Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornais online no DF omitem acusações

A renúncia de José Roberto Arruda à candidatura ao governo do Distrito Federal foi o tema mais comentado e mais mal aproveitado pelos jornais online na capital do país no último dia 13 de setembro. Os sites dos dois maiores jornais da cidade, Correio Braziliense e o Jornal de Brasília, fizeram abordagens superficiais e semelhantes sobre o assunto. Ao trazer o acontecimento como um mero tema factual, deixou de prestar serviço essencial à sociedade e, em nada, explorou as características que podem dar caráter diferencial ao jornalismo na web. Em coberturas simplórias, ignoraram, em grande parte, as acusações anteriores que preenchem a folha corrida do ex-governador.

Ao observar oito notícias (quatro de cada veículo) publicadas naquela data, a informação prioritária é que, simplesmente, a candidatura passaria para o vice Jofran Frejat e Flávia Arruda (mulher do ex-candidato, para completar a chapa). Quase nada sobre o julgamento, lei da ficha limpa e contextos para dar a exata medida dos fatos.

A observação que segue aqui é um registro das coberturas, uma reflexão sobre o papel público do jornalismo, mas não tem elementos que expliquem as condições de produção nas duas redações, as relações de bastidores ou as motivações que fizeram com que as notícias se apresentassem dessa forma. A análise se atém a avaliar o serviço prestado à sociedade.

Quem se informou sobre a história apenas por intermédio dessas páginas pode não ter compreendido que a renúncia, na verdade, foi uma consequência de julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que considerou Arruda inelegível enquadrado na Lei da Ficha Limpa. O ex-governador foi pego em flagrante em 2009 na Operação Caixa de Pandora, em caso que ficou conhecido como Mensalão do DEM (o partido dele à época). Foi preso, desapareceu da vida política e voltou como um injustiçado, vítima de um “golpe”. Até renunciar, para espanto do país inteiro, era líder absoluto nas pesquisas de intenção de voto.

O assunto, além de extremamente atual e relevante pela proximidade das eleições, é resultado de ações anteriores do ex-governador e, agora, ex-candidato José Roberto Arruda. Por isso, o tema é circundado de vertentes que poderiam ter sido abordadas de formas interessantes e profundas para atrair o leitor. Porém, os jornais online esqueceram-se da hipertextualidade, multimidialidade e memória, características fundamentais do jornalismo na plataforma de internet, da fase do web 2.0 hipermidiática.

Interconexões inexistentes

Os textos publicados pelo Correio e pelo Jornal de Brasília não possuem links para ligar os pontos soltos e trazer contexto e o passado para dentro das notícias. O link leva o leitor a fazer conexões de sentidos entre informações relacionadas e o direciona para textos anteriores, vídeos ou áudios, valorizando a memória do assunto. E, sobre um candidato ficha-suja, com a extensa folha corrida que tem, o que não faltam são informações disponíveis. Os jornais locais ignoraram tudo isso e trataram o Arruda como um agente da ação.

A presença dos links é tão essencial ao jornalismo online que o usuário estranha uma página sem eles. A pluralidade desse aspecto é tanta, pode ser pelo recurso de navegação, pela abrangência ou pelo tipo de informação, que não existe desculpa por sua ausência nas publicações atuais.

Não é a primeira vez que o ex-candidato aparece envolvido em escândalos políticos. Em 2001, o então senador renunciou ao cargo após um episódio de violação do painel da casa. Ele foi acusado de ter encomendado a lista de votos para Antônio Carlos Magalhães, presidente do Senado na época. Após o episódio da violação do painel, Arruda voltou à política em 2002, como deputado distrital do DF pelo Democratas e os escândalos não pararam por ai. O político foi eleito governador do Distrito Federal em 2006, mas teve seu mandato cassado em 2010. Segundo as investigações, o então governador do DF comandava o esquema de cobrança de propina e compra de apoio de deputados.

Em um dos vídeos gravados por seu ex-secretário, Durval Barbosa, Arruda aparece recebendo R$ 50 mil em dinheiro, que guarda em um envelope pardo. Na época, o ex-governador disse que o dinheiro teria sido usado para comprar panetones para crianças pobres. Foi preso no decorrer das investigações sob a acusação de tentar subornar uma testemunha do caso. Ficou 61 dias atrás das grades, tornando-se o primeiro governador na história do país a ser preso em pleno exercício do cargo. Arruda responde ainda a outras ações. Em fevereiro de 2014, foi condenado pela Justiça do Distrito Federal pelo crime de improbidade administrativa, por não obedecer aos ritos legais ao contratar um jogo amistoso de futebol em novembro de 2008, por R$ 9 milhões.

Esses e outros casos envolvendo o político poderiam ter sido retomados pelos informativos na camada de memória, prevista no nível de exploração da notícia, que serviria para contextualizar o assunto e facilitar o acesso a temas antigos relacionados ao ex-governador.

O link e o hipertexto são essenciais para retomar conceitos e perspectivas relevantes para o entendimento do assunto caso necessário e possibilitam a interconexão de dados em formatos diversos. Capaz de estruturar narrativas multilineares, o link é o principal elemento do hipertexto. Com o uso de links, o hipertexto pode ser visto como um sistema organizacional. “O link assume importâncias e significados diferenciados. Um mesmo link pode atender a mais de uma função ao mesmo tempo”, escreveu a professora Luciana Mielniczuk, da Universidade Federal da Bahia (2007). No caso das reportagens sobre a desistência de Arruda, a falta de links omite informações fundamentais para o entendimento contextualizado do caso. Uma boa pista mal explorada foi dada pelo próprio candidato ao declarar ao Correio Braziliense que foi “desistido” da candidatura. Não há uma informação sobre o processo penal que o condenou em primeira e em segunda instâncias.

Sem convergência

Nos materiais observados, é notável também a falta de convergência de textos com outras mídias. A internet permite a multimidialidade, ou seja, um único tema pode conter texto, som e imagem. Porém, apenas um dos textos publicados pelo Correio aproveita-se dessa característica. Mesmo assim, trata-se de uma entrevista em que Arruda, na redação do jornal, lamenta, de forma tranquila, o fato de não poder se candidatar. A repórter, em momento algum, confronta o ex-candidato com o passado. Já no Jornal de Brasília, esse ponto sequer foi lembrado.

Além disso, os textos pouco valorizaram a “pirâmide deitada”, formato de publicação para a web trabalhado pelo professor português João Canavilhas. É possível identificar o lead da reportagem, mas faltam informações que complementem o essencial no “nível de explicação”. O “nível de contextualização”, que aborda outras mídias, e o de “exploração”, que liga a notícia a arquivos anteriores e exteriores, nem entraram em pauta.

Com o webjornalismo, a técnica passa a ser uma das opções do jornalista de noticiar, o que, segundo o professor João Canavilhas, é motivo de polêmica. Para o autor, usar a pirâmide invertida na web é deixar de explorar ferramentas importantes de contextualização e interatividade. O espaço deixa de ser limitado, como foi o caso das oito notícias observadas no dia que o ex-governador desistiu da candidatura.

Como no papel, o jornalista pode oferecer novos horizontes imediatos de leitura através de ligações entre outros elementos textuais e multimídia. Assim, o autor explora o conceito de pirâmide deitada, em que a leitura é contextualizada, interativa: “A pirâmide deitada é uma técnica libertadora para utilizadores, mas também para os jornalistas. Se o utilizador tem a possibilidade de navegar dentro da notícia, fazendo uma leitura pessoal, o jornalista tem ao seu dispor um conjunto de recursos estilísticos que, em conjunto com novos conteúdos multimídia, permitem reinventar o webjornalismo em cada nova notícia.”

A pirâmide deitada transforma a notícia em uma rede criada com marcações contextualizadas que podem ser infinitas e que conversam entre si, permitindo que o leitor explore os limites da informação. Os veículos devem permitir que o público mantenha-se na mesma linha do assunto escolhido através de ferramentas multimídia e do hipertexto. Para isso, deve haver uma interconexão na própria página, que facilita a retomada de assuntos e o acesso a outras visões do tema. A navegação, é claro, é uma escolha de quem lê, mas a disposição dos links, hiperlinks, áudios, imagens e vídeos traçam uma linha em um ciclo de informações que une notícias (atuais e antigas) e quaisquer outras ferramentas disponíveis em uma mesma página.

Navegabilidade prejudicada

É necessário que a interatividade seja valorizada pelos veículos. Nas matérias analisadas, a interatividade é marcada apenas pela parte destinada aos comentários dos leitores. O público também pode acessar, na própria página, o email de contato dos repórteres, o que aumenta a interação direta com a matéria. Uma das ferramentas que podem deixar os textos online ainda mais dinâmicos é a possibilidade de transformar o público em produtor de conteúdo e colaborador com o envio de sugestões, críticas, vídeos, imagens e comentários.

Os textos de cobertura publicados nas páginas dos jornais locais apresentam uma estrutura unilinear, em que há apenas um eixo de navegação, mas a falta de links dificulta a exploração da notícia pelo leitor. A falta de limite espacial na internet permite outro tipo de estrutura, a multilinear, em que várias histórias são contadas em diferentes eixos sem ligação entre si. O webjornalista tem o papel de guiar o leitor através de ligações internas e pistas de leituras. Ao criar uma rede de leitura relacionada através de links, os veículos permitem que leitor decida o percurso da leitura, mas sem sair da rede planejada pelo canal informativo. Na leitura dos textos analisados, veem-se poucas referências e assuntos correlatos. Além disso, não há camadas exploratórias, que permitiriam a contextualização e o acesso à plenitude da informação.

Nas oito notícias publicadas pelo Correio Braziliense e pelo Jornal de Brasília, há um espaço destinado a links internos (que remetem para lexias de dentro da página) para as últimas notícias relacionadas ao assunto. Quanto ao recurso de navegação, os links são conjuntivos, em que a janela do navegador permanece a mesma, mas o conteúdo que aparece na tela é outro. Essa opção diminui a força da navegabilidade.

Assim como nos veículos impressos, a boa apuração garante a qualidade das notícias online. O leitor é exposto a milhares de possibilidades e caminhos de leitura. Os veículos, por sua vez, devem conseguir manter a confiança do público, seu maior capital. A pobreza informativa nas matérias online locais retrata a falta de planejamento e de exploração dos níveis estruturais dos textos. A forma como os jornais passaram as novas informações sobre José Roberto Arruda não é exceção e ocorre frequentemente, em várias editorias. No caso específico do político, a clara omissão de fatos notórios coloca em dúvida a credibilidade dos veículos, que aparentemente ignoram a quantidade de escândalos relacionados ao ex-candidato. É preciso aproveitar o que a rede oferece e manter a ética e a seriedade essenciais para o uso pleno do jornalismo.

Jornalismo descompromissado

O emprego dos verbos nos títulos das notícias que fazem parte da amostragem é bastante semelhante. O verbo “desistir” aparece nas oito notícias. Mesmo quando o verbo é outro, todos colocam o ex-governador como agente de todas as ações. “Eu não desisti, fui desistido”, trouxe o Correio Braziliense, como um “furo” de reportagem. Apesar da importância e do volume de informações relacionadas ao caso, percebe-se a superficialidade nos títulos e nos primeiros parágrafos dos textos.

Na fase atual do jornalismo online, conhecida como 3ª geração, as empresas não devem mais estar vinculadas aos meios impressos para melhor utilizar os recursos da Internet. A informação digital, como defende a estudiosa Concha Edo, da Universidade de Madri, precisa sem interativa, personalizada e atualizada constantemente. A divulgação sobre a renúncia do candidato ao GDF, José Roberto Arruda, foi um exemplo de como os jornais online locais estão despreparados para fazer esse tipo de cobertura. Os textos publicados ainda são baseados no molde do jornalismo impresso. Falta o aproveitamento dos recursos dessa plataforma. Enquanto isso, o leitor na internet fica desinformado e não estabelece conexões entre os assuntos, o que diminui o seu poder de reflexão. Um tipo de jornalismo descompromissado que não ajudará a entender o ano de 2014 se Arruda voltar daqui a quatro anos.

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Camilla Mazzola e Gabriela Moll são estudantes de Jornalismo e Luiz Claudio Ferreira é professor de Jornalismo