Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ciência absurda com molho de risadas

A zoeira não teve limites na noite de ontem (18/09), durante o evento anual do bom humor na ciência, a cerimônia de entrega do prêmio IgNobel, paródia do prêmio Nobel. Entre as atrações, chuvas de aviões de papel, salsichas ‘enriquecidas’ com bactérias do cocô de bebês, ópera com coro de bactérias, encontros às cegas e, claro, pesquisas estranhas e ridiculamente interessantes premiadas em 2014. O tema deste ano, que orientou boa parte das premiações, foi ‘comida’ – o que, em alguns momentos, fez a coisa toda descambar para a escatologia, mas tudo com muita classe e rigor científico!

Para abrir a cerimônia, realizada na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, uma cena provavelmente nunca vista em qualquer teatro: nada de tomates ou ovos, a plateia proporcionou um bombardeio de aviões de papel contra um pobre alvo humano.

Como de costume, o evento contou com laureados do Nobel para entregar os troféus – Roy Glauber, Nobel de Física de 2005, varria os aviõezinhos de papel do palco – e com outros convidados especiais, como Jim Bredt, coinventor da impressão 3D, que fez ‘bico’ de ‘ponto de luz humano’. Nos intervalos, uma ópera mostrou a história de um casal que atingiu a imortalidade trocando a comida por pílulas com nutrientes – até que, 600 anos depois, as bactérias de sua flora digestiva se cansaram da brincadeira!

Para todos os gostos

“Mas e os prêmios?”, você pode estar se perguntando. Depois desse aperitivo, vamos então ao que todo mundo esperava (ou não). A tradição presente até no lema do IgNobel foi cumprida: primeiro fazer rir e, depois, pensar. A premiação começou com um estudo de um grupo japonês muito útil para desenhos animados e esquetes de comédia: laureado na categoria Física, ele avaliou a fricção na interação entre sapato, casca de banana e chão em uma daquelas cômicas derrapadas.

Muito mais ‘metafísico’ foi o prêmio de neurociência, concedido a pesquisadores da China e do Canadá que estudaram o que ocorre no cérebro de pessoas que veem o rosto de Jesus Cristo em uma torrada – e quem disse que religião e ciência não combinam, não é mesmo? O resultado pode surpreender: não há nada de errado com elas. “Na verdade, seu cérebro é perfeitamente normal se você vê rostos em objetos do dia a dia, como Elvis numa tortilha; mas se você não os vê, isso pode significar que não tem o necessário para uma imaginação vívida”, argumentou Kang Lee, um dos autores. “Mas para quem não tem imaginação, é possível comprar uma torradeira de Jesus no Ebay.”

O prêmio de biologia ficou com especialistas da República Tcheca, Alemanha e Zâmbia por identificarem que, quando defecam ou urinam, cães e gatos posicionam-se em paralelo às linhas do campo magnético da Terra. Pode parecer brincadeira, mas há muitos estudos que avaliam a capacidade de animais de ‘sentir’ esse campo invisível. E se a plateia queria levar lembrancinhas para casa, ficou feliz: recebeu saquinhos de papel supostamente contendo o cocô dos animais, educadamente recolhido pelos cientistas. 

Grandes temas, estranhos estudos

As grandes questões dos nossos tempos também marcaram presença na festa: laureado na categoria Ciência Ártica, um estudo de pesquisadores da Noruega e da Alemanha avaliou a reação de renas ao observar humanos disfarçados como ursos polares, animais com os quais elas passaram a conviver mais devido ao aquecimento global e aos degelos nas altas latitudes – talvez a ciência jamais se recupere dos ridículos disfarces utilizados.

Já a crise econômica mundial apareceu no discurso da autora da pesquisa laureada na categoria Arte, que mediu a dor que as pessoas sentem quando olham para uma pintura feia ou bonita enquanto um feixe delaser é apontado para sua mão. “A arte é boa para curar a dor, na Itália somos bons nisso, por razões econômicas”, afirmou a pesquisadora. “Se você está com dor, vá ao museu ver uma pintura, Botticelli é bom para dor de dente e Van Gogh para dor nas costas.”

O prêmio de economia também foi italiano: o Instituto Nacional de Estatística do país foi o laureado por sua liderança mundial em encontrar maneiras de incluir as receitas de prostituição, tráfico de drogas, contrabando e outras transações ilícitas na contas do Produto Interno Bruto (PIB). Se essa estratégia pega por aí, talvez tivéssemos mudanças no panorama atual da economia mundial, hein?

Permitido brincar com a comida!

Por fim, é claro que uma noite de humor com comida não poderia acabar sem algumas ‘nojeiras’: na categoria Nutrição, por exemplo, o estudo espanhol laureado avaliou o uso de bactérias fecais de bebês como potenciais probióticos para salsichas fermentadas, ou seja, como colocar bactéria do cocô em alimentos. Os laureados com o prêmio Nobel presentes puderam provar a ‘receita’ – mas não se empolgaram muito…

Na área de medicina, os pesquisadores da Índia e dos Estados Unidos laureados desenvolveram um método para tratar casos incontroláveis de hemorragia nasal usando tiras de carne de porco curada nas narinas. “Obrigada a todos os canais culinários que dizem que bacon deixa tudo melhor, e também à minha mãe, que sempre dizia: ponha porco em tudo e você ficará bem”, comemorou Sonal Saraiya, uma das autoras. “Esse estudo também foi ótimo porque sou vegetariana e não sabia o que fazer com bacon.”

Completando a relação de premiados, a láurea de psicologia foi para um estudo que mostrou que quem fica acordado até tarde tende a ter mais autoadmiração, ser mais manipulador e mais psicopata. Já o IgNobel de saúde pública foi para três pesquisas que avaliaram se é mentalmente perigoso para um ser humano possuir um gato. Cada laureado ganhou um belo troféu na forma de bandeja de refeitório, além da quantia de dez trilhões de dólares – do Zimbábue, o que não dá para comprar nem um lanche em qualquer cadeia de fast-food.

Por fim, a festa contou, ainda, com uma bela homenagem ao pesquisador Francis Fesmire, falecido recentemente e que levou o IgNobel de medicina em 2006 por ter estudado técnicas de parar soluços com recurso ao toque retal. Ele foi lembrado com todos apontando seus indicadores para o alto. Poético, sem dúvida. No próximo ano, o IgNobel completa 25 anos, data que será comemorada, com certeza, com muitas risadas!

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Marcelo Garcia, do Ciência Hoje On-line