Há um princípio inescapável, uma espécie de “maktub” tecnológico, que nos mostra, historicamente, que “tudo o que pode ser feito, num determinado momento, acaba sendo feito”. Eletrônica embarcada tornou-se hoje a solução mais simples, flexível e barata para o controle de qualquer dispositivo doméstico. E ubíqua: temos processador eletrônico embutido em praticamente tudo: na geladeira, no televisor, no ar condicionado, no painel do automóvel, no relógio.
Esses equipamentos, pelo fato de serem controlados por algum programa rodando no processador, tem agora a possibilidade de serem “ativos”. Ao adicionarmos acesso remoto sem fio para “conversarmos” com eles de forma simples e barata (e, por que não, usando a própria internet), não estaremos longe de concluir que, afinal, eles podem também começar a “falar” entre si. Se esses dispositivos podem falar, acabarão certamente por falar entre si. Maktub.
Outra evolução interessante: objetos de menor valor e mesmo descartáveis podem usar RFID, etiquetas digitais legíveis via rádio a certa distância. Isso permite que dispositivos tenham uma forma muito simples de perceber o mundo ao seu redor.
Juntando-se os fatos, pode-se imaginar uma predisposição a que emerja desse cenário uma “consciência das coisas” e que estejamos entregando a elas, de alguma forma, cada vez mais controle e dados de nossa própria vida.
Pedido de socorro
Muito conforto pode advir quando nossos servidores eletromecânicos compartilham do que sabem e procuram agir para nosso bem. Porém, há sempre o outro lado da moeda.
Iniciemos pelo lado positivo. Se nossa geladeira, por exemplo, possuir formas de conhecer o que nela está guardado (com RFID) e souber de nossas preferências, ou do que necessitamos, pode nos avisar se um produto importante está em falta, ou prestes a perder a validade.
Mais que isso, pode, usando a internet, pedir automaticamente a algum fornecedor que reponha o estoque. Dispositivos vestíveis como relógios e óculos podem monitorar nosso estado de saúde e repassar qualquer novidade ao nosso médico. Automóveis inteligentes já conversam para negociar ultrapassagens, escolher rotas e saber quando um semáforo irá fechar.
Imaginemos agora esse “admirável mundo novo”: enquanto estou fora de casa, meu relógio notou que hoje é meu aniversário e, para me fazer uma surpresa, avisou à geladeira e aos meus amigos próximos. A geladeira apressou-se em reabastecer o estoque de cervejas e encomendou meu bolo preferido, de nozes. O carro estaciona, após avisar à garagem que cheguei e, lógico, o elevador já está esperando no andar certo. Entro e surpreendo-me com os amigos todos me cumprimentando, enquanto o aparelho de som dispara um “parabéns a você…”
Mas a informação “vazou”! “Amigos do alheio” souberam e, de posse do código do prédio, entraram e estão agora “convocando” a todos que se amontoem no banheiro, enquanto fazem uma “limpeza” do apartamento. Ainda consigo ouvir o equipamento de som pedindo por socorro ao notar que está sendo indevidamente desligado!
Sonho? Pesadelo? Aguardemos…
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Demi Getschko é conselheiro do Comitê Gestor da Internet e colunista do Estado de S.Paulo