Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Três lições da sabatina

Como hoje é sábado [13/9], o assunto é sabatina, palavra que, na origem, designa revisões, provas, ou orações feitas no sétimo dia. É também o embate feito por parlamentares com os indicados para agências reguladoras, novos presidentes do BC, embaixadores, magistrados e outros agentes passíveis de defenestração prévia. No caso aqui tratado, são as três entrevistas feitas nesta semana no Rio por colunistas do Globo com os candidatos Pastor Everaldo, Aécio Neves e Marina Silva. A sabatina de Dilma Rousseff em Brasília, ontem, ficou de fora porque o fechamento desta crônica foi na quinta. Na oportunidade, pude constatar que, em situações como esta, o próprio jornalista acaba, em menor ou maior grau, sendo também sabatinado pelo candidato. E isso é bom. Nem sabatinados nem sabatinadores são donos da verdade, e ser permeável é fundamental para a democracia. Seguem as lições, na ordem em que os debates aconteceram. Algumas falas foram editadas e transcritas de memória.

Lição 1 – O pastor em choque

Não adianta questionar Everaldo por usar Pastor no nome: ele é assim chamado desde a juventude, e, além disso, não há nada que o proíba. Onde o pastor balança, e entra em choque, é quando se trata de sexo, em especial a educação sexual nas escolas. Ele entende que matemática, geografia e até meio ambiente são pilares da formação do indivíduo, exceto o elo do amor supremo e reprodutório, que deve ser tratado em casa, com os pais.

– Mas por quê? – perguntou Ricardo Noblat, num espanto sereno, psicanalítico.

– Porque aprendi assim.

– Mas um pai pode deseducar. Cometer violências. Dar mau exemplo.

– Isso é um assunto para a polícia. Mas, afinal, isso tudo é por causa do famoso kit gay?

Desnudado, como diria Artur Xexéo, o pastor confessa o pecado da homofobia aguda e crônica. É até um homem inteligente, informado, mas um nervo ferido em seu eu mais profundo embota a razão e pira suas emoções.

Nesse momento, pedi a palavra.

– Pastor, educação sexual trata de todas as manifestações. E trata de prevenção. Segurança. Trata de amor. E até de meio ambiente: sexo é ecossistema. Isso é um ensejo para o senhor abrir um pouco sua cabeça. Se o senhor desejar comentar, fique à vontade.

– Vamos ficar só no ensejo – sentenciou.

Lição encerrada.

Lição 2 – Aécio tenta respirar

Não é nem que Aécio Neves tenha sido sufocado pela sabatina. Pelo contrário: ele falou tanto que foram os sabatinadores que perderam o ar, na tentativa de se encaixar no seu cordel, que tomou a forma mais de campanha que de debate, de ânsia sincera por dizer que seu projeto é bom e que vai acreditar até o fim numa nova reviravolta ou tomada de consciência dentro da dinâmica da lógica, e não “por um milagre, pois eu acredito em milagres” – como dissera o Pastor Everaldo, quando Merval Pereira quis saber por que persistir com traço nas pesquisas.

À base de admiráveis malabarismos cognitivos, o mediador Pedro Doria ia abrindo janelas para os entrevistadores, isso quando algum não conseguia frear o realejo à base de arroubos sem pedir palavra (o Pastor, que sabia não estar entre fiéis, falava pouco, para evitar que tsunamis de paradoxos viessem à tona).

Da minha parte, ansioso para encontrar uma brecha, formulei minha pergunta sem resumi-la, o que resultou num monólogo interminável do qual só me dei conta quando meus colegas, na saída, avisaram sobre o número que eu protagonizara, com o agravante de que não havia ali propriamente uma pergunta. Quando assisti ao VT, caí em mim, desnudado, mas vi tudo como uma lição, um tipo de coaching, e já vou avisando que não sou candidato a nada, para o bem geral da nação.

Lição 3 – Marina e o cacto

Privada de espaço para se expressar no horário eleitoral, Marina Silva até superou Aécio na arte de sugar o tempo, mas com a euforia e a confiança que os números favoráveis lhe conferem. Afiada nas questões mais espinhosas, às vezes antecipando-se, com a afoiteza de uma vidente em perigo, a algumas perguntas, ela expressou seu projeto de surfar numa “nova política” – que já estaria aí, na sociedade, transcendendo o caos – e de fazer acupuntura motivacional nos “homens bons” de todos os partidos, para realizar, em quatro anos, as reformas que o Brasil pede, e retirar-se de cena. Sobre a tangibilidade dessa plataforma, pairam sombras.

A maioria dos que a veem na TV, contudo, ouviu uma Marina esclarecida que não se fechou na fé religiosa. Ficou na cara que leu tudo que é secular, que seu uso de expressões de efeito subliminar é consciente (psicopedagoga, ela conhece Freud e Lacan) e que sua origem humilde não transfere para ela, como muitos fazem, a caricatura iletrada que o antilulismo criou.

Antenada com expressões do humor da moda (tipo “vergonha alheia”), usuária abusiva de simbolismos e metáforas e dona de uma prosódia às vezes literária, Marina deixou antever que, se tentar a estratégia de combatê-la na base do murro, Dilma corre o risco de se ferir na ponta do cacto verde.

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Arnaldo Bloch, do Globo