Do lançamento feito pela Apple, na semana passada, saíram três tipos de produto. O iPhone 6 e seu irmão maior com tela de 5,5 polegadas, o iPhone 6 Plus; um sistema de pagamento via celular que poderá substituir cartões de crédito; e, por fim, o Apple Watch, um relógio, o primeiro aparelho vestível da empresa. Ganhou espaço na imprensa, algum deslumbre e uns muxoxos. O que não ficou claro, no entanto, é que este foi o mais importante lançamento da empresa fundada por Steve Jobs em muito tempo. Talvez mais, até, do que o evento que deu luz ao iPad, em 2010.
Os dois novos celulares foram motivo de piada entre analistas que torcem pelo sistema Android. Afinal, entre os smartphones que rodam o sistema do Google telas grandes não são novidade. Mais do que isso. Há aparelhos com telas grandes de maior resolução do que a do iPhone 6 Plus, para não falar de algumas câmeras melhores. Uma das novidades do iOS 8, sistema deste celular, é que permitirá widgets. São aplicativos que não precisam ser abertos para interação. Eles também são velhos conhecidos fora do universo Apple.
A piada é boa, justa, mas engana. Globalmente, a Apple tem 10% do mercado de smartphones. Quem se engana com a piada é quem vê apenas este número. O número relevante é outro: a Apple tem metade do mercado de smartphones de ponta. São os mais caros, aqueles que realmente dão dinheiro. Aí, ela é maior e tem poucos concorrentes. A Samsung é a mais forte, mas entram também na briga Motorola e HTC.
Os novos iPhones, estrategicamente, têm dois papéis. O primeiro é blindar quem já usa iPhone. Os atrativos para migrar desapareceram. O segundo é pôr contra a parede quem está no pequeno universo sofisticado do Android. Para estes, o iPhone passa a ser uma alternativa. É este o foco da Apple.
O que virá
E, para quem vive nos EUA, o sistema de pagamento que a empresa lança com seus novos celulares é um baita incentivo para migrar. Nenhuma outra empresa no Vale do Silício tem-se mostrado capaz de fazer acordos como a Apple. Foi assim com as gravadoras, ao lançar sua loja de músicas. E, agora, com bandeiras de cartão de crédito e bancos. Pagar com o celular é mais simples e, com as tecnologias de reconhecimento por biometria, mais seguro. O Google já tentou, não deu. A Apple fez. Tem tudo para virar hábito nos próximos anos. É, inevitavelmente, o futuro. No Android, só depois.
O que não dá para garantir que esteja no futuro são os relógios inteligentes. Já existem muitos no mercado. Alguns servem de extensão para o celular. Outros como dispositivos para investigar o comportamento do corpo. O Apple Watch faz as duas coisas. Sua interface é realmente inovadora. Ele é, também, um aparelho muito caro e precisa ser recarregado diariamente: defeitos típicos da primeira geração.
O relógio faz outra coisa muito mais importante: legitima. É a marca da Apple. Depois que ela lança, o mundo começa a levar uma categoria de produtos a sério. Tecnologia de vestir vai sair do nicho só por conta das filas de compradores iniciais que se formarão no início de 2015. É uma força que o Google, com seu óculos, jamais conseguiu alavancar.
De uma tacada, a empresa defendeu seu nicho entre os smartphones, possivelmente reinventou a maneira como pagamos por produtos na rua e deu uma pista sobre como pode vir a ser tecnologia que vestimos. Aguardem, para os próximos anos: hipertensos como eu serão avisados quando a pressão passar do limite, diabéticos serão alertados quando o corpo precisar de insulina. E, cá entre nós: desde os tempos do Dick Tracy estava claro que relógio servia para mais do que dar as horas.
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Pedro Doria, do Globo