A confirmação da exclusão do Grêmio da Copa do Brasil pode ter satisfeito os áulicos da opinião pública e saltimbancos da imprensa esportiva, mas para o futebol no geral, e para o clube gaúcho em particular, o perigoso precedente aberto com a drástica punição transcende os possíveis efeitos didáticos apregoados pelos hipócritas de plantão. Perigoso para o futebol no sentido de que, em tese, pelo princípio de isonomia, qualquer ofensa estará sujeita ao mesmo julgamento arbitrário com que o STJD crucificou o Grêmio, contrariando o entendimento majoritário de que este não poderia ser responsabilizado pela ação de meia dúzia de radicais. E de forma ainda mais delicada para o clube e sua torcida, estigmatizados por uma pecha de racismo que os coloca sob permanente suspeição e julgamento.
A manutenção da pena inicial de eliminação sumária da Copa do Brasil no recurso julgado na última quinta-feira (25/09) pelo chamado pleno do STJD não só ratifica a disposição de submeter nosso futebol a poderes ditatoriais que extrapolam ao próprio domínio da CBF, como confirma o viés obscurantista que torna até o ato de torcer passível de levar os clubes ao banco dos réus. A dúvida é se ao punir o Grêmio por manifestações isoladas, e de certa forma inerentes ao meio esportivo, o STJD irá agir com o mesmo rigor em todos os casos semelhantes, a menos que entenda que injúrias raciais são mais graves que as homofóbicas, ou xingamentos contra a mãe ou a moral tenham menos gravidade que chamar alguém de macaco.
Uma cumbuca pra lá de complicada, que promete tornar nosso futebol ainda mais confuso e sujeito a ingerências externas. Afinal, não bastasse o péssimo nível das arbitragens, o chamado tapetão anda mais ativo do que nunca, com as arbitrariedades e caprichos de um tribunal perante o qual nem mesmo a CBF consegue fazer frente, e de cujas arbitrariedades até se ressente, em função da política intervencionista que norteia o órgão, que legisla, interpreta e pune de acordo com o humor de auditores que adoram os holofotes. Notadamente o feitor Paulo Schmitt, famoso por antecipar sentenças na mídia.
Uma mídia sabidamente superficial e mequetrefe, que prefere ignorar que os podres do futebol começam pela longevidade e poderes absolutos de órgãos que deveriam primar por integridade, transparência e discrição. Casos específicos da CBF e do tribunal do Santo Ofício futebolístico até outro dia monopolizado pela clã dos Zveiter. Do desembargador e atual presidente do STJ carioca Luiz Zveiter, que em 2005 anulou 11 rodadas do Campeonato Brasileiro em função da descoberta de um esquema de manipulação de resultados envolvendo o árbitro Edilson Pereira de Carvalho, passando pelo irmão Sérgio, e por último nas mãos do filho Flávio, cujo ingresso no STJD se deu aos 20 anos de idade – não é à toa que o órgão, que funciona como uma espécie de confraria, não inspira credibilidade.
Falso moralismo e hipocrisia
Nesse sentido, sabendo-se que a punição exemplar ao Grêmio já estava tomada de antemão, a partir da manifestação pública de Paulo Schmitt e do alarde inconsequente da mídia, a mudança da eliminação sumária pela perda de três pontos, promovida na sessão de apelação, não passou de uma manobra oportunista para evitar que a pena inicial de exclusão se tornasse obrigatória em casos futuros. O que não exime o tribunal de agir com o mesmo rigor em casos de injúrias e ofensas de outra natureza, certo?
Uma ova. Num país em que se condena o racismo da boca pra fora, como é o caso do tal auditor do STJD que postou a foto de um bebê negro envolto num rótulo de Coca Cola, além de comentários jocosos a respeito, difícil acreditar que esse tipo de enquadramento surta efeito num meio em que xingamento e jogo são como unha e carne. Ou seja, são parte de um contexto atípico, em que o palavrão e mesmo as ofensas mais chulas estão longe do caráter discriminatório de manifestações no convívio social, no âmbito da sociedade.
Algo que intuitivamente sempre se tirou de letra no futebol, mas que vestais de fachada pretendem agora criminalizar e penalizar como se tais arroubos não fossem indissociáveis e inerentes ao esporte. Sem falar que em termos de indignação, esse episódio de pseudo-racismo soa ainda mais desproporcional diante de fatos como as denúncias dos bilionários desvios de dinheiro público revelados nos depoimentos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.
Enfim, se talvez não se possa mais encarar o futebol como a alegria do povo, também não é o caso de submetê-lo à camisa de força do falso moralismo e da hipocrisia.
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Ivan Berger é jornalista