Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A essencial liberdade de expressão na internet

Muitas pessoas não sabem a importância que a internet tem para a consolidação da liberdade de expressão, da cultura e da informação. Provavelmente quem não viveu o período anterior à década de 1990 não sabe o que é ser massacrado diariamente com três únicos meios de comunicação: a televisão, o rádio e a imprensa escrita. A rádio e a televisão, especialmente no Brasil, ainda pouco evoluíram. Mas a internetrevolucionou as comunicações, estabeleceu redes e mudou a forma de as pessoas se informarem. Além disso, a internet abriu espaço para as vozes dos oprimidos, de grupos de pessoas que no passado sofriam com a massificação da cultura dominante. Há uma proliferação de blogs de todos os tipos, e muitos agentes políticos ainda não sabem lidar com essa força da comunicação virtual.

Não estou falando do marketing ou das brincadeiras do Facebook, mas do movimento insurgente de contrainformação em oposição à mídia dominante. Se a revista Veja solta uma bomba em determinado lugar, em poucos segundos os fatos são desmascarados pelos movimentos de mídia alternativa. Se a Globo criminaliza movimentos sociais, em seguida um vídeo é postado no YouTube derrubando o argumento dos dominantes.

É óbvio que nem tudo é bom. Há muitos absurdos na internet, como redes de pedofilia, invasão de privacidade e a migração sem limites de capitais financeiros entre países. A rede telemática também diminui o tempo e a fronteira da quebradeira de economias e o maior exemplo disso são os movimentos “pula-pula” de especuladores nas Bolsas de Valores de todo o planeta.

Postagem contínua

Mas as vantagens da internet são maiores do que os seus defeitos. Se ela existisse no Brasil das décadas de 1960 e 70, sofreríamos muito menos com a tortura e com o silêncio criminoso dos meios de comunicação. Aliás, o uso de redes sociais e da internet já ajudou a desmascarar ditadores, mentiras de jornais e expor crises sociais.

Contudo, recentemente estamos vendo passar impune um verdadeiro crime contra a liberdade de expressão, que fere qualquer princípio democrático e desvela a cara verdadeira de um candidato à Presidência da República. Aécio Neves, ofendido com a desconstrução do mundo de fantasia que lhe foi proposto pelos grandes meios de comunicação, resolveu processar 66 tuiteiros que ousaram enfrentar a falácia dos seus “choques de gestão”, dos seus megaministérios e outras hipocrisias. No processo, o candidato pediu à empresa Twitter o número do IP de 66 pessoas que classifica como detratores, numa petição inicial tão patética como todo o conteúdo da sua campanha.

O tucano alega que os usuários atuam em rede, e se utilizam de máquinas para a postagem contínua e repetidas de informações tão batidas como o aeroporto de Cláudio, a possível relação de políticos ligados ao candidato com tráfico de drogas, supostas agressões à namorada, prática de crime de evasão de divisas ou a garantia de estabilidade a 72.000 pessoas aprovadas sem concursos. Entre as máquinas, estão as de professores universitários, estudantes, sindicalistas e outras pessoas comuns que pretendem expor fatos sobre os seus mandatos no governo mineiro.

Talvez devesse buscar outros exemplos

O curioso é que todas estas informações foram delatadas em manchetes tímidas por grandes veículos de comunicação, e não vemos o candidato preocupado em processar a Folha de S.Paulo, o Estadão ou a Rede Globo. Seu alvo são os pequenos, como se quisesse exercer uma vingança poderosa contra todos que não compraram a sua falsa imagem de modernidade. “É o dilema de Nietzsche contra a formiga.” Já que o candidato não consegue enfrentar de igual para igual seus adversários, resolveu massacrar aqueles que, de boa vontade, pretendem apenas confrontar o desacerto do tucano. Imaginem se fosse Dilma Rousseff, Lula, ou qualquer pessoa que defende um país realmente diferente. Já seria a manchete da Veja. Assunto de pauta do Jornal Nacional, da Rede Globo.

Por fim, resta lembrar que o candidato tucano é um aberto defensor da cópia do modelo americano de Banco Central. Talvez fosse mais aceito pelo público se buscasse outros exemplos do ideário americano, como o expresso na famosa frase de John Milton: “Acima de todas as liberdades, dê-me a de saber, de me expressar, de debater com autonomia, de acordo com minha consciência”. Ou, como diria Voltaire com singeleza pouco peculiar à sua pessoa: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”.

Isto é tolerância. Isto é liberdade de expressão. Mas Aécio não sabe disso.

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Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado e mestre em Ciências Sociais