Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Faltou um assessor capacitado

“Tudo vai parar na justiça.” Esta frase é uma praxe entre os operadores do Direito. Entretanto, alguns casos têm seu julgamento antecipado muito antes do desenrolar do processo judicial em razão da repercussão midiática. É o que aconteceu com Patrícia Moreira, a torcedora do Grêmio flagrada vociferando impropérios racistas contra o goleiro Aranha, do Santos, em jogo da Copa do Brasil de 2014. Resultado: exclusão do clube gaúcho da competição e comoção nacional contra o equívoco, que arranhou a imagem da jovem.

De imediato, a família da menina providenciou um advogado, buscando orientações. A questão, entretanto, é que não havia processo – não existia demanda para se proteger. O inquérito ainda estava correndo na Polícia Civil. Tão preliminar era o caso que a presença do defensor serviria, no máximo, para arquitetar um plano de contenção futuro. Não que a contratação seja um erro, nada disso, mas não seria uma prioridade. Patrícia precisava, naquele momento, de um capacitado assessor de imprensa – ou de imagem. Isto é, alguém que realizasse a intermediação entre ela e os meios de comunicação.

Um bom assessor olharia a jovem nos olhos para ter certeza de suas afirmações. Ela disse que o grito da palavra “macaco” não partiu com o objetivo de constranger Aranha, mas sim, em razão da emoção do jogo, onde via seu time perder por 2 x 0 em casa. Tendo a convicção disso, o profissional partiria em direção a um processo que foge ao ambiente controlado dos tribunais: a opinião pública. Mostraria que a menina errou, é verdade, mas que cresceu junto a pessoas negras, além do fato de alguns de seus melhores amigos serem negros – acuando a tese do preconceito. Eles, inclusive, se manifestaram para a imprensa garantindo que ela não é racista.

As entrevistas de Patrícia aos veículos de comunicação foram absolutos desastres. Claramente despreparada, ela conseguiu piorar sua situação. Além do erro cometido, e de ser uma das causadoras da eliminação do Grêmio na Copa do Brasil, ainda conseguiu dizer, em um programa de TV nacional, que sempre foi colorada. Só trocou de time pois essa era a condição pela qual ganharia uma bicicleta do tio – palavras dela. O depoimento é tão ridículo quanto vazio e agravou a ojeriza que a torcida do clube já sentia por ela, bem como a repulsa que o país demonstrou nas últimas semanas.

Gestão da imagem

Faltou orientação de um profissional da área. Não para mentir – nunca para mentir –, mas para, pelo menos, atenuar as críticas e descaracterizar inverdades que estavam sendo vendidas no nome dela. Aproveitando o embalo da discussão racial, por exemplo, um blog de uma grande emissora do Rio Grande do Sul divulgou uma foto de Patrícia ao lado de um colorado vestido de macaco. Na imagem, ela demonstrava cara de “nojo”. O site argumentou que, ali, a torcedora já havia demonstrado seu racismo anteriormente. Entretanto, essa conclusão é precipitada. Ela poderia, simplesmente, estar mostrando seu desdém em relação a um torcedor do Internacional, o que faz parte da rivalidade entre os dois maiores clubes do Estado. Aliás, a caracterização em questão volta e meia é utilizada no estádio Beira-Rio. A foto, a bem da verdade, parece muito mais uma brincadeira Gre-Nal do que um ato de injúria.

“Tudo vai parar na justiça”, mesmo que a justiça ainda nem tenha sido provocada. Esse é o equívoco que envolve a imagem de pessoas e organizações. Em casos mais graves, poucos têm a coragem – e o conhecimento – de enfrentar a opinião pública para dar a sua versão do fato. E poucos contratam assessores de imprensa; preferem o pragmatismo dos advogados. Tais profissionais, contudo, têm o condão de orientar juridicamente, não midiaticamente. A sociedade exigia uma declaração categórica da própria Patrícia. E ela deu – catastroficamente.

O Judiciário não tem poder suficiente para reverter a opinião pública. O veredito vai ser sobrepujado pela hecatombe que subsequenciou o ato racista. E a mídia tende a não dar grande destaque quando a decisão sair. Patrícia vai pagar pelo resto da vida em razão do que fez. A pena, se vier, é apenas a ponta do iceberg. Destarte, mesmo para ela há solução, no sentido de recuperar sua pretensão de viver. Consegue imaginar situação mais intimidante do que sair de casa e as pessoas olharem para você com o desdém de um criminoso? Certamente, não é uma circunstância agradável. Ela merece responder por seus atos, mas ninguém merece o linchamento público que recebeu. Este é um crime coletivo tão grave quanto o racismo individual que praticou.

Ela poderia, sim, usar a mídia da forma que a mídia a usou, a fim de pedir desculpas e esclarecer, veementemente, seu real temperamento por meio de informação. Nesse sentido, crítica seja feita, falta qualificação na área de comunicação. Existem muitos profissionais saindo das universidades – ou mesmo há anos no mercado – que pensam a atividade como a inesgotável arte de ver seu cliente na imprensa a qualquer custo. Eles não entendem os aspectos psicossociais envolvidos, quais sejam, a cultura da empresa e o coração das pessoas. Ainda há, portanto, um longo caminho a ser trilhado, tanto às mazelas do preconceito, quanto à importância que pessoas dão à gestão de sua imagem. Aguardemos os próximos episódios, torcendo a favor de uma sociedade mais justa, inteligente e igualitária.

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Gabriel Bocorny Guidotti é bacharel em Direito e estudante de Jornalismo