O hábito de ler em meios digitais ainda é minoritário –menos de 5% dos livros vendidos hoje no Brasil são e-books, enquanto o número nos EUA chega a 25% –, mas cada vez mais pessoas aderem aos livros eletrônicos. Faz alguma diferença, para o bem ou para o mal?
Comparações entre os dois tipos de leitura indicam um empate técnico.
Por um lado, é possível que ler uma narrativa num e-reader (aparelho projetado para a leitura digital) atrapalhe um pouco a percepção que a pessoa tem da estrutura da história, ainda que não interfira em outros aspectos. Por outro, a possibilidade de personalizar detalhes do texto parece ajudar quem tem dificuldades de ler no papel.
A ligeira desvantagem do leitor digital foi identificada num estudo liderado por Anne Mangen, da Universidade de Stavanger, na Noruega.
Ela dividiu 50 estudantes em dois grupos –um tinha de ler a versão em papel de um conto da americana Elizabeth George, enquanto o outro lia o texto num e-reader Kindle. Depois, tinham de responder a perguntas sobre o conto.
A percepção sobre os personagens da narrativa, por exemplo, não variou de forma significativa entre os grupos, e a sobre objetos da história foi até melhor entre quem lia via e-reader, mas os usuários do Kindle sofreram mais para identificar a sequência correta de acontecimentos na trama.
Já a equipe de Matthew Schneps, do departamento de educação científica do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica (EUA), trabalhou com mais de cem adolescentes com dislexia (dificuldade de leitura e escrita). A comparação foi entre ler em papel e em iPods Touch configurados para mostrar de duas a três palavras por linha em letras grandes.
O resultado: os adolescentes com mais dificuldade para captar o som das palavras, bem como os que tinham menos capacidade de atenção visual, tiveram melhora significativa na velocidade de leitura e na compreensão.
Dois gumes
A possibilidade de personalizar os aparelhos é um dos trunfos dos e-readers, afirma Carla Viana Coscarelli, especialista em letramento digital da Faculdade de Letras da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
“Do ponto de vista da acessibilidade, isso é um achado. O mesmo vale para a conversão de texto para áudio no caso de leitores com deficiência auditiva”, compara.
No entanto, no caso de leitores sem grandes dificuldades, ela aponta que não há diferença entre os meios. “O trabalho cognitivo de fazer inferências e perceber ideias implícitas é o mesmo”, diz.
“A situação ainda é muito fluida, porque os dois tipos de leitura continuam misturados, e essa transição vai ser demorada”, diz Ana Elisa Ribeiro, doutora em linguística aplicada e professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais.
Uma das variáveis que influenciam os hábitos de leitura é a relação da pessoa com cada tipo de livro. E-readers e tablets têm tido impacto grande em quem lê textos acadêmicos –nesse caso, a tendência é trabalhar só com o formato eletrônico.
“Por outro lado, vi um estudo interessante com aqueles romances populares femininos, do tipo Júlia’ e Sabrina’. Nesse caso, as pessoas tendem a comprar em papel uma grande quantidade de títulos, em especial os preferidos delas”, diz Ana Elisa.
Também não parece haver diferença no tempo de leitura entre livros digitais e impressos, ou mesmo no nível de concentração.
“Mesmo que você esteja ouvindo música e lendo no tablet ao mesmo tempo, sua atenção só vai ter um único foco”, exemplifica Ana Elisa.
“É uma faca de dois gumes. Outros aplicativos podem acabar tirando você do texto, mas você também pode usá-los para procurar uma palavra no dicionário, acessar vídeos ou blogs sobre o tema. A experiência de leitura não necessariamente fica mais dispersa –pode se tornar mais aprofundada.”
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Reinaldo José Lopes, para a Folha de S.Paulo