A semana em que se realizará mais uma eleição presidencial traz uma excelente oportunidade para refletirmos sobre as complexas relações entre mídia e poder no Brasil. Muitos pensadores consideram que, além do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, a imprensa consiste em uma quarta instância de Poder, capaz de influenciar profundamente os rumos do Estado. Em diferentes ocasiões, mídia e poder estiveram do mesmo lado. Já em outras oportunidades, essa relação foi conflituosa: ou a imprensa teve cerceada a sua liberdade de atuação, ou contribuiu para desestabilizar o governo vigente.
Ao contrário da América espanhola, nos três primeiros séculos de colonização portuguesa no Brasil era proibido qualquer tipo de atividade relacionada à imprensa. Somente em 1808, com a chegada da família real, foi fundada a Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro jornal oficialmente publicado em território brasileiro. Entretanto, tratava-se de um órgão do governo lusitano, extremamente parcial, que, obviamente, apresentava somente notícias favoráveis à Coroa. Durante o reinado de D. Pedro I, as relações entre publicações da imprensa privada e o governo foram tumultuadas. De acordo com alguns historiadores, o próprio imperador teria mandado matar o jornalista Líbero Badaró por causa de suas matérias, em que denunciava os desmandos e excessos cometidos pelos homens públicos. Anos mais tarde, na campanha abolicionista, a imprensa liberal teve um importante papel no processo que culminou na libertação dos escravos, em maio de 1888.
No século passado, com o avanço dos meios de comunicação, muitos governantes utilizaram as novas tecnologias para mobilizar as massas. Nesse sentido, os clássicos discursos de Getúlio Vargas pelas ondas radiofônicas foram peremptórios para transformar o político gaúcho no presidente mais popular da história do Brasil. Todavia, em seu segundo mandato presidencial, o próprio Vargas foi alvo de uma intensa oposição midiática comandada por Carlos Lacerda, proprietário do jornal Tribuna da Imprensa. Por outro lado, o golpe civil-militar de 1964 contou com o apoio de empresários da comunicação, como Roberto Marinho e Octávio Frias de Oliveira. Não obstante, a imprensa teve o estratégico papel de escamotear as atrocidades cometidas pela ditadura dos generais presidentes.
A “democracia” como ilusão retórica
Com o advento da Nova República e a redemocratização do país, a grande mídia brasileira passou a apoiar tacitamente os partidos conservadores e a retratar negativamente qualquer político com a mínima tendência esquerdista. Em 1989, a imprensa hegemônica teve uma participação emblemática na eleição presidencial disputada entre Fernando Collor de Melo e Luiz Inácio Lula da Silva. A pouco dias do pleito, o Jornal Nacional exibiu uma edição do último debate entre os dois candidatos ressaltando os melhores momentos do “caçador de marajás” e as piores intervenções do petista.
Atualmente, com a decadência das principais organizações políticas da direita, a mídia hegemônica tem feito o papel de principal partido de oposição ao governo federal. Não se trata de relativizar determinadas condutas antiéticas, mas a mesma “mídia imparcial” que transformou o caso do “mensalão petista” no “maior escândalo de corrupção da história”, elevando o ex-ministro Joaquim Barbosa ao status de herói nacional, se calou diante da “privataria tucana”, amplamente documentada em um livro do jornalista Amaury Ribeiro Júnior. Sendo assim, não é por acaso que o acrônimo PIG – Partido da Imprensa Golpista tem sido utilizado com bastante frequência.
Segundo muitos cientistas políticos, uma imprensa livre é condição sine qua non para o bom funcionamento dos preceitos democráticos. Contudo, conforme pôde ser aferido neste breve artigo, em nosso país não basta somente liberdade de expressão. É preciso que haja a completa democratização dos meios de comunicação de massa para que assim os diferentes setores sociais tenham a ampla oportunidade de defender os seus ideais políticos. Enquanto os poderosos barões da comunicação tiverem a prerrogativa exclusiva de decidir quais candidatos terão maior visibilidade para o grande público, a palavra “democracia” será apenas uma ilusão retórica no léxico ideológico da política brasileira. Diante dessa realidade, uma sociedade verdadeiramente livre deve passar, inexoravelmente, pelo fim do vergonhoso oligopólio midiático.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG