Barba por fazer, cabelos desgrenhados, modos agitados de quem conduz inúmeras atividades simultaneamente e quase um jeito de cientista maluco. Quem olha Paulo Nassar pelo aspecto físico, jamais terá ideia de quem é esse personagem que tem contribuído de forma decisiva para revolucionar a Comunicação Empresarial brasileira, nos mais de 20 anos em que está à frente da Aberje. E tampouco se aperceberá da quantidade e da qualidade da produção intelectual e factual que ele tem liderado e que hoje compõe um imenso acervo, em que as reflexões e pensamentos andam de mãos dadas com as boas práticas. Teoria e prática ali se irmanam, quase como siamesas, na busca de um crescimento harmônico e permanente dessa atividade nascida com o foco de ser um fórum para debater as questões das revistas e dos jornais de empresas (daí a sua sigla), mas com a vocação de trilhar, em paralelo às questões profissionais, um caminho científico.
A Comunicação Empresarial não seria a mesma sem a Aberje e seguramente a Aberje não seria a mesma sem Paulo Nassar. Ele ali chegou nos anos 1980 e desde então pôs-se a construir uma instituição que se fizesse respeitar por seu arcabouço conceitual, rompesse paradigmas profissionais e de mercado, elevasse o padrão intelectual e executivo dos profissionais, gerasse conhecimento de qualidade que pudesse ser compartilhado com os comunicadores, fosse uma referência nacional e internacional da atividade e pudesse integrar e formar novas gerações, sempre numa visão de longo prazo. Aliás, como deve ser, segundo seu entendimento, a Comunicação Empresarial. Embora vibre com e exalte os bons momentos e os excepcionais resultados da Comunicação – o lado cheio do copo –, ele não deixa de tecer críticas à visão de curto prazo que hoje prevalece no mercado, sobretudo pela busca – tanto de empresas quanto de profissionais – de resultados. “Quem só olha o hoje, o imediato, pode não estar aqui amanhã para contar essa história. É preciso ter sabedoria e entender que Comunicação não é apenas ferramenta. É intelecto. E intelecto precisa de preparo, de tempo para pensar e amadurecer, de pesquisas, de leituras. Sem isso, o que temos é um processo autômato, sem inteligência e que pode comprometer de forma irreversível uma empresa, uma marca”.
Acompanhe a íntegra da entrevista de mais de duas horas que ele concedeu às equipes de Jornalistas&Cia e Jornal da Comunicação Corporativa, no último dia 30 de setembro, no novo e moderno Espaço Sumaré da Aberje.
“É fundamental olhar a Comunicação a longo prazo”
Os profissionais de comunicação liderados pela Aberje celebram neste 8 de outubro, Dia da Comunicação Empresarial, os 47 anos de vida da entidade. Há bons motivos para comemorar? O que você destacaria de mais importante nessa trajetória?
Paulo Nassar – Pergunta complexa, porque são vários aspectos que vão influenciar, que já estão influenciando essa trajetória da comunicação empresarial no Brasil, comunicação de empresas e instituições. Para começar a responder, diria que há um momento em que a comunicação empresarial deixou de se caracterizar como atividade artesanal. O que significa isso? Uma atividade em que havia majoritariamente pequenas e médias empresas dando o tom da área, caracterizando um setor, que migra para um protagonismo no campo das agências de comunicação, para um direcionamento do setor pelas grandes agências de comunicação, que na sua maioria hoje já são internacionalizadas, agências globais. Essa é uma mudança radical, porque a visão desses protagonistas é norteada pelo curto prazo, uma indústria voltada para resultados econômicos. Significa que hoje a área tem esse olhar econômico, esse olhar quantitativo, voltado para resultados, e isso influencia todos os outros protagonismos.
Um deles, por exemplo, ligado ao cotidiano das pessoas que trabalham nesse negócio. Estamos falando particularmente dos profissionais que precisam ter perfil também voltado para resultados de curto prazo. E isso é de certa forma preocupante, porque esse olhar de curto prazo geralmente não é transcendente. É obvio que estou falando aqui do ponto de vista de uma instituição. E as instituições precisam se caracterizar pela transcendência. Uma instituição tem que ser reconhecida amplamente pela sociedade pelos seus valores, valores que norteiam suas ações e sua visão, que passa pelo curto prazo, mas que é norteada principalmente pelo longo prazo. Quando se pensa na área de comunicação empresarial pelo ponto de vista do mercado, essa é uma visão de curto prazo, que está muito voltada para ações nos ambientes de planejamento e tático da comunicação. Nesse sentido, surgem questões ligadas a tendências e inovações. Por exemplo: como a área de comunicação de empresas e instituições e como os profissionais desse segmento, desse tipo de organização, estão contribuindo para as grandes questões ligadas à sociedade e ao mercado? Pois o mercado também faz parte da sociedade. Como esse comunicador está pensando as questões ligadas a temas que a comunicação trabalha enquanto narrativa? Um deles, a sustentabilidade, também tem que ser pensado numa visão de médio a longo prazos. Quando você fala de sustentabilidade está abarcando a forma como a comunicação vê a questão das relações de trabalho. E aí é obvio que estamos falando do comunicador dentro dessas relações de trabalho.
Enfim, são questões que afloram nesse processo todo de quase 50 anos. Da visão, por exemplo, de uma instituição como a Aberje no longo prazo. As pessoas que fundaram a Aberje em 1967 não tinham no seu horizonte de longo prazo pensar numa área em que o profissional de comunicação fosse simplesmente um tarefeiro, alguém que estivesse apenas voltado para resultados do dia a dia. Isso está na história da nossa instituição, que é a alma mater da comunicação organizacional do Brasil. Nos documentos produzidos no âmbito da Aberje no final dos anos 1960 e na década 1970 existia, por exemplo, uma preocupação com o desenvolvimento do Brasil, com uma comunicação que tivesse uma identidade brasileira. Seja lá o que fosse isso, existia. Quando falo que a Aberje é a alma mater da comunicação organizacional do Brasil é porque existia, num primeiro momento, num grupo de no máximo 60 gerentes de comunicação – e com várias denominações e de inúmeras áreas de origem da comunicação –, a preocupação de transmitir conhecimento para o seu ambiente, que era em geral formado por profissionais que não tinham, por exemplo, a experiência nem o nível de conhecimento daquele grupo. E eles conseguiram fazer isso muito bem, conseguiram transmitir aquele conhecimento. E dia a dia, década a década, vimos que a área conseguiu perceber esse conhecimento transmitido de geração a geração. Isso é transcendência, isso é compatibilidade, alinhamento com a comunidade, com o País. É quase como uma corrida de bastão.
O que nos preocupa hoje é ver uma área que tende a se transformar apenas em um negócio, apartada de valores, de princípios, só voltada para o que a gente chama de resultados quantitativos. Isso descaracteriza a comunicação, que que precisa ter equilíbrio entre a busca de resultados, uma ação de curto prazo, com o que se chama de qualidade – e, no caso profissional, a qualidade ligada às relações de trabalho, à preocupação dos dirigentes em promover a formação dessas pessoas, em fazer o que a Aberje fez nesses 47 anos, que foi transmitir o conhecimento de forma organizada, pensada, tendo uma missão, uma visão.
Você diria que hoje vivemos uma nova era da comunicação empresarial? Subimos de patamar em termos estratégicos, de qualificação, de respeito do mercado?
P.N. – Essas mudanças não têm caráter mágico ou milagroso, são transformações que acontecem num processo. A nossa preocupação com esse novo momento – em que há um mercado estruturado, das agências, das direções de comunicação, milhares de pessoas trabalhando nesses dois ambientes – é que esse processo de construção da indústria da comunicação não abra mão da transcendência, do alinhamento com os ambientes onde essa comunicação é feita. O que está por trás disso? É ver que hoje há também um protagonismo que não tem nenhuma preocupação com os aspectos transcendentes da comunicação como ciência, como profissão. E esse protagonismo, de curto prazo e quantitativo, é muitas vezes expresso nas falas de dirigentes de organizações importantes que, por exemplo, querem profissionais com perfil extremamente voltado só para as questões da atividade. No cotidiano você não vê processos, ações desenhadas para criar um ambiente propício para que se tenham profissionais com visão transcendente, visão estratégica, que sejam competentes em termos técnicos, estéticos e até éticos. Na realidade, concretamente, hoje não há tempo para a formação do comunicador, seja nas empresas ou nas agências. E é óbvio que isso também se expressa nos budgets dessas organizações.
Comecei falando do ponto de vista das agências porque a internacionalização tem levado a processos de trabalho que hoje são cada vez mais massivos, automatizados, processos de prateleira pelos quais o trabalho de comunicação tem que se nortear. Esse tipo de ambiente mecanizado, industrializado, não é propício para o crescimento do trabalhador intelectual. Se você quer alguém que tenha formação, visão estratégica, grande conhecimento das questões da sociedade contemporânea, que são complexas, que são ligadas à vida, que têm grande impacto na sociedade, é preciso ter um ambiente e métodos propícios para isso.
Você vê caminhos para que cheguemos a algo ao menos parecido?
P.N. – Aí vem a visão do copo meio cheio. Essa discussão sobre a questão da precarização do trabalho intelectual vem sendo travada no ambiente da Aberje, das agências e também no ambiente acadêmico. Aí estamos falando de todos esses protagonistas e todas as pessoas que trabalham no ambiente comunicacional, de milhares de pessoas de uma indústria que hoje chega a R$ 9,2 bilhões por ano, uma indústria que é maior do que a do cobre e de outras indústrias importantes, segmentos econômicos importantes no País.
P.N. – Você acha que a comunicação corporativa corre o risco de perder aquela visão original, de formação, de passar conhecimento, pois se transformou num instrumento de venda?
P.N. – Acho que não. Voltamos a falar do copo meio cheio. O que temos hoje? O que é essa área de comunicação dentro das empresas e instituições? O que faz e quem é esse comunicador? Esse comunicador e as áreas de comunicação estão onde há governança de todos os públicos estratégicos e de todas as redes de relacionamento de uma organização. Hoje a comunicação empresarial e o comunicador estão num ambiente em que são observados todos esses movimentos ligados às relações entre os públicos, o social e as atividades de uma organização, seja na área mercadológica, institucional ou até num ambiente comportamental das relações. A área deixou de estar debaixo dos Recursos Humanos, do Marketing. Em termos percentuais, chega a quase 70% das grandes empresas do País hoje – e estamos falando de um conjunto de quase mil organizações, tanto de origem nacional como internacional – em que a área de comunicação tem status de direção, e com essa tarefa de estabelecer relacionamentos, tendo a comunicação como um componente principal de alta qualidade. A comunicação deixou de ser uma ferramenta, hoje ela é um processo intensivo, 24 horas por dia, sete dias por semana, com esse enfoque. A minha preocupação é que a gente tem um ethos aí, um ambiente em que a mecanização, a padronização, essa visão, por exemplo, globalizada do processo comunicacional ameaçam atributos que são importantes para esse próprio processo. Porque ele demanda tempo, exige que você trabalhe os aspectos qualitativos, os valores, a identidade, a missão, a visão, aspectos ligados à reputação das empresas e instituições – está tudo dentro desse pacote.
Um dos motivos poderia ser o fato de que muitos gestores da área têm origem em outras atividades que não a comunicação? Engenheiros, advogados que têm talvez um diferente do que consideramos ideal para a área de comunicação?
P.N. – Eu sei, por exemplo, sem fulanizar, que o foco só na gestão leva a uma visão míope do processo comunicacional. A visão apenas de curto prazo – e não estou demonizando o curto prazo –, a gestão apenas voltada para resultados não dá conta das questões que a sociedade apresenta hoje para as organizações. Uma das principais diz respeito à ética, às relações das empresas e instituições com a sociedade e seus diversos públicos feitas dentro do que é bom para a sociedade – e dentro da sociedade está inclusive a própria empresa. Não é por acaso que as grandes crises hoje, que estão impactando as empresas e inúmeras instituições, têm a ver com a questão ética. Nunca se falou tanto em compliance, em educação – e me refiro a educação para milhares de pessoas, de empregados, de fornecedores, tudo aquilo que está na cadeia de produção de uma empresa –, nunca se falou tanto, se pensou tanto na educação para esses temas ligados às questões éticas. Dentro desse arcabouço há pelo menos três leis que impactam fortemente essas relações: a lei anticorrupção, a lei da ficha limpa e a lei de conflitos e interesses. São três temas que qualquer organização que quiser evitar impactos nos seus resultados – de curto ou médio prazo e até na questão da perenidade – vai ter que enfrentar. As gestões que só pensam em resultado de curto prazo já estão colhendo o lado ruim desse tipo de foco.
Qual é o papel das áreas de comunicação, dos comunicadores nesse processo? (Estou falando de forma ampla, tanto dirigentes, no âmbito das empresas, quanto das agências, e os formadores de quem trabalha com comunicação.) É entender que não basta ser só gestor, é preciso ter conhecimentos, habilidades, sensibilidade para entender quais são as questões que estão impactando a sociedade. A corrupção, por exemplo, é uma delas. Copo meio cheio… Pelo lado ruim, as empresas – e outras até de forma preventiva – começam a discutir fortemente esses temas. No campo da comunicação, a questão é: quais são as narrativas voltadas para esses temas? Outra grande onda que leva a essa evolução, diria intelectual, nas áreas de comunicação – dirigindo inclusive o comunicador para uma posição em que ele precisa assumir a liderança desse processo, sensibilizando toda organização – é a questão da sustentabilidade. Estamos falando do quê? De novo do impacto na questão ambiental. Aí se abre um arco de temas: a questão da seca, a questão da falta de água. Ela está nas mesas de um grande número de empresas, não são só da empresa que fornece água para São Paulo, a Sabesp, mas de quem faz uso industrial intensivo, tanto no âmbito da indústria quanto no da agricultura. A forma como as empresas enxergam isso tem de ser comunicada, é preciso ter narrativas adequadas para isso. E não podem ser narrativas que deixem dúvidas. É dentro dessas temáticas que só vai sobreviver, como negócio, quem souber enfrentar essas questões no ambiente dos ethos das organizações. Eu diria: não é daqui para a frente; essa questão já está em curso.
Efetivamente esse ambiente já existe?
P.N. – Já existe e começa a ser exótico empresas que tenham visão comunicacional apenas mercadológica. Não é por acaso que num ambiente global algumas organizações começam a extinguir áreas de marketing tradicional; isso é o sintoma do crescimento.
Isso tem acontecido?
P.N. – Sim. Já há empresas que deixam de usar a denominação marketing, por exemplo, que começou a crescer no Brasil a partir dos anos 1950.
Nessa complexidade, de repente uma empresa leva para a sua área de comunicação um advogado da sua confiança, um engenheiro. Não vai buscar no mercado um profissional da área, eventualmente mais preparado. Aí há um pouco dessa mestiçagem de que você sempre fala, não?
P.N. – Na realidade, a formação hoje se dá a partir de inúmeras fontes de conhecimento, não há um centro só. A formação do comunicador não passa necessariamente pela universidade, mas por inúmeras outras fontes.
Interessante, você vai para universidade e não sai de lá formado…
P.N. – Na área de comunicação é preciso ter alguém que necessariamente entenda o que é comunicação dentro desse processo relacional. Empresas e instituições estão literalmente num mar de públicos. O meio ambiente delas respira público, o relacionamento com a sociedade, nas suas especificidades, seja na comunidade, com o consumidor, seja com a imprensa, com autoridades etc.. A origem desse comunicador passa a ser um dado secundário. Pegando só um aspecto, alguém que seja só engenheiro ou só advogado não tem condições de tocar em termos técnicos esses processos mais complexos de comunicação. Mas, historicamente, o que vemos são advogados, engenheiros e outros profissionais que se transformam em comunicadores a partir da habilitação pessoal ou se cercando de equipes que tenham essa competência. O fato de haver comunicadores disponíveis, profissionais que tenham origem comunicacional, não implica que consigam se habilitar à altura dos desafios que a gente vê na sociedade hoje. Daí a figura do mestiço, que tenho defendido nesses últimos 20 anos, verdadeiros protagonistas com visão do processo comunicacional e das especificidades dos negócios e das questões que as empresas enfrentam.
E em relação às múltiplas transformações porque passa o mundo, fruto dessa permanente revolução tecnológica? Profissionais e empresas estão conseguindo se conectar nesse novo universo dominado por gerações cada vez mais digitais? A mudança é muito violenta?
P.N. – A mudança é enorme. E isso também afeta o perfil profissional. É inconcebível hoje um profissional de comunicação que não tenha cultura audiovisual. A partir de meados dos anos 1970, com a entrada do audiovisual nas empresas, principalmente da vídeocomunicação, formou-se um grupo de fornecedores, de grandes produtoras de vídeos, que praticamente desapareceram nesse processo ou se transformaram em empresas com atividades mais abrangentes. Cada um hoje tem um smartphone com uma câmara de vídeo e consegue fazer a distribuição desse material com os impactos que todo mundo conhece: instantaneidade, colocação dessa mensagem de forma abrangente, de forma global, e potencialmente com impactos enormes dentro das organizações. A cultura audiovisual, por razões de banda larga disponível para a distribuição de material, é necessária dentro dessa formação. Se formos pensar em camadas, é óbvio também que esse profissional precisa ter cultura digital para entender a importância do que se chama rede social e até, muitas vezes, saber como operar essas ferramentas, esses processos. O terceiro aspecto que impacta hoje é a relação do profissional com os bancos de dados, os big data ou bancos de dados de outras dimensões. O que significa isso? Significa que, quando se fala dessas culturas que envolvem hoje o comunicador, que passa por habilitações, pela aquisição de conhecimentos, está-se falando de inteligência. O comunicador, nessa densidade, não pode ser apenas gestor. Ele tem que ser alguém com capacidade intelectual para selecionar bem essa informação – no contexto de um ambiente em que a informação écommodity,que chega por todas as formas – e interpretá-la de forma qualificada, e também opinar de forma qualificada. Dentro dessa visão de governança de todos os públicos, o comunicador se transforma também num consultor para todas as áreas da empresa. E um consultor a respeito do quê? A respeito das questões que estão no ambiente da empresa: questões históricas, políticas, tecnológicas, comportamentais.
Vamos pegar só esse último aspecto, questões comportamentais. Queiram ou não, as empresas estão discutindo a questão do aborto, porque a maioria de seus integrantes, inclusive na área de comunicação, é de mulheres. Estão discutindo a questão da homofobia. Uma pesquisa recente da Aberje apontou que aproximadamente 15% das pessoas que trabalham com comunicação no Brasil são homoafetivas. Por isso, não se pode dizer simplesmente que questões, por exemplo, ligadas às opções sexuais estão fora do ambiente da comunicação; não, elas estão dentro da empresa. Isso me faz voltar ao tema da visão de médio, longo prazos. Uma visão transcendente é fundamental hoje; fazer gestão comunicacional baseada só em resultados e de curto prazo, no médio e longo prazos ameaça a sobrevivência dessas organizações. Por quê? Porque trabalhar bem essas questões é algo que pode, por exemplo, integrar do ponto de vista mercadológico o brand da organização; isso constrói marcas fortes. Enfim, aí são vários aspectos.
Pelo que você expôs, podemos deduzir que essa situação de só trabalhar em curto prazo nessas organizações tende a diminuir e a acabar ou mudar?
P.N. – Essa discussão está na mesa da Aberje, uma instituição que tem desempenhado um papel importante nas últimas cinco décadas. Essa é uma discussão crucial para o perfil da comunicação empresarial e de instituições que se faz no Brasil. No âmbito dos dirigentes, há a necessidade de colocar isso na agenda cotidiana. Por quê? Passa pelo perfil do profissional que trabalha no ambiente da comunicação. Estamos falando de alguém no qual a organização não tem interesse muscular, tem interesse cerebral. Quando se fala nesse âmbito, você está trabalhando com pessoas que cada vez mais exigem uma discussão sobre o ethos da comunicação, os valores da comunicação, as questões ligadas não só à identidade do negócio, mas à identidade que é construída na relação com a sociedade. Quando externo minha preocupação sobre a questão do curto prazo é quase que um alerta para esses dirigentes, para os profissionais, para quem faz a formação. Hoje é literalmente insustentável, não há mais condições de tocar os negócios sem passar por essas questões. Que não são só respiros, que não são só momentos de oxigenação da área. Elas fazem parte da estrutura das relações da empresa com seus públicos, da relação da empresa por meio de seus bens e serviços. Concordo com a avaliação: há aí um processo em curso que pode fortalecer uma visão comunicacional mais integrada com a vida.
Voltando à questão da ética: você vê alguma contradição entre uma empresa defender sustentabilidade, educação e ao mesmo tempo lançar mão de ferramentas como a neurociência para alcançar resultados positivos imediatos?
P.N. – Não vejo contradição em você trabalhar, por exemplo, aspectos ligados às questões subjetivas, à psique; isso está no DNA do processo comunicacional. Ele não trabalha apenas narrativas interesseiras, narrativas, vamos dizer, baseadas em ordens. Isso desde o início da comunicação. As definições contemporâneas da comunicação cada vez mais trabalham esse aspecto relacional entre aquilo que se chamam emissores e audiências. O importante é que você não trabalhe as questões subjetivas de forma a fazer uma colonização dessa subjetividade, no sentido de querer conhecer aquilo que está ligado à psique dos empregados, à subjetividade dos empregados para exercer um controle maior. O importante é que, ao trabalhar aspectos objetivos ou subjetivos, essa comunicação seja feita numa perspectiva de liberdade. Até porque as organizações estão falando o tempo inteiro em inovação. Você não inova se não tiver liberdade, se não tiver tempo para pensar, se não dispuser de um tempo sabático. São vários aspectos ligados a essa questão.
Do final dos anos 1990 para cá, a Aberje tem trabalhado de forma inovadora e pioneira tudo aquilo que está ligado à subjetividade, especificamente pelo ponto de vista da história e memória das empresas e instituições. Trabalhar tudo isso apenas do ponto de vista do controle vai contra as aspirações que você vê na sociedade. Ela é faminta de relacionamentos e tem hoje cada vez mais fome de sentido e significado naquilo que é comunicado. E isso, óbvio, tem aspectos extremamente positivos para as empresas. O que vimos nos últimos anos, também dentro da própria historia da comunicação empresarial brasileira, é que cresceram as empresas que trabalharam bem os seus atributos, aqueles atributos fortemente ligados à sua contemporaneidade. Esse crescimento está impresso em seus balanços.
As empresas ponto com, como Google, Facebook, de comércio eletrônico, têm trabalhado bem a comunicação organizacional e impactado o cenário dos nossos comunicadores?
P.N. – Têm, sim. E vou dar exemplos que estão dentro dessa discussão do ethos da comunicação. Aí abordo de novo a densidade intelectual das direções de comunicação e do papel importante delas junto aos dirigentes dessas empresas. Um exemplo é a questão da privacidade, principalmente dos usuários, e as garantias da privacidade desses processos. Uma segunda questão é a do direito ao esquecimento. Você pode, por exemplo, achar que a discussão sobre o direito do esquecimento está muito restrita à Europa, de quem faz a legislação da Comunidade Europeia. Mas eu digo o seguinte: ela já está no Brasil também. Sair dos arquivos, não querer participar do que se chama hoje suruba digital, digamos assim. São duas questões cruciais e fundamentais do que a gente chama de arquitetura, gestão da informação.
Há uma questão até mais trivial, que é, por exemplo, como você, consumidor, se relaciona com essas empresas, que são impessoais?
P.N. – Vou chegar lá. Um terceiro aspecto, a educação para comunicação digital. Se há bancos preocupados em fazer a educação financeira de seus clientes, essas empresas mostrariam sua transcendência se, por exemplo, começassem a promover processos de educação para o consumo da informação. Por que estou falando isso? Informação hoje provoca doenças: você pode, entre aspas, falar em obesidade informacional. E até no cotidiano: você usa smartphones, inúmeras telas nos ambientes em que transita, dentro do ônibus, no metrô, dentro de uma sala de aula, num ambiente familiar. As pessoas hoje estão literalmente sendo invadidas em espaços e tempos que, na tradição, eram ligados ao sagrado ou à privacidade, ao sono. Esquecimento, privacidade, educação são, por exemplo, oportunidades para essas empresas que têm produtos ligados ao consumo intensivo de informação. Isso volta a se conectar com a história de que o comunicador que trabalha nessas organizações precisa ter cultura digital, mas a cultura digital não está desvinculada do que a gente chama de ethos social. Porque as empresas ponto com estão numa sociedade concreta, uma sociedade em que as pessoas ainda se deslocam, com o corpo.
Empresas como Hotel Urbano, Dafiti, Netshoes têm se preocupado em desenvolver essa área de comunicação ou só querem vender? Você compra um ingresso no Ingresso Fácil mas não sabe o que fazer se der problema, porque não há canais.
P.N. – Na realidade, dentro da questão de governança, dois públicos estratégicos acabam tendo um papel importantíssimo nisso: as autoridades – pelo legislativo, judiciário – e as ONGs. Do ponto de vista de uma instituição como a Aberje, o que podemos fazer é exatamente trabalhar educação e formação desses comunicadores. Quer dizer, fazendo advocacy da comunicação, mostrando que a comunicação não é uma ferramenta, ela faz parte de um processo importantíssimo dentro de uma visão filosófica da empresa, institucional, mercadológica, daí por diante.
Aquele papel missionário que a Aberje tinha no início continua, só que mudou de cara, mudou de foco…
P.N. – Isso é interessante. Quando falo que a Aberje é a alma mater da comunicação das empresas e instituições do País – com protagonismos que têm que ser lembrados o tempo inteiro nesses 47 anos; uma referência para nós é Nilo Luchetti, na década de 1960, mas tivemos outros protagonistas importantíssimos, que são referências e que de forma visionária criaram uma associação profissional e científica desde que foi fundada – é porque já em 1969 publicou a primeira pesquisa científica feita no ambiente da comunicação empresarial brasileira, registrada na edição nº 27 da Revista de Administração e Economia, RAE, da Fundação Getúlio Vargas, hoje uma revista sonho de consumo de qualquer professor publicar nela. Logo no ano seguinte um professor da Sorbonne chamado Dimitri Weissfaz uma referência a essa pesquisa. Nas décadas seguintes há o protagonismo de comunicadores, de professores que começaram a sua formação e a exposição do seu trabalho para a sociedade dentro da Aberje; um deles o Gaudêncio Torquato,quedurante os anos 1970 desenvolveu um trabalho grande que consolidou a visão que ele tem de comunicação. Um outro que também teve um contato grande com a Aberje nesses anos todos foi Carlos Chaparro,que depois, como o próprio Torquato, fez uma carreira bonita na Universidade de São Paulo. Enfim, isso está registrado. São poucos os grandes profissionais de comunicação que fizeram ou ainda fazem carreira no âmbito da direção que não tenham passado pela Aberje de uma forma ou de outra.
E as novas gerações, estão dando sequência a isso?
P.N. – A Aberje faz hoje um grande trabalho para divulgar o seu papel de forma ampla para os comunicadores que estão se formando ou iniciando no mercado, trabalho que chamamos de advocacy da área de comunicação.
Estão despontando novas lideranças?
P.N. – Não só despontando como sendo estimuladas. Garanto que nos próximos cinco a dez anos teremos outros dirigentes no âmbito da Aberje. Estamos preparando isso. Se fizermos um retrospecto das inovações da Aberje ao longo de sua história identificaremos alguns grandes movimentos no âmbito brasileiro e até globais. Da década de 1960 até meados dos anos 1980, um conhecimento fortemente orientado para a comunicação interna, comunicação com os empregados. À frente desse marco histórico é que a Aberje surge nos anos 1960 para dignificar o trabalho de comunicação com os empregados. Não é por acaso que ela nasce dentro do ambiente do que é hoje a Associação Brasileira de Recursos Humanos. Depois tivemos a comunicação voltada para a questão da sustentabilidade, isso já nos anos 1990, depois a comunicação para a narrativa, no final dos anos 1990.
E com isso vão surgindo também novos protagonistas…
P.N. – Novos protagonistas, novos olhares. Sem abandonar essas frentes, a Aberje trabalha hoje fortemente outras, como o relacionamento com o governo. Mas mesmo lá atrás, se voltarmos nosso olhar 30 anos, tínhamos já pessoas como Said Farhattrabalhando as questões das relações governamentais.
Aliás, há algum tempo você falou que a Aberje decidiu não mais usar a palavra lobby.
P.N. – Cada vez mais trabalhamos com uma denominação mais correta, que é a demanda relacional que existe tanto da parte de empresa quanto de governo. Não existe sociedade moderna, contemporânea sem que eles conversem.
A expressão que está se usando é relações governamentais.
P.N. – Isso.
Advocacy, também?
P.N. – Advocacy está incluída.
Isso por conta do desgaste que a palavra lobbyacabou assumindo…
P.N. – Não só pelo desgaste, mas pela própria força que as relações entre empresas e governo e autoridades passou a ter na sociedade. Relações, é bom que se diga, saudáveis, dentro dos aspectos legais e legítimos. Esse é um tema fortíssimo dentro da Aberje, tanto que hoje ela é uma marca que não mais expressa Associação Brasileira de Editores de Jornais e Revistas de Empresas, mas é um guarda-chuva que abriga Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, Associação Brasileira de Comunicação Organizacional, Associação Brasileira de Comunicação Interna, Associação Brasileira de Relações Governamentais e Associação Brasileira de Brand. A Aberje tem mais de 30 marcas registradas.
Você citou a ABRH, cujas atividadesem alguns momentos se esbarram. Como é a relação com essas instituições?
P.N. – Temos hoje até a marca Superassociação. No âmbito dessa Superassociação, conversamos com inúmeras outras associações e instituições. A Aberje tem ações conjuntas com várias, entre elas, por exemplo, câmaras de comércio, ABA, Abracom. Como posicionamento, a Aberje é a alma mater da comunicação de empresas e instituições no País, mas não é a única protagonista. É um dos protagonistas. Porque entendemos que vão aflorar cada vez mais instituições e que para cumprir a nossa missão temos que fazer alianças, parcerias. O que a Aberje entende é que os protagonistas, tanto das corporações quanto das agências, precisam cada vez mais se debruçar sobre a pergunta: para que servem as associações? E, de forma mais ampla e abrangente: para que servem as instituições? A resposta está dentro da própria literatura ligada aos processos comunicacionais. Uma sociedade com instituições fracas é uma sociedade que, no limite, pode ter até seus processos democráticos ameaçados. As instituições têm que cumprir o seu papel, têm que fazer a sua tarefa de casa. Não pode ser um clubinho, não pode ser dirigida por um grupo de protagonistas do seu quadro associativo. As instituições precisam ter como destino a maior abertura que se puder alcançar, precisam entender o que significa o associar-se.
Não podem ser um fim em si mesmas.
P.N. – Não podem ser feudos, grêmios, ser acometidas do que chamamos de corporativismo.
Mas continuamos vendo o Conrerp multar as empresas, a fazer um trabalho muito forte de reserva de mercado.
P.N. – Não tenho problema em falar: é por isso que esses cartórios perderam relevância. E estão criando factoides como a abertura do campo profissional. Essa questão já foi resolvida, e não foi hoje nem ontem, está sendo resolvida nas últimas quatro décadas. Rio quando vejo dirigentes desses cartórios falarem sobre a grande novidade que se chama abertura. Não é justo, em termos profissionais, um estudante fazer um curso com quatro anos de duração e ter seu diploma abatido porque alguém vai fazer um adendo para que o curso seja de extensão. Os estudantes têm que ficar muito atentos em relação a isso. Não significa que, no âmbito da comunicação empresarial, esses profissionais regulamentados por cartórios não tenham que conviver com profissionais oriundos de outras áreas comunicacionais. A comunicação empresarial é uma área mestiça, em que, nas últimas quatro décadas, relações públicas, jornalistas, publicitários e agora as pessoas que vêm do digital têm convivido de forma serena, tranquila, democrática, harmoniosa. Toda vez que esses cartórios intervêm criam turbulências entre as áreas profissionais. A área de comunicação empresarial e de instituições já resolveu o problema do perfil profissional.
Não estou defendendo o fechamento da área quando falo do aluno. Ele tem um diploma de relações públicas e esse diploma foi conquistado em quatro anos. Mas quando promovo a entrada de milhares de pessoas a partir de extensões, o que na realidade estou criando é uma indústria, um cartório mais sofisticado, uma nova demanda que vai simplesmente gerar recursos para esse cartório. Insisto: no campo da comunicação de empresas e instituições a questão já foi resolvida.
A grande dificuldade parece ser como conviver com isso do ponto de vista legal.
P.N. – Então, vou dar mais uma referência. Como professor da ECA-USP fui um dos integrantes da comissão que escreveu as novas Diretrizes de Relações Públicas. Não sou RP, uma das minhas formações é a de jornalista, mas hoje coordeno o curso de Relações Públicas da USP, que nos últimos dois rankings do Guia dos Estudantes recebeu cinco estrelas. No documento que escrevemos há uma frase que diz: “Hoje, na área de comunicação de organizações, os relações públicas convivem harmoniosamente com profissionais oriundos de outras áreas do conhecimento”. Qualquer empresa que for acionada por um desses cartórios pode pegar esse documento e mostrar que, no âmbito da Universidade, essa questão também foi resolvida. O corporativismo no País tem nome: é Conselho Federal de Relações Públicas. Os conselhos regionais também. Mas mesmo dentro desses conselhos já não há mais unanimidade. A questão que se coloca aqui é: a profissão de Relações Públicas tem que ser defendida, precisa haver o reconhecimento de que o estudante fez lá os seus quatro anos de curso e não tentar promover uma invasão selvagem, uma invasão que na realidade é um cartório sofisticado, colocando para dentro quem não fez quatro anos de escola. Não estou dizendo que esse sujeito que fez quatro anos de escola seja o único ungido por Deus para trabalhar de forma exclusiva dentro da área de comunicação. Estou dizendo que ele é um profissional que tem todas as qualificações para trabalhar com grande competência na área empresarial em harmonia com outros. Mas é a sociedade que vai resolver isso. Naquelas diretrizes já há um caminho…
A Aberje tem como exercer algum papel na flexibilização dessa lei? Porque existe uma lei e se não a obedecerem os dirigentes dos conselhos podem ser acusados de prevaricação. Dentro dos princípios de relacionamento com órgãos governamentais, as instituições não poderiam se unir num movimento de flexibilização ou de trazer essa imagem mais moderna da comunicação corporativa para o âmbito das relações públicas?
P.N. – Meu conselho é o seguinte: não percam tempo com isso. Por quê? Na realidade, esses cartórios foram estruturados de tal forma que essa discussão não vai avançar. Na prática, a questão já foi resolvida. Hoje as autuações são pontuais. Se houver autuação de forma massiva, no limite, ela vai provocar um massacre profissional na área. Então, estamos falando de ficção. A profissão de comunicação em empresas e instituições historicamente ganhou um perfil, que foi construído a partir da mestiçagem das profissões oriundas da comunicação e das intersecções com profissões de outras áreas da gestão. Essas autuações estão sempre contextualizadas. E qual que é o contexto? O contexto das disputas internas desses cartórios, que é forte. Mas o mercado já tem condições de criar uma jurisprudência, baseada nas Novas Diretrizes de Relações Públicas.
Isso já está acontecendo?
P.N. – Já, e vai se impor cada vez mais.
Quais são as tendências de investimento na área hoje?
P.N. – O único ano em que o PIB da área caiu foi 2008. De lá para cá, só tem crescido, e esse crescimento é em cima de demandas relacionais. Uma delas, via digital e as plataformas digitais, tem trazido mais recursos. Mas outras demandas permanecem, no âmbito das empresas e autoridades, das narrativas de sustentabilidade e, tradicionalmente, da comunicação com os empregados. Há uma área também tradicional que acabei não citando que é o relacionamento com a imprensa. Esse é um processo, citando quatro ou cinco eixos, que vai se adensar cada vez mais e mostrar que as empresas hoje literalmente precisam cada vez mais se transformar em máquinas comunicacionais. E sempre com uma visão muito abrangente, de não estarem se relacionando, se comunicando mais só com as grandes mídias, e sim com toda essa abrangência social. Acabou aquela visão, por exemplo, de que bastava fazer ummedia training e estava tudo bem, porque que o seu presidente ia falar…
Vamos fazer um anúncio na TV Globo…
P.N. – Um anúncio, vá lá… Isso faz parte do passado. Hoje é preciso trabalhar o treinamento, por exemplo, para falar com todas as pessoas com as quais a organização se relaciona. Existe um crescimento baseado nessa necessidade que a comunicação tem de fazer a governança de todos os públicos.
O setor remunera bem? As empresas remuneram bem o setor nessa atividade?
P.N. – Há uma evolução. A Aberje está na quinta ou sexta pesquisa salarial. Mas quando falamos de salário não é só no ambiente na direção de comunicação, há também a cadeia de fornecedores.
Abrange isso?
P.N. – Abrange. Como uma herança dos anos 1980, houve ao menos uma reestruturação produtiva, o downsizing, que promoveu a passagem dos trabalhos que eram feitos internamente para a cadeia de fornecedores, num crescente. A força de trabalho hoje dentro das empresas é basicamente a inteligência.
E paga bem?
P.N. – Paga.
É um setor de nicho. Você tem ideia do tamanho, quantos executivos, quantas empresas?
P.N. – Dentro do ambiente das mil maiores empresas do País e sua cadeia de fornecedores, temos um universo de aproximadamente 130 mil pessoas. São duas a três pessoas por empresa, além de todo o contigente da cadeia setorial.
Seriam de dois a três mil cargos de relevância direta?
P.N. – Há empresas que extrapolam isso. Estamos falando de média, não de Petrobras, de Vale, de Natura. Em alguns casos há uns 40 trabalhando; na Petrobras vai para uma centena.
O que ponderar em relação à geração mais sênior e que muitas vezes é expurgada do mercado?
P.N. – Por razões ligadas ao seu tempo de experiência e sua alta qualificação, esse artesão da comunicação vai ter que se encaixar entre o trabalho das agências – que hoje têm essas características de internacionalização, padronização de seus processos e serviços – e as direções de comunicação. Teoricamente, ele também pode assumir um papel de consultoria de alto nível, tanto que algumas agências se posicionam como metáforas desses artesãos. Algumas agências internacionais se dizem uma rede de grandes consultores.
O que falta para o mercado perceber isso? Você pode ter um profissional de alto nível, atualizado com as questões de ferramentas e processos de comunicação, e mesmo assim ele acaba fora do jogo…
P.N. – O fato é que alguns dos grandes profissionais da comunicação empresarial brasileira não se internacionalizaram e, muitas vezes, também não se aculturaram em termos da comunicação digital. Essas mudanças têm uma razão de ser. Eu diria que a primeira é a própria fadiga de material. Acontece que nessa profissão é necessário ter uma preocupação enorme com a atualização. Por exemplo, trabalhar fortemente o posicionamento da área e pessoal dentro das empresas. Não é só um processo de embranquecimentode cabelo, envolve questões ligadas aos atributos. Hoje, quem entra na área, alguém que está em curso na área, tem uma preocupação com o day after – diria até decade after. Os nichos em que esses profissionais com mais de 50 anos poderiam se colocar também ficaram mais exigentes. Hoje, se você quiser, por exemplo, transmitir esse conhecimento como professor, as universidades exigem no mínimo o mestrado, quando não doutorado. Se tudo correr bem, preparar-se para isso é um processo de dez anos. Essa conversa é interessantíssima, porque se coloca no centro da trajetória profissional de qualquer pessoa. A questão da educação continuada, por exemplo, da visão de médio e longo prazos. Isso pode ser uma ameaça para a vida profissional. São profissionais que entram nas organizações com 25 ou 30 anos e descobrem que há vida fora delas quando acontece algum tipo de crise ou muitas vezes dez anos depois. Eles deveriam colocar em sua agenda, por exemplo, a questão da educação continuada, a participação nas redes associativas, porque perdem o contato com esse network. É uma conversa de recursos humanos que poderia ir longe. Mas não existe um raio que caia nas cabeças das pessoas assim aleatoriamente. Muitas vezes você tem com bastante antecedência indícios dessas tempestades que virão.
A propósito, a evolução da Aberje na questão da educação é fantástica. Há pelo menos 20 anos vêm crescendo seus cursos e eventos no Brasil todo, seminários, congressos, dentro de um conceito que você tem classificado como Universidade Aberje. Como está esse projeto?
P.N. – A Aberje foi a primeira Escola de Comunicação de Empresas e Instituições do Brasil. De novo volto na ideia da alma mater. Acontece que o próprio crescimento a leva a se estruturar de forma orgânica, institucional e legal. Este ano ela fez um investimento de R$ 650 mil só na sede nova do Sumaré, num ano difícil, de Copa do Mundo, de eleições – ficamos praticamente parados em junho e julho, tivemos que segurar o tranco, mas era necessário para ter um lugar que dignifique a área, à altura do que ela é hoje. Nesse processo a entidade se internacionalizou. Temos um curso com a Universidade de Siracuse que segue para a nona turma. Mais de 350 profissionais de alto nível passaram por essa formação. Temos cursos diários, MBA, que está indo para a 13ª turma. Aquela chama que foi acesa em 1967 continua ardendo e esperamos que as próximas gerações aberjianas consigam administrar isso.
Mas o conceito de universidade se cristalizou? Ela vai nascer formalmente?
P.N. – Temos trabalhado nisso nesses últimos anos, é um processo, vai acontecer naturalmente, faz parte do DNA da Aberje.
Para encerrar, gostaria que você falasse um pouco da questão do compliance, que agora parece dominar a área.
P.N. – Todo tema novo que entra na área tem como característica ser muito forte, tem uma atração gravitacional muito grande. O importante é que nós aprendemos nesses últimos anos a entender qual é o nosso território nos diferentes assuntos. Historicamente, podemos citar a qualidade total, a questão da sustentabilidade, de relações governamentais, a questão dos controles, e entre esses controles está agora a questão do compliance, dos temas ligados ao ambiente ético da organização. Como o comunicador pode se posicionar em relação a esses temas? Entendendo que nós trabalhamos suas narrativas, que o nosso território é a narrativa, é a forma como as organizações vão estabelecer as conversas, os discursos, que de forma geral estamos chamando de narrativas. Essa é a singularidade do comunicador. E inclusive é isso que faz com que as outras áreas de uma empresa ou instituição chamem o comunicador. Esse não é o território de uma área de finanças, de uma área de compliance,de uma área jurídica, de uma área de pesquisa e desenvolvimento, de uma área de recursos humanos. O comunicador vai dar excelência a esse processo de narrativas.
A questão de fundo pode ser: qual a liberdade que esse comunicador vai ter para estabelecer essas narrativas?
P.N. – Essa liberdade também está sendo desenhada dentro de um ambiente de pressão social. As empresas que não têm, vamos dizer, a visão de que a comunicação é também ciência e arte não conseguem se distinguir na sociedade informacional em que vivemos. Essa sociedade que exige uma comunicação também feita dentro dos padrões estéticos, não só éticos, dos padrões de competência técnica. Dentro disso, o comunicador, ao olhar esses temas com que se relaciona, não pode perder o seu lugar de fala. Se não ele vai perder a singularidade. É estruturando as narrativas que ele mostra a sua singularidade – e pode, é óbvio, fazer esse papel de mediador qualificado. Numa sociedade em que todos se comunicam, todos se relacionam, se ele não for para um posicionamento de grande qualidade de mediação também não se diferencia.
Não consegue se fortalecer…
P.N. – Quando se fala de crise da imprensa tradicional, ela é da imprensa tradicional que não consegue se qualificar. Como é crise também para os comunicadores, que não conseguem mostrar para a organização como eles contribuem para a construção de valor econômico, de valor relacional e outros tipos de valores.