A imparcialidade, sepultada e esquecida pelos próprios jornalistas, fadada ao ocaso por um sentimento saudosista e nada mais, volta a perecer todas as vezes que a necessidade de assumir posicionamentos nunca explícitos surge como meandros condutores à salvação. Se salva o veículo e perde-se a credibilidade. Nunca foi tão clara a ojeriza da revista Veja contra o Partido dos Trabalhadores e qualquer pessoa que com ele esteja envolvida; é uma caça quinzenal aos escândalos, numa inexaurível busca por provar que naquele partido foi criada uma horda de delinquentes políticos como nunca se ouviu falar no Brasil. Parece que a palavra corrupção foi instaurada no dicionário a partir de 2003. Contra o discurso esquerdista, a Veja lança fatos em suas capas que, se não pecam pela excentricidade, beiram o descontrole. Sua redação parece trabalhar efetivamente para combater um mal epidemiológico da política brasileira chamado petismo.
Fugindo da imparcialidade que parece atualmente mais marginalizada do que a parcialidade e o interesse escuso, a revista toma seu rumo; aliás, não é de hoje que o seu destino caminha ao contrário da política que deplora. Desde Lula, que deixou o segundo mandato com altos índices de aprovação, a Veja lançou estilo – esdrúxulo – de publicar em suas capas as imagens mais vexatórias, charges que envergonhariam qualquer bom editor disposto a não seviciar o jornalismo em sua essência. O então presidente Lula estampou capas e mais capas, quando não posicionado sobre fundo negro, com uma marca de pontapé nas costas ou exibindo uma expressão de quem não está bem. Se aquelas capas servissem para a discussão acalorada do momento, se pelo menos representassem um rebate ao discurso petista, a tarefa estaria cumprida. A intenção era mais rasteira. Servia para achincalhar, dobrar o PT ao discurso de que jamais deveria ter assumido o poder.
A adoção por qualquer alternativa leva Veja a colocar Marina Silva sob os seus cuidados. De repente, o crescimento da candidata do PSB entra em choque com as batalhas campais por votos, troca de farpas, discussões que agora ganham outro espaço: o ciberespaço. Nas mídias sociais, a guerra das publicações instantâneas direciona o foco das mídias tradicionais para a manutenção ou alteração do discurso. Marina, ao se colocar como candidata que tem plenas condições de vencer as eleições, abre caminho para o embate claro; sua figura e aspecto físico não denotam sua força interna, seu poder de estratégia, suas articulações no campo político. E Marina não necessita da defesa da Veja, como atesta a edição atual veiculada com o título: “A fúria contra Marina”. A candidata do PSB e seus assessores de campanha certamente previam este embate. Mas a Veja, em constante militância antipetista, exibe mais uma capa cuja charge materializa uma Marina frágil, suprimida a uma bocarra plena de impropérios a ela dirigidos.
Vitimizar os adversários e demonizar o PT é um posicionamento claro para quem analisa, mas escuso para a revista que insiste na ideia de despertar a criticidade do cidadão brasileiro. Coerência e credibilidade nas informações, no entanto, deixam de pertencer à história duma revista que até hoje nega sua adesão aos golpistas de 1964. É preciso discutir antes qual será o caminho destas revistas militantes, pró e contra governos. O que está em jogo é o futuro da nação. As barganhas, os interesses escusos, a máquina dos bastidores e a manutenção da mídia incrustada da ojeriza de classe devem permanecer ínfimos das superficialidades. Parece que todas as vezes em que vence o raso discurso da vitimização ou da vilania, a política, os projetos, os programas de governo permanecem de fora da cabine de votação. E campanha política, embora pareça, não é enredo novelístico.
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Mailson Ramos é escritor