Editor para a América do Sul do jornal Die Zeit, alemão, que vive há um ano no Rio, percorreu, no período, favelas, terreiros, garimpos e reservas indígenas
“Nasci na Alemanha, em 1969. Sou jornalista e cientista político, com formação em economia. Fui correspondente em Londres, Nova York e Washington. Vivo no Rio há pouco mais de um ano, sou casado com uma mineira, que conheci no meu país e com quem tenho um filho de nove anos”
Conte algo que não sei.
Thomas Fischermann – No Brasil, para um correspondente, é mais difícil falar com políticos e grandes empresários do que em Londres ou Nova York. Até hoje não falei com o Eike! (Risos) Já as pessoas na rua são acolhedoras em qualquer lugar, há uma história para contar a cada dia e os trabalhadores estão sempre disponíveis para narrar a sua labuta.
Você é um alemão típico?
T.F. – Tenho a pele pálida, o que me difere dos cariocas. E o fato de eu estar sempre nos lugares na hora marcada. Esse é o hábito que mantenho.
O que você já descobriu de mais interessante no Brasil?
T.F. – Fiz uma viagem incrível a uma reserva indígena partindo de Rondônia, mata adentro. Na pequena aldeia, vi coisas que jamais imaginei. O fotógrafo que me acompanhou ficou três horas dentro do cabaré dos garimpeiros, tomou sete uísques com as putas, virou amigo de todos. Quase mataram um travesti lá dentro e o avião emperrou na saída. Houve mortes em confrontos entre índios e brancos. É um lugar perigoso. Lá, conheci as rainhas da beleza. Há beleza no garimpo além de ouro. Mas há armas e perigo, também.
Você tem um interesse particular pela Amazônia?
T.F. – Percorri, em pouco mais de um ano, os lugares mais impensáveis . Das favelas do Rio ao garimpo nos arredores da Transamazônica. Desde que eu fazia o ensino médio na Alemanha e estudávamos a cultura de outros países eu tinha curiosidade em conhecer a relação entre brancos e índios.
O que faz você viajar?
T.F. – Interesso-me por processos de transformação social que envolvem condições econômicas. E por como o dinheiro transforma essas relações. Onde há muito dinheiro em circulação, há sempre tensão social. É o caso do garimpo, das reservas indígenas e dos conflitos que deflagram. Na luta por direitos humanos, sei que há sempre dois lados na história.
Você se instalou no Brasil em 2013, momento politicamente delicado. Que efeito isso teve no seu olhar?
T.F. – Foi fascinante. Estava no Rio quando eclodiram as manifestações. Também cobri a seleção alemã na Bahia, fui atrás do Neymar, das prostitutas cariocas, dos conflitos no Jardim Botânico, da umbanda e do candomblé, dos templos evangélicos, da intolerância religiosa. Todos esses assuntos são relevantes porque ilustram o que é o Brasil.
E o que é o Brasil?
T.F. – Em uma observação geral, digo que não é o carnaval, a festa ou a alegria, mas o esforço grande em ir para a frente.
Na função de correspondente de economia, como você vê os próximos anos?
T.F. – Depende das conexões que o Brasil vai fazer no futuro, de como vai se posicionar no mercado internacional. O país tem muito a oferecer. Mas desenvolver-se economicamente não quer dizer, necessariamente, desenvolver-se socialmente. O extrativismo beneficia um número muito pequeno de pessoas. Há desafios sociais profundos.
Como você compara o Rio a outras cidades do continente?
T.F. – Se eu comparar com São Paulo, o que já é suficiente, prefiro estar aqui. São Paulo pode ser economicamente mais central, mas o Rio é socialmente representativo do que é o Brasil: o centro da América do Sul. Não há como negar.
******
Maria da Luz Miranda, do Globo