Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O juiz e a liberdade de imprensa

Em fevereiro de 2011, o juiz da 4ª Vara da Justiça Federal do Pará, Antonio Carlos de Almeida Campelo, me intimou a não publicar qualquer notícia sobre o envolvimento de quatro pessoas, dentre elas Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, donos do grupo Liberal, em fraudes contra a Sudam, sob pena de “prisão em flagrante, processo criminal e multa de R$ 200 mil”.

Os dois empresários e mais dois empregados respondiam a processo por crimes contra o sistema financeiro nacional no valor de R$ 3,3 milhões, não corrigidos. Para tentar justificar a censura que me impunha, o juiz estabeleceu segredo de justiça (só após a publicação da matéria neste jornal), embora a ação, proposta pelo Ministério Público Federal, fosse incondicionalmente pública. Na verdade, Campelo reagiu à matéria, publicada poucos dias antes, detalhando a audiência realizada com um dos réus na sala do juiz. Nessa ocasião, o processo tramitava sem qualquer condicionante.

No trecho que mais deve ter desagrado ao juiz, informei que as perguntas que ele fez a Ronaldo Maiorana “foram genéricas e não se relacionavam diretamente com os fatos imputados. Ele se interessou por questões como saber quantos empregos o empreendimento gera e se o réu possui outras empresas”.

E mais:

“O tom da audiência foi tão cordial que no início da sessão o magistrado perguntou ao réu se poderia chamá-lo de doutor. Ao final, se levantou para cumprimentá-lo e aos seus advogados. Essa afabilidade contrastou com os termos do despacho do juiz em 23 de setembro do ano passado, quando, designando nova data para a audiência, ele escreveu que a instrução do processo ‘vem sendo postergada por razões diversas. A pedido dos réus’”.

“O retardamento tem um objetivo claro: protelar o andamento do processo, recebido pelo juiz em agosto de 2008, a partir de denúncia do Ministério Público Federal, depois de oito anos de apuração, para que o crime prescreva e seus autores permaneçam impunes. É o que a Justiça precisa evitar que aconteça. Este é o seu papel, não o contrário”, dizia ainda a matéria.

De uma só vez, o juiz decretou sigilo de justiça e, de moto próprio, sem ser provocado por ninguém, mandou me intimar, embora eu não fosse parte na demanda, e violando a proteção constitucional à liberdade de imprensa.

A primeira decisão, de 22 de fevereiro, foi, literalmente, a seguinte:

“Tendo em vista a notícia publicada no Jornal Pessoal (Fevereiro de 2011, 1ª Quinzena, pág. 5) e a decisão de fls. 1961 dos autos, na qual decretou o sigilo do procedimento deste feito, oficie-se ao editor do referido jornal com a informação de que o processo corre sob sigilo e qualquer notícia publicada a esse respeito ensejará a prisão em flagrante, responsabilidade criminal por quebra de sigilo de processo e multa que estipulo, desde já, em R$ 200,00 (duzentos mil reais).

O ofício deve ser entregue em mãos com cópia deste despacho.

Intimem-se. Vista ao MPF”.

Três dias depois o juiz revogou a decisão, com o seguinte despacho:

“Chamo o feito à ordem.

Considerando que os atos judiciais, em regra, devem ser públicos e ainda que deve ser respeitado o direito à informação, REVOGO, em parte, a decisão de fl. 1.961, de 02/02/11, pelo qual determinou que o processo em epígrafe corresse sob sigilo de justiça, para MANTER o sigilo tão-somente quanto aos documentos bancários e fiscais constantes dos autos.

Por consequência, REVOGO o despacho de fl. 1.970, de 22/02/11, que proibiu publicação de notícia a respeito do processo, com a ressalva do parágrafo anterior.

Aguar-se a continuidade da audiência de instrução e julgamento designada para o dia 17/05/11, às 14h30. Intime-se o réu Rômulo Maiorana Júnior pessoalmente por mandado com urgência.

Publique-se na íntegra. Intimem-se. Oficiem-se com cópia deste despacho aos principais periódicos desta Capital.

Cumpra-se com diligência”.

Registro devido

Passados três anos e meio, mesmo juiz Antonio Campelo mudou seu entendimento a respeito. Atuando agora na Justiça Eleitoral, ele rejeitou a representação feita pela coligação liderada pelo governador Simão Jatene, candidato à reeleição, que considerou ofensivas notas publicadas no Diário do Pará, do seu oponente, Jader Barbalho, além de fazerem propaganda eleitoral em favor da aliança sob o comando do PMDB.

Pelo contrário, para o juiz, as críticas do jornal “não figuram propaganda eleitoral, possuindo exclusivamente caráter informativo”. No seu entendimento, os direitos à liberdade de expressão “estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação, bem como que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes pela própria Constituição”.

Campelo afirma na sua decisão: “O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor”.

Merece registro essa notável evolução do juiz Campelo.

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)