O bordão do deputado federal Tiririca em sua campanha pela reeleição emprega termos pouco afinados com o decoro que deve marcar a conduta pública dos parlamentares. Com a licença do improvável e bem-educado leitor, o dever da precisão exige que se reproduza aqui o slogan desse político, que se tornou um astro fulgurante no horário eleitoral em curso. “Tá de saco cheio da política?”, pergunta ele, para emendar na sequência: “Vote no Tiririca”. Na tela eletrônica, nosso astro aparece caracterizado como o palhaço que o tornou um nome famoso: peruca branca, roupas de cores gritantes, voz aguda, risadinha cínica. Graças a ele o Zorra Total fincou sua bandeira na propaganda partidária.
Os pouquíssimos telespectadores que, não se enquadrando no estado de irritabilidade descrito pela pergunta chula do recandidato, ainda têm, digamos, estômago para enfrentar o nauseante desfile de nomes de fantasia, números de decoreba e fotografias de mau gosto na TV contam que o Partido da República (PR), que dá legenda a Francisco Everardo Oliveira Silva, o notório Tiririca, entregou a ele praticamente todos os minutos de que dispõe para anunciar seus candidatos à Câmara dos Deputados. Se isso for mesmo verdade (para comprovar é preciso assistir a tudo aquilo com os próprios olhos, operação insalubre e pouco aconselhável), o motivo é elementar. Vamos a ele.
Nas sondagens disponíveis, os prognósticos dão conta de que o nobre deputado Oliveira Silva deverá sair das urnas como o nome mais votado do Estado de São Paulo. Portanto, carregará para Brasília outros candidatos de sua legenda, por menos votos que cada um desses outros obtenha. É da regra do jogo. O senhor Oliveira Silva está em cartaz como “puxador de votos”. Quem tem 1,3 milhão de sufrágios – como ele alcançou em 2010 – elege automaticamente um punhado de outros.
O eleitor paulista conhece bem esse golpe do quociente eleitoral. Quem votava em Enéas, cuja escola de palhaçada era a sisudez histérica, elegia os tipos que vinham atrás dele na fila. Agora é a mesma coisa: quem vota em Tiririca elege gente de quem nunca viu a cara. O PR agradece.
Não adianta
E quem é o PR? Sejamos respeitosos. O PR é aquele que, nos estertores de junho, resignou-se patrioticamente a apoiar a recandidatura de Dilma Rousseff. Sua Executiva Nacional decidiu, no dia 30 de junho de 2014, entrar na coligação de reeleição da presidente da República. Dias antes, por mera coincidência, é lógico, Dilma substituíra César Borges por Paulo Sérgio Passos no Ministério dos Transportes, o que, casualmente, era do agrado da cúpula do PR.
Às vezes, certas cenas em torno do poder parecem piadas do Tiririca. A propósito, o PR é a cara do Tiririca. Foram feitos um para o outro. Se Tiririca é um palhaço, como declaradamente é, o dono do circo é o PR – que, por sua vez, é a cara da coligação que fez da recandidatura Dilma esse picadeiro de horrores, em que Sarney é admirável, Collor é respeitável e, bem, fiquemos por aqui. Por debaixo dessa lona, Tiririca é a atração mais inocente; o resto do espetáculo não é recomendável para menores de 18 anos.
A essa modalidade pesada de demagogia, que consiste em engrupir o eleitorado com piadas infantis enquanto o indizível se perpetra na escuridão do esgoto, dá-se o nome tiririquismo. O tiririquismo não é algo banal, não é o culto de um apelido vulgar. Se fôssemos seguir a escolástica das bibliografias em voga, diríamos que o tiririquismo é um pacto social tácito mediado por uma peruca branca e financiado pela credulidade popular, que torna viável o escambo essencial: em troca de umas boas risadas, a massa oprimida prorroga a validade da coalizão que já está lá em cima, bem instalada. O tiririquismo é o denominador comum possível para uma ideologia de ocasião sem nenhuma ideologia de fundo. O tiririquismo dá ao povo uma mentira que até o povo sabe que é mentira, mas na qual é divertido acreditar. Por isso – e também por alguns bilhõezinhos de dólares – as forças que já foram getulistas, brizolistas (não nos esqueçamos) e lulistas agora gargalham, tiririquistas até a medula.
Os mal-humorados se enfurecem ao ver o Tiririca na TV. Dizem que, se o nobre deputado Francisco Everardo Oliveira Silva aparecesse em plenário fantasiado de Tiririca, seria expulso do recinto e sofreria um processo na Comissão de Ética por quebra de decoro. Inconformados, os rabugentos se perguntam: se ele não poderia entrar como Tiririca no Congresso Nacional, como é que pode pedir votos no horário eleitoral oficial com esse figurino? Não é uma contradição? O PR, patrocinando esse sujeito que compara a capital federal a um carro velho que já foi personagem da canção dos Mamonas Assassinas não estaria faltando com o respeito à Câmara dos Deputados?
Eles espumam. Como um partido político, responsável pela política que aí está, pode instar seus eleitores a ficar “de … cheio da política” e ainda pedir votos em nome disso? Como a celebração dos que estão “de … cheio” pode engordar as urnas de um partido político? Não é um acinte? Se as pessoas estão “de … cheio”, isso não se deve exatamente a esse circo que a coligação majoritária ajudou a erguer? Como, então, o “… cheio da política” pode servir como cabo eleitoral em prol da mesma política?
Os mal-humorados gastam sua raiva em vão. O tiririquismo segue impávido e ainda ri dos indignados. O tiririquismo a que se converteu a coligação que manda hoje no Estado despolitiza o horário eleitoral, com palhaçadas ou com mentiras infamantes contra qualquer um(a) que incomode, tanto faz, não para acabar com a política, não para pirraçar os enfezados, mas para simplesmente afastar o povo da política. O tiririquismo nega a política em público, para controlá-la em privado. Você pode bufar, você pode estrilar, você pode até rir ou dar de ombros. Não adianta.
O tiririquismo não se vexa. Deve levar a melhor.
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Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP