Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

STF na pauta dos debates entre os presidenciáveis

O modelo brasileiro de nomeação de ministros da cúpula do Judiciário do país – o Supremo Tribunal Federal (STF) – é inspirado no padrão estadunidense de escolha dos juízes da Suprema Corte. Tal como sucede no império econômico e militar da América do Norte, no Brasil cabe ao chefe do Executivo proceder à nomeação dos membros do STF, após sabatina e aprovação pelo Senado Federal.

Nos Estados Unidos da América, há uma frase corrente no sentido de que a tarefa mais importante de um presidente da República consiste em realizar mencionada nomeação. A despeito do aparente exagero, o fato é que essa assertiva mostra-se justificável diante da elevada responsabilidade do exercício da função atribuída aos juízes do tribunal de dar a última palavra sobre a Constituição do país.

No Brasil, contudo, a nomeação dos ministros do STF nem sempre recebe a devida atenção, especialmente por parte da grande mídia, a qual, em uma sociedade complexa, detém o poder de, primordialmente, pautar os debates públicos. Normalmente, quando algum ministro da Corte suprema brasileira se aposenta, a imprensa limita-se a informar alguns nomes especulados para a sucessão, para, em um dia qualquer, anunciar o término das especulações, noticiando a pessoa efetivamente escolhida pelo(a) presidente da República para ocupar a vaga do aposentado.

Indiferença para uma função relevante

O atual quadro político de eleições para a chefia do Executivo parece não ter alterado esse desinteresse. O que se tem visto nos debates já realizados entre os presidenciáveis é que, mais uma vez, os candidatos não são sequer questionados sobre a forma pela qual pretendem exercer a função de nomear os membros do STF. Aludida indiferença desconsidera o presente momento em que o STF tende a ampliar, ainda mais, sua importância.

Cabe, nesse sentido, lembrar que, nos últimos anos, a sociedade brasileira testemunhou notável redução da pobreza e ampliação da classe C – os “batalhadores brasileiros”, na expressão de Jessé Souza. Não se pretende aqui discutir se tal acontecimento deveu-se à estabilidade econômica ou a políticas sociais distributivas, tal como contendem os principais grupos políticos nessas eleições. Também não se pretende discutir se mencionada população realmente configura uma nova classe média. A realidade, porém, é que, passados quase dois séculos de independência política frente a Portugal, o Brasil, enfim, logrou construir uma sociedade formada, em sua maioria, por população que tem acesso (ainda que com sérias limitações) ao consumo de bens e serviços.

Ora, esse nova maioria torna-se decisiva em qualquer processo eleitoral. Por esse motivo, é natural que suas demandas estejam no foco prioritário das propostas formuladas pelos candidatos à Presidência da República. Teme-se, entretanto, o abandono ainda maior daquela minoria (de milhões de habitantes, diga-se de passagem) que não se amolda ao aludido perfil. Vítimas da guerra contra as drogas, indígenas que lutam pela demarcação de terras, camponeses destituídos do trabalho pelo latifúndio e moradores das grandes cidades afastados de suas moradias pela especulação imobiliária configuram apenas quatro exemplos, dentre tantos outros que poderiam ser citados, de grupos cujas demandas, por não interessarem eleitoralmente, são colocadas em segundo plano pelos candidatos à chefia do Executivo.

Nessa situação, amplia-se a responsabilidade daquele poder que, embora tenha o dever de prestar contas à sociedade, não se encontra vinculado a promessas eleitorais: o Judiciário, especialmente a corte que ocupa a sua cúpula, o STF. Cabe, assim, aos ministros do mais importante tribunal do país atentar-se aos direitos previstos na Constituição Federal ou em tratados subscritos pelo Brasil a determinados grupos, eleitoralmente deixados de lado.

Note-se: apesar de inseridos em segundo plano por candidatos à presidência da república, grupos formados por cidadãos titulares de direitos positivados após anos, décadas e até séculos de lutas, que não podem ser esquecidas pelo Judiciário brasileiro.

Aprofundamento da democracia

Tem-se no presente segundo semestre de 2014 uma oportunidade histórica para a mídia romper o silêncio perante a nomeação dos ministros do STF. Os debates entre os presidenciáveis consistem em lugar privilegiado para que aqueles que pretendem a chefia do Executivo sejam questionados sobre a mais alta corte do país.

Nesse sentido, podem os jornalistas componentes das mesas dos debates perguntar aos candidatos quais critérios pretendem utilizar, se eleitos, quando da nomeação de determinada pessoa para o STF; podem perguntar também se os candidatos ficarão atentos ao currículo do nomeado, à sua luta pelos Direitos Humanos e ao seu comprometimento com a democratização e independência do Judiciário. Os jornalistas podem, inclusive, ir além e questionar os candidatos como enxergam eventual participação da sociedade civil no processo de escolha do ministro do STF, tal como a Associação Juízes para a Democracia (AJD) tem sugerido (a sugestão da AJD encontra-se disponível aqui).

Questionamentos como os acima referidos são de suma importância para o aprofundamento democrático e para a luta pela efetivação dos direitos humanos em um dos países mais desiguais do mundo. Eis uma nobre missão atribuída aos jornalistas em momento de proximidade de eleições. Ainda é tempo.

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André Augusto Salvador Bezerra é juiz de Direito e presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia