A saída da jornalista gaúcha Patrícia Poeta do Jornal Nacional, prevista para novembro, causou um rebuliço de especulações sobre os fatores motivadores da decisão. Este caso torna-se mais um exemplo interessante de como a própria imprensa é uma colaboradora atuante na prática do jornalismo “guilhotina”, expressão que uso para me referir ao jornalismo da “decapitação social”, onde se cultiva a ideia de perseguição, caos, pessimismo, confabulações, erros, culpados. A reação diante das mudanças quase sempre vem acompanhada de uma esfera derrotista, onde há a tendência de olhar para o profissional como um perdedor para o sistema dominador e de forte viés financeiro instaurado nas empresas jornalísticas.
Sites, blogs, redes sociais, enfim, as muitas “casas” que habitam a internet, além de impressos, televisão e rádio, transformaram a mudança de apresentadora em sirene de alarme, seguindo a linha “tem algo errado aí”. Há três anos conduzindo o JN, a troca é precoce, se comparada ao tempo em que Fátima Bernardes ficou no telejornal – 13 anos. O pouco tempo de Poeta é ainda mais acentuado quando remetemos aos âncoras Sérgio Chapelin (que ficou 11 anos, saiu e depois voltou ficando mais sete) e Cid Moreira ( que completou 24 anos ininterruptos), que durante 18 anos apresentaram juntos o telejornal. Logo, a mudança anunciada vem acompanhada de possíveis razões que a originaram.
Fátima Bernardes migrou do jornalismo para o entretenimento. Deixou de apresentar o telejornal na bancada, no modelo padrão, para caminhar, usar vestidos e arriscar passos de dança no novo perfil do programa matinal que apresenta diariamente. Situações de trocas e de mudanças que envolvem jornalistas renomados e reconhecidos, principalmente de TV, que trabalham com a própria imagem, fazendo uso da voz e do rosto, como é neste caso, provocam inquietação e são uma fonte borbulhante de motivos e justificativas que buscam alguma razão para ser colocada como fato gerador do processo. Sites de notícia, de entretenimento, blogs e redes sociais estamparam nos seus espaços muitas hipóteses para explicar uma decisão interna da emissora.
As versões mais comuns dizem que Patrícia Poeta, assim como a antecessora, parte para o entretenimento. Já contrariando essa suposição, dizem que Patrícia deve ficar na “geladeira”, expressão que significa um afastamento por tempo indeterminado da atividade, ou não divulgado, e não estaria inserida num projeto novo. Outras dizem que ela tinha um contrato de três anos no lugar. Dizem que o dedo em riste apontado para a presidente Dilma em entrevista no JN, que na ocasião foi como candidata à reeleição, fez a petista dar um novo rumo à jornalista. Dizem que a compra milionária de um apartamento negociada com um integrante associado a processos de corrupção levou ao afastamento. Dizem que o seu colega de bancada, William Bonner, agiu para tal ação, já que não teria apoiado a escolha da parceira de trabalho. Dizem muito sem ter certeza sobre nada.
Inabilidade no exercício da função
Este cenário é propício para o jornalismo que coloca em voga o “pessimismo/derrotismo”, em que a culpa recai sobre suposta ineficiência do profissional, explora com ênfase a aura caótica alimentadora de discórdia, disputa e interesses escusos por trás de tal deliberação. Entra em cena a prática da especulação.
No jornalismo, especulação é lei. A informação que traz mudança gera repercussão, hipóteses aproximadas e entrelinhas sigilosas. O processo especulativo gira em torno da novidade e dos seus protagonistas. Esse cerceamento em torno do fato pode ter o foco de atenção desviado, que passa do fato em si para as pessoas envolvidas. Esse redirecionamento é dado pela divulgação da própria mídia, que prefere persuadir a concentração do acontecimento e centralizar para quem está relacionado à questão.
Neste caso, vamos usar umas das versões divulgadas que exemplifica o decreto do jornalismo em cima de especulações e foca em algum ponto da atuação do profissional como agente das modificações. O site UOL publicou, no dia 22 de setembro, matéria que atribui ao desempenho da jornalista durante a entrevista com os candidatos à Presidência, que foi considerado fraco, principalmente nas entrevistas com Dilma Rousseff e Marina Silva, o motivo que desencadeou a saída de Patrícia Poeta. Na mesma matéria, cita-se que Roberto Irineu Marinho, da família proprietária da Rede Globo, teria ficado insatisfeito com a atuação dela diante dos presidenciáveis e até mesmo diante do colega William Bonner, autor da maioria das perguntas e intervenções. Podemos verificar que o título “Fiasco em entrevistas com Dilma e Marina detonou queda de Poeta” já sanciona que a saída dela foi por fiasco, ou seja, “incompetência”. É o jornalismo que diante de muitas versões, decreta a que mais convém ao veículo, seja a partir da interpretação, da linha editorial, do interesse da empresa.
Esses fatores se sobressaem um sobre o outro e ganham força a partir dos critérios que regem as escolhas das empresas. Se a opção for atrair mais usuários, a ferramenta pode ser a promoção da polêmica em torno da incógnita da verdade, que pode estar em todas essas versões ou em nenhuma delas. Patrícia Poeta protagonizou um “fiasco” profissional como está escrito e essa conduta “detonou” a sua queda. A manchete afirma que a saída de Poeta foi por inabilidade no exercício da sua função. Em outras palavras, Patrícia Poeta foi demitida.
A cara do telejornal
Os âncoras, denominação dos profissionais que apresentam os telejornais, antes de se estabelecerem como titulares da bancada de um programa jornalístico fazem um “rodízio” por vários telejornais. É como se estivessem sendo testados. Geralmente, são repórteres ou apresentadores de afiliadas da emissora. Também pode ser uma nova contratação, ou ainda um apresentador da empresa concorrente. O fato é que o jornalista de televisão que vai para frente das câmeras passa a ser alvo de observação constante daqueles que decidem quem tem potencial para ir além do que está fazendo, considerando um processo seletivo por aptidão e não por imposição. Muitos aspectos são considerados na escolha de um apresentador.
Além de ser um bom executor profissional, precisa ter carisma e empatia com o público. Quem conduz o noticiário é em parte “responsável” pelo vínculo das pessoas com determinado telejornal. Para o apresentador se transfere a representação do telejornal e da notícia. Barbeiro e Lima (2002, p. 76), destacam que o âncora “integra um processo para contar a uma parte da sociedade o que a outra está fazendo. Ele não é a estrela do telejornal, mas é o rosto mais conhecido e familiar do telespectador”. Por isso a escolha desse profissional é um exercício, um desafio e uma aposta da equipe jornalística de uma emissora, pois quem ancora faz parte da última etapa do processo de construção da notícia, que é a entrega para o telespectador, e cabe a ele esse enlace final com o público.
É como se estabelecesse um contrato com hora marcada em que o jornalista cumpre a função de dizer o que acontece “no mundo” e o telespectador cumpre a função de receber e aceitar o que está sendo dito. É o que pensa Alsina (2009, p.47), ao afirmar que “a relação entre o jornalista e os seus destinatários estabelece-se por um contrato pragmático fiduciário social e historicamente definido. Os jornalistas têm a incumbência de recopilar os acontecimentos e os temas importantes e dar-lhes sentido”. O contrato fiduciário pragmático da mídia de Alsina (2009) é um produto histórico da institucionalização e da legitimação do papel do jornalista perante o público. Nesse sentido, o jornalismo é amparado num contrato de comunicação proposto por Charadeau (2007), onde cinco tópicos são elencados: os sujeitos inscritos (quem fala a quem); a finalidade (para quem é dito); um domínio de saber (o que é dito); as condições em que algo é dito, e os modos como se diz. Logo, parte-se do pressuposto de que os textos jornalísticos contém a verdade e não criações imaginárias do profissional. Assim, estabelece-se um acordo tácito de confiança delegada pelo público a essa categoria profissional, que é capacitada para realizar a produção de notícias. E não se pode excluir desse processo a presença do âncora.
Seis por meia dúzia
No lugar de Patrícia Poeta, foi convocada Renata Vasconcellos, ex-âncora do Bom dia Brasil e atual apresentadora do Fantástico, junto com Tadeu Schmidt. Esteticamente, o telespectador não perde, pois ambas são bonitas, têm uma aparência agradável e o mesmo estereótipo de beleza. As trajetórias das duas têm pontos em comuns como o início marcado pela substituição nos telejornais da emissora, inclusive Jornal Nacional, quando os apresentadores oficiais estavam em férias ou de folga. Porém no Fantástico, programa dominical de entretenimento, elas foram alçadas à posição de as titulares. Aliás, Renata está fazendo a transição do Fantástico para o JN, a mesa feita por Patrícia. Este remanejamento não se caracteriza por uma mudança que aponte discrepância e diferenças abismais entre as jornalistas. A postura profissional é semelhante e na vida pessoal percebem-se pontos em comum: tanto Patrícia como Renata são casadas com diretores de jornalismo da emissora e são mães de dois filhos. Logo, continuaremos com uma “jornalista-mãe de família”, sem quebrar o alicerce de telejornal da “reunião familiar” que se associa ao JN por ser à noite, turno em que, teoricamente, a família brasileira está reunida.
Nesta configuração existe uma lacuna quanto à justificativa peremptória que explique o afastamento e a consequente mudança já que se trata de duas profissionais com padrão de qualidade profissional equivalente. Uma troca com sinais de diferenças perceptíveis seria se a escolha fosse pela jornalista Ana Paula Araújo, atual apresentadora do Bom Dia Brasil. A jornalista destacou-se na cobertura 2010, quando a polícia ocupou a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ficando cerca de oito horas seguidas no ar transmitindo ao vivo os acontecimentos. Um ano depois, em setembro de 2011, a Rede Globo recebeu o prêmio Emmy Internacional, o “Oscar” da televisão mundial, por esse trabalho. A jornalista não tem um atributo proeminente de simpatia, não é tão sorridente, tem um semblante e uma postura mais sérios. Mesmo assim não é engessada e prende atenção do telespectador pela firmeza e convicção transmitidas. Mostrou que conduz entrevistas com comando adequado, sem pressionar demais, mas sem diminuir-se diante do entrevistado. Os requisitos que a qualificam são totalmente profissionais ficando aspectos de aparência e empatia menores diante dos aspectos profissionais. De forma alguma, pretende-se reduzir ou desqualificar Patrícia Poeta e Renata Vasconcellos. Ambas têm forte apelo visual e empatia, características que podem favorecê-las e se sobrepor diante do profissionalismo das duas, que são igualmente competentes. Mas a troca de Poeta por Vasconcellos é de seis por meia dúzia.
Um telejornal mais atraente
O Jornal Nacional é o telejornal que antes fora, e ainda é, citado e ensinado nos bancos acadêmicos pelo reconhecimento à sua trajetória com mais de 40 anos de existência e consequente consolidação como líder de audiência. Porém, os movimentos causados pela inserção da inovação tecnológica embarcada nas formas e nos meios de comunicação mostram sinais de que a vanguarda da solidez necessita de novas respostas. Ou de novas perguntas. Uma delas é a queda de audiência no período da saída de Fátima Bernardes e da entrada de Patrícia Poeta na linha de apresentação. O olhar não pode ser tão reduzido ao ponto de creditar a constatação de “desprestígio” do telejornal à jornalista. As preocupações não estão em nomes de pessoas físicas estão nas outras formas de divulgação.
A reverberação midiática favorecida pela rede mundial capacita o usuário a procurar, produzir e escolher a notícia que quer consumir. Ele não aceita receber o que foi previamente elaborado por um grupo de profissionais que estabeleceu quais assuntos deveriam ser de interesse social. A internet é o universo de informação que está ao dispor dos usuários. Ele se serve conforme a sua vontade, necessidade, curiosidade e interesse. Na internet cada um estabelece o seu valor-notícia e vai atrás.
A imposição midiática e a edição jornalística ou “empresarial/jornalística” são recusadas. O público tem o poder de fazer ou de buscar a notícia privada, já que pode acessar individualmente na hora em que quiser, e personalizada, que se origina da própria seleção. Num mesmo portal, muitas alternativas ao acesso de um clique, em busca do que interessa sem nos desconectar do site. Num mesmo telejornal, o “pacote’ de notícias pronto, dividido em blocos, com inclusão de comercial, não se tem a liberdade de escolha. Ou se contenta em receber o que decidiram como notícia ou temos que mudar de canal e nos “desligar” do programa.
Momentos como esses de mudanças de âncoras, de constatação de queda da audiência devem chamar atenção para a necessidade de remodelação do telejornalismo diante da rede de infinitas possibilidades que é a internet. A tendência para a renovação da internet é provada na constância de formatos, usos, apropriações, diversidade, qualidade, quantidade entre tantos outros aspectos que podem ser citados que se revigoram e se reinventam avassaladoramente. Os instrumentos oferecidos pela internet são os mesmos que propiciam novos usos e permitem aos internautas serem usuários e criadores na internet.
A rede mundial é multimídia, multifacetada, multitarefa, multiaplicativa. Ela englobou os veículos impressos, rádio e televisão, o que é um facilitador para a “sociedade da pressa” encontrar no mesmo espaço um manancial de diversidades de áreas afins ou totalmente diferentes. Essa característica incorporadora da internet foi ativada com os smartphones, celulares que executam quase as mesmas funções de um computador. O telejornalismo deve atentar para esse fato, e não para uma troca de apresentadora. A internet se estabelece como uma rede de convergência e divergência informativa, com amplitude de opções e acessos e tira o público do telejornal engessado. Por isso, o telejornalismo, que demonstra não estar estanque a este cenário, precisa tornar-se mais atrativo quanto ao formato, conteúdo, edição, apresentação sem perder as características que o definem e manter o interesse da audiência.
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Taís Teixeira é jornalista e mestre em Comunicação e Informação