Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Investigação ou press-release?

No Facebook, alguém pedia, neste fim de semana, clemência e compreensão para a presidenta Dilma Rousseff, autora da frase “a função da imprensa não é fazer investigação e sim de noticiar”, pronunciada num momento de irritação, ao ser indagada sobre o escândalo da Petrobras. O pedido parece ter sido aceito, pois, com exceção de alguns, não houve a reação esperada fosse da Fenaj, dos sindicatos estaduais de jornalistas, da ABI e de jornalistas de renome. Entretanto, talvez ainda estejamos no início dos debates e alguns não tenham avaliado o significado da frase.

O pedido de clemência vinha seguido de uma explicação – a presidenta não acostumada com o jargão jornalístico se referia à investigação no sentido de inquérito policial. Esse tipo de interpretação teria a seu favor um dos grandes jornalistas de investigação na França, Pierre Péan, cujo livro Uma Juventude Francesa, revelou as ligações de François Mitterrand com o governo colaborador de Vichy, antes de se unir à Resistência. Ora, Pierre Péan vê na palavra investigação uma confusão com investigation e prefere enquete ou pesquisa. Teria sido essa a razão da condenação do jornalismo de investigação pela presidenta?

Não, porque a continuação da frase afirma ser “função dos jornalistas noticiar”. De uma maneira geral, noticiar quer dizer “divulgar” e o Dicionário Aurélio reforça como “difundir através da imprensa falada ou escrita”. Ou seja, a concepção da nossa presidenta é a de caber aos jornalistas e à mídia em geral apenas a atribuição de espalhar as notícias, levar adiante, informar, porém não pesquisar e nem interpretar. Não fosse Dilma presidente, isso seria pouco importante, pois muitos respeitados jornalistas se queixam do desinteresse dentro da classe pela reportagem bem feita e menos ainda pela busca e cansativa pesquisa, capaz de levar a um furo ou a uma reportagem investigativa.

Porém, o fato de Dilma ser presidente levanta a questão – será essa realmente sua visão da atribuição dos jornalistas e da mídia em geral dentro da sociedade? Se não for, imagino ser importante um esclarecimento ou escusas de Dilma para todos os jornalistas. Caso contrário, ficará a impressão de haver em Brasília o conceito de jornalista como redator de press-releases de encomenda.

Verbas publicitárias

Ora, não tenho aqui comigo uma relação dos mais conhecidos jornalistas brasileiros de investigação, vou fazer uma injustiça com tantos, mas citarei Marcos Sá Corrêa, autor de uma reportagem de investigação, Operação Brother Sam, sobre o apoio da CIA ao Golpe de 1964, premiado no ano passado pela Associação Brasileira de Jornalismo de Investigação; Audálio Dantas, com seu livro prêmio Jabuti, As Duas Guerras de Vladimir Herzog; e Luiz Cláudio Cunha, autor de um livro de reportagem, jornalismo de investigação, sobre a Operação Condor – o Sequestro dos Uruguaios.

Se o exercício da profissão de jornalista está tão mal cotada na Casa Civil, em Brasília, talvez valha a pena lembrar a dupla Bernstein e Woodward que, baseados em confidências de Garganta Profunda, revelou o caso Watergate, responsável pela demissão do presidente americano Richard Nixon. Este caso, em especial, rebate os argumentos de estar havendo excessos na questão do escândalo da Petrobras, subordinando-se o jornalista primeiro à obtenção de provas concretas para só depois divulgar, ou seja, quando o caso já se tornou público. Ora, o jornalismo investigativo é o fruto de buscas, enquetes, consultas de documentos e arquivos, entrevistas, capazes de mostrar a pista principal, cuja publicação provocará a revelação de um caso acobertado, escondido e ignorado.

E não se pode esquecer de Julian Assange, refugiado em Londres, na embaixada do Equador, criador do Wikileaks, o investigador revelador das correspondências comprometedoras de muitos governos.

Reconhecer o trabalho de investigação de jornalistas seria favorecer em alguns casos a manipulação? Haverá sempre o risco de alguns órgãos tentarem explorar a penetração da mídia. E isso não ocorre apenas com a mídia de direita. Faz algum tempo, me surpreendeu circularem, nos meios de esquerda, notícias favoráveis a uma dupla da extrema-direita francesa, francamente antissemita, o cômico Dieudonné e o filósofo Alain Soral, como artesãos de um novo movimento “Igualdade e Reconciliação”, na França. O mesmo Alain Soral, palestrante no começo de setembro no V Encontro Evoliano, em São Paulo, movimento criado em homenagem a Julius Evola, tradicionalista reacionário e neofascista.

Contra o noticiário tendencioso existe a Justiça, que pode ser acionada e, apesar da lentidão da justiça brasileira, tem sido rápida na decretação de sequestro de livros e revistas, quando pedida pelos que se consideram prejudicados.

Onde está a presidenta Dilma, cujos ministros Helena Chagas e Paulo Bernardo sempre foram generosos, em termos de distribuição de verbas publicitárias, para a grande imprensa de direita, ignorando os nanicos de esquerda como Brasil de Fato e Caros Amigos, num gesto suicida e masoquista, que dizia faz algum tempo: “Prefiro o barulho da democracia ao silêncio da ditadura”?

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Rui Martins é jornalista, escritor, editor do Direto da Redação, em Genebra (Suíça)