Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vera Guimarães Martins

Jornalistas costumam viver alguns graus de temperatura acima da humanidade, contaminados pela febre da apuração e pela necessidade de entregar um produto que atraia o leitor. Mais quente o tema –escândalos, eleições, tragédias–, maior a febre em busca de notícia que se destaque. Quando o assunto não é tão ardente assim, muitas vezes sobra para o título a tarefa de aparentar um peso que o conteúdo não tem.

Manchete do jornal na sexta (26): “Vice de Dilma acusa PF de intimidar filho de ministro”. A reportagem relata a reação de Michel Temer a uma operação de revista da Polícia Federal no avião, nos carros e nas bagagens da comitiva de Edison Lobão Filho, candidato ao governo do Maranhão e filho do atual ministro de Minas e Energia. Todos do PMDB.

Temer não é, nem de longe, nome desconhecido. Tem uma carreira de décadas na política paulista e há quatro anos ocupa o posto de vice-presidente da República. Ao reagir, não o fez na condição de vice, mas na de líder máximo do partido. Mas o PMDB não tem apelo, e Dilma entrou para esquentar o título.

A Secretaria de Redação defende a correção da escolha: “O vice-presidente de Dilma criticou uma ação da PF do governo Dilma contra o filho de um ministro da Dilma. Como é possível dizer que a presidente não tem nada a ver com a notícia?”

Título de abre de página na terça (23): “Governo federal financia metade de Coliseu’ no sertão cearense”. O imbróglio: Alto Santo, município com população de 16 mil almas, construiu uma arena que, terminada, poderá receber 20 mil pessoas. O custo de R$ 1,3 milhão foi dividido entre a prefeitura e o Ministério do Esporte, que atendeu a uma emenda parlamentar.

Emenda parlamentar é o instrumento clientelista do governo para ficar bem com sua base. São muitas centenas a cada ano. Não são impositivas e, no mundo ideal, todas deveriam ser esmiuçadas uma a uma, e só as prioritárias seriam liberadas. É evidente que isso nunca aconteceu em qualquer gestão.

Na prática, muitas vezes nem o deputado que solicita a verba sabe ao certo a destinação, porque o que lhe interessa é garantir o apoio de prefeitos e eleitores de sua região. A reportagem não identificou o parlamentar autor da emenda. “A Folha forçou a barra”, escreveu o leitor Marcos Aurélio Capitão, do Paraná. Realmente, forçou.

Resposta da Secretaria de Redação: “As emendas são empenhadas apenas após análise técnica dos ministérios. Ou seja, é o governo federal que decide.”

Título de página interna da edição de domingo: “Clientes contrariam versão dada por Marina”, seguido pela linha-fina “Entidades revelam quanto pagaram por palestras com a candidata do PSB”.

A reportagem procurou 32 instituições e só 17 responderam; destas, oito não pagaram nada, cinco informaram que haviam pedido confidencialidade dos valores e quatro disseram que seus contratos não apresentavam a exigência. Três concordaram em revelar os valores.

Resposta da Secretaria de Redação: “O ponto da matéria era mostrar que, ao contrário do que a candidata declarou em debate, nem todos os contratantes exigiram sigilo. Nós mostramos que, ao menos em quatro casos, não foi assim.”

Ok, mas se quatro (em 32) bastam para desmentir Marina, por que o número foi omitido do título?

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Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo