Tive uma certa dificuldade em escolher um título para este artigo, pois não me saía da cabeça que deveria ser ‘Presidente do Supremo vira o Severino Cavalcanti deste Tribunal’. Mas prefiro deixar para a opinião pública estes exemplares qualificativos e usar os meus esforços para elogiar os heróis que são perseguidos implacavelmente pelos ‘advogados togados’ que defendem a… bem, a interpretação ‘elástica’ da lei.
A ‘presente crise judiciária’, classificada assim pela grande imprensa, em seu esforço de minimizar a gravidade das coisas, reduzindo tudo a um embate entre um juiz e um procurador defensores da arbitrariedade jurídica e um grande jurisconsulto, que do alto da sua sapiência e retidão, defende os direitos mais fundamentais do homem e a sagrada instituição do habeas corpus, tão ameaçada e incompreendida pelo populacho.
Mas a realidade é bem diferente, pois os procuradores e juízes federais de primeira instância há muito tempo travam uma luta contra o crime organizado, contando com a colaboração de honestos policiais que não se abalam com os milhões oferecidos pela corrupção, nem com as ameaças de ex-militares israelenses contratados pelo mundo do crime.
Neste processo envolvendo o banqueiro Daniel Dantas, o procurador da República Rodrigo De Grandis requereu algumas prisões preventivas baseadas exclusivamente em sólidas provas processuais, que foram concedidas pelo juiz federal Fausto de Sanctis. Até aqui, a ordem jurídica estava correta e qualquer recurso contra a decisão do juiz seria nas instâncias imediatamente superiores, como o Tribunal Regional Federal da 3a Região ou o Tribunal Superior de Justiça (STJ) e, por último, o Supremo Tribunal Federal (STF). Mas nada disso ocorreu e daí em diante foi uma sucessão de ilegalidades e favorecimentos.
Direitos humanos e Estado democrático
Muito do que eu possa escrever aqui, no fundo, será uma repetição de artigos anteriores, onde critico os critérios de escolha dos supremos ministros, as suas limitações e comportamentos (ver, por exemplo: ‘Contradições Supremas’, Montbläat 130, 6 de dezembro de 2005; ‘Supremos Personagens’, Montbläat 147, 14 de fevereiro de 2006 e ‘A Conciliação de Ellen Gracie’, Montbläat 216, 15 de dezembro de 2006). Portanto, vamos comentar apenas um cenário novo para uma velha pantomima.
O ministro Gilmar Mendes, em suas ações, cometeu pelo menos quatro ilegalidades. A primeira foi julgar um processo onde deveria se declarar suspeito, pois já havia emitido a sua opinião sem sequer conhecer os autos. A segunda ilegalidade foi suprimir as instâncias inferiores ao Supremo, julgando um fato novo e usando um velho processo que mofava neste Tribunal aguardando um parecer. Com isto, criou um foro privilegiado não previsto em lei. Mais tarde, repetiu a sua ilegalidade na concessão do segundo habeas corpus, desta vez afrontando grosseiramente o ordenamento jurídico brasileiro. Na realidade, foram cometidos um abuso de poder e uma prevaricação.
Para completar este rosário de afrontas jurídicas, ainda criticou pessoalmente o juiz federal Fausto de Sanctis, o que caracteriza um cerceamento ao Judiciário e enviou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um ‘registro’ para fins de acompanhamento estatístico (sic), mas que na prática pode resultar na abertura de uma investigação contra o juiz Sanctis, prejudicando a sua carreira. Para aumentar a ‘carga’, como dizem em linguagem policialesca, Gilmar Mendes ainda mandou encaminhar cópias da decisão do juiz Sanctis ao Conselho da Justiça Federal e à Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 3a Região.
Eis, portanto, o comportamento de quem, segundo a grande imprensa, defende os direitos humanos e as conquistas jurídicas de um estado democrático!
Quem não deve, não teme
Para agravar todo este quadro, devemos lembrar que este tribunal prima mais pela obstrução da aplicação da lei, já que por lá tramitam milhares de processos sob o manto do chamado foro privilegiado, que nunca terminam, prescrevendo um a um, em uma triste rotina, rasgando o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei. Se cada magistrado desta corte fizesse um décimo do esforço de Gilmar Mendes nos últimos quatro dias, teríamos todos os processos ‘protegidos’ pelo foro privilegiado concluídos em poucos meses.
Para a sociedade brasileira, tem sido também intolerável o sumiço dos demais membros desta corte, que não se afastam de suas confortáveis férias coletivas – eles têm também as férias individuais. Devemos lembrar que uma corte é um órgão colegiado e a não manifestação de um de seus membros implica na concordância com os atos dos demais.
Para agravar o clima de suspeição da sociedade, o que é expresso em centenas de cartas na imprensa, temos a menção nos autos do processo de que um dos acusados declarou que nas instâncias superiores ele não teria dificuldades em resolver os seus problemas. Ah… tem também a menção a um ‘clube’ que recebia vultosas quantias. Parece que ninguém está interessado no esclarecimento disto e o negócio é simplesmente passar a borracha do esquecimento.
Recentemente, o banqueiro Daniel Dantas confessou à repórter Consuelo Dieguez, da revista piauí, que medo mesmo ele só tem da Polícia Federal. Parece que outros também ‘professam’ esta fé. Inventaram até de que o juiz Sanctis tinha ‘plantado’ escutas em gabinetes de altas autoridades judiciárias, criando um grande pânico, pois não tem foro privilegiado que possa evitar uma prisão em flagrante delito, que pode ser decretada por qualquer cidadão. Nestas horas, o melhor é a serenidade, resumida por aquele dito popular: quem não deve, não teme.
Falei muito, mas onde estão as algemas e a imprensa? Por tratar-se de um assunto desagradável, o meu estômago não suporta mais de duas páginas. Mas prometo para a próxima semana a continuação desta história, com o título: ‘Juízes, Algemas e Imprensa – Ontem e Hoje’.
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Físico e Escritor, Rio de Janeiro, RJ