A Folha se esforça em se manter um bocado plural. Vejo isso no quanto tanta gente se indigna na internet
No momento em que escrevo este texto, já fiquei em posição fetal umas três vezes, chorei no banho para não distinguir minhas lágrimas da água corrente, tomei uma jarra de café misturada com algum tipo de energético para me manter acordado, coloquei a existência de meu Deus em xeque e fiz uma sessão de análise com meu cachorrinho. Tudo isso porque fui convidado a fazer a coisa que mais me motivou a desenhar: minha total falta de talento para a escrita…
O máximo dessa minha carreira foram resenhas de livros infanto-juvenis duvidosos –mas com ilustrações bem legais–, que eu fazia para a escola, e cartinhas de amor que sempre causavam riso.
Espero que o “Ombudsman por um dia” de amanhã fale exatamente sobre isso: a irresponsabilidade de um dos maiores jornais do país em colocar um analfabeto funcional, que acabou de alcançar a maioridade, para ser seu “ombudsman por um dia” e criticar suas matérias!
Pois, sejamos sinceros, a Folha é um baita jornal irresponsável… e, sendo sincero, acho que é a coisa que mais me fascina nela.
Reportagem oportuna
A Folha é irresponsável quando coloca um moleque para fazer a charge política, é irresponsável quando permite que um polemista radical como Reinaldo Azevedo escreva colunas, ou figuras superestimadas, como Gregorio Duvivier, façam o mesmo. Quando permite que seus colunistas escrevam textos totalmente irônicos –que confundam a cabeça de uma boa parcela de seus leitores– ou textos que você roga a Deus para que sejam realmente irônicos; ou quando mata cadernos tão bons sem nem um aviso prévio aos leitores; ou quando deixa aspirantes a artistas plásticos e figuras de outros meios cuidarem da ilustração das colunas (disse o cartunista-ombudsman); ou quando sacrifica as duas páginas de “Opinião” para a publicidade. E, sendo extremamente sincero, eu acho tudo isso muito válido (talvez nem tanto o último tópico, mas “c’est la vie”), pois é isso que diferencia a Folha dos outros veículos que acompanho.
Sim, podemos falar sobre uma certa tendência política geral do jornal –que para mim é chutar um cachorro há tanto tempo morto que nem restos mortais as brumas do tempo (e as minhocas) permitiram sobrar, e prova disso foi a carta de um leitor ontem falando que as principais polêmicas de quase todos os ombudsmans tinham a ver com a visão ideológica do jornal–, mas creio que a Folha se esforça em se manter um bocado plural. Vejo isso no quanto tanta gente se indigna na internet, e por motivos variados, sobre os textos publicados aqui.
“Se você faz algo que ninguém odeia, ninguém amou”, disse o designer húngaro Tibor Kalman, e acho que é isso que a Folha precisa fazer, mas abrindo cada vez mais espaço para todo tipo de opinião e experimentação. Não me iludo, ela já é uma senhora de 94 anos que já fez muita coisa discutível, não vai virar de uma hora para outra um jornal que a patota jovem e legal vai sair defendendo e lendo a rodo, mas já dá pra notar a pluralidade em suas páginas. Espero que cada vez mais gente odeie –e consequentemente ame– a Folha, mas pelo maior número possível de motivos.
Creio que, quanto maior o caos ideológico e a irresponsabilidade com que os leitores se depararem no café da manhã, menor esse argumento da tendência política geral do jornal vai imperar. Quanto menos eu entender meu jornal, melhor.
A reportagem de ontem sobre as fotos de falsos eleitores sendo usadas por vários candidatos ao longo do Brasil foi extremamente oportuna, mostrando como o marketing político é tão bobo… mas me fez pensar com meus botões quantos da propaganda “A Folha é a favor…, a Folha é contra…” realmente defendiam ou não aquelas opiniões…
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João Montanaro, 18, é cartunista da Folha desde 2010. Começou a desenhar aos 6; aos 9, obteve o 1º lugar no 4º Salãozinho de Humor de Piracicaba. Publicou “Cócegas no Raciocínio” (editora Garimpo).