É muito comum vermos notícias de estupro e violência sexual no nosso cotidiano. Não tão evidente é a postura que a mídia toma ao falar desses casos. No entanto, após uma rápida pesquisa, podemos perceber que, de uma maneira geral, há um perigoso padrão que guia a cobertura de notícias dessa natureza.
Um primeiro aspecto importante sobre a cobertura dos estupros é a individualização dos casos. As notícias não tratam o estupro como um problema estrutural da sociedade, e sim, como casos isolados de crimes. Porém, o estupro está muito longe de ser algo extraordinário. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), calcula-se que, em todo mundo, uma em cada cinco mulheres se tornará vítima de estupro ou tentativa de estupro no decorrer da vida. E ainda, segundo a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), a cada 12 segundos uma mulher é estuprada no Brasil. É raro vermos uma notícia que contextualize a violência noticiada. Nesses casos, não são mostradas ligações entre os casos de estupro, como ocorre com outros tipos de crime, passando a ideia, mais uma vez, de que esses delitos são pontuais.
Um segundo fator que merece ser analisado é o modo como a mídia mistifica a figura do agressor. É corriqueiro vermos que são atribuídos apelidos aos estupradores, como no caso do Maníaco do Parque ou no do Maníaco da Moto, que tiram esses homens da posição de pessoas comuns e os levam ao patamar de aberrações. O problema dessa cobertura é criação de um distanciamento do agressor em relação à sociedade. Só que, na prática, esse distanciamento não existe. Estupradores não são figuras míticas e de fácil identificação como os jornais nos fazem pensar. Eles frequentam igrejas, eles são integrantes de bandas de música, jovens atletas, são nossos amigos, nossos professores e até nossos parentes. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, mais de 80% das vítimas de estupro conheciam seus agressores. A mídia é responsável por essa falsa impressão de que estamos seguros em nossas residências, longe desses “monstros”. Os jornais só não dizem que esses estupradores podem estar dentro das nossas casas, das nossas famílias.
Problema recorrente
Um terceiro aspecto a ser notado é que as matérias tentam culpar as próprias vítimas. Em muitos casos, no lead da matéria aparece algum tipo de contextualização que serve como uma forma de justificativa para o crime. A vítima estava andando sozinha, voltava de uma festa muito tarde, havia tido problemas anteriores com o agressor ou já possuía casos de violência na família. Todos esses fatores levam o leitor a pensar que o crime aconteceu porque a vítima agiu de forma errada e, de certa maneira, a culpa foi dela. Um desses casos é o da adolescente de 15 anos estuprada por cinco homens no Rio. No subtítulo da matéria e no primeiro parágrafo constam informações de que ela já sofria violência há muito tempo. Sendo assim, mais uma vez, a notícia personaliza o crime. E leva o leitor a pensar que a agressão só aconteceu porque ela era uma menina com um histórico ruim.
Por fim, é importante falar que essa tendência de culpabilização da vítima foi refletida também na pesquisa divulgada pelo Ipea no dia 28 de março. Segundo o Instituto, 65% dos entrevistados acham que mulher que usa roupa curta merece ser estuprada. Os dados repercutiram com grande impacto nas redes sociais e a campanha “#eu não mereço ser estuprada“ganhou visibilidade e promoveu um debate sobre a condição da mulher na sociedade. Poucos dias depois, o Ipea voltou atrás e disse que os dados divulgados anteriormente estavam errados e o que o percentual correto era de 26%. Ainda assim, 26% dos entrevistados acham que “mulheres que usam roupas e mostram o corpo merecem ser atacadas”. Então, de todo modo, os dados equivocados ajudaram a promover um debate muito importante sobre o tema. Além disso, outro dado do Ipea que quebra a ideia de que o estupro só acontece porque a mulher estava usando roupas curtas ou se insinuando é que crianças compõem mais da metade das vítimas de estupro no Brasil. Reforçando a tese de que o estupro não é um culpa da vítima e nem um caso pontual, e sim, um problema recorrente e estrutural da nossa sociedade.
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Juliana Pimenta é estudante