Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mais um blá-blá-blá de milionário

Não que o Twitter não tenha utilidades ou não seja uma ferramenta inovadora e criativa. Criticar o Twitter, hoje em dia, seria o mesmo que criticar a internet. Tudo isso se tornou um dado tão absolutamente consumado da nossa realidade que é praticamente como se fosse uma segunda natureza. Para os nascidos na década de 2010, aliás, trata-se mesmo da primeira natureza. Imagino que essas crianças de 2 a 4 anos provavelmente pensem que árvores, terra e leite de vaca sejam coisas artificiais, meio malfeitinhas, por sinal. Já ouvi até falar de uma criança que, diante de um pássaro, disse para sua mãe: “Olha, mamãe, um Twitter!”

Não é o caso de falar mal, portanto. Agora, o fato de assumir tanto a inevitabilidade das redes sociais assim como sua utilidade não significa que seus inventores devam ser tratados como fetiches ou ídolos. São, em geral, “nerds” com faro, sorte e grandes habilidades em sua área. Nada muito diferente do negociante bem-sucedido de outras épocas, jogadores de futebol, palestrantes aclamados ou celebridades.

O que me incomoda, em qualquer uma dessas áreas práticas ou teóricas é quando esses comerciantes milionários e sortudos atuam como pessoas simples, normais e autocondescendentes em sua trajetória, dizendo “que-todos-podem-fazer-igual” e “basta-um-desejo-na-cabeça-e- determinação-na-mente”. É difícil entender por que não bastam os milhões de dólares que ganham com suas brilhantes ideias. Por que será que também precisam ganhar ainda alguns mais mostrando como é fácil conseguir aqueles milhões e como eles partiram do zero, em apartamentos de 30 metros quadrados, sem namorada e sem mobília?

Pois esse é o caso de “Um Passarinho Me Contou”, sobre a história do inventor do Twitter. Desde o título, vemos que a lenda (ou mesmo o mito contemporâneo) parte do pressuposto de que é suficiente que algo “caia” sobre a cabeça e, pronto, o resto do caminho é fácil. “Este é um exercício útil para qualquer problema ou ideia. Visualize o que você que ver acontecendo nos próximos dois anos. O que seria? Quero ter meu estúdio de design. Quero entrar numa startup. Quero fazer um vídeo de gato que se torne viral no YouTube. Sonhar alto não faz mal.”

Ditos sábios

Algumas observações: 1) Qual é a diferença entres esses “conselhos” nobres e a doutrina de “O Segredo”, em que Oprah Winfrey aconselha o espectador a visualizar-se dirigindo um Mercedes e desejá-lo veementemente para tentar obtê-lo? 2) Que tipo de pessoa é alguém que, nos próximos dois anos, deseja fazer um vídeo de gato que se torne viral no YouTube? 3) Como é mesmo?

É claro que, como todos os livros que “ajudam” os outros a se tornar milionários criativos e humanizados, este é mais um que prega a humildade como um dado sine qua non. Num determinado momento, Biz Stone conta sobre a oferta de US$ 500 milhões, feita por Mark Zuckerberg, para adquirir o Twitter. Depois de muito pensar – e de quase enfartar porque nunca poderia sonhar com um valor tão alto –, ele decide recusar. Santa humildade! Agora, quando o Twitter vale mais de US$ 15 bilhões, Stone manda um recadinho para Zuckerberg: “Melhor pensar duas vezes antes de fazer ofertas tão magras!”

Está aí. Nossas avós diziam “de grão em grão a galinha enche o papo”, “apressado come cru”, “melhor um pássaro na mão do que dois voando” e “vingança é um prato que se come frio” e nem por isso fizeram livros relatando sua dura trajetória. Conselho: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Para que serve eu não sei. Mas é de graça e deve ter alguma utilidade.

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Noemi Jaffe é escritora, autora de O Que os Cegos Estão Sonhando? e A Verdadeira História do Alfabeto, entre outros