo Almeida, da Folha de S.Paulo