Mesmo que o tiroteio eleitoral pareça nos ensurdecer para o dia a dia, há um Brasil real que tenta cuidar da vida, tomar providências, cumprir sua agenda e seguir em frente. Há dias, por exemplo, uma decisão da desembargadora Elisabete Filizzola, da 2ª Vara Cível do Rio, deu um importante passo para que a vida e obra dos protagonistas de nossa história possam ser contadas em livro sem os entraves que certos coadjuvantes insistem em impor.
Ela liberou definitivamente para circulação o ensaio biográfico “Sinfonia de Minas Gerais”, de Alaor Barbosa, sobre Guimarães Rosa, encerrando um processo de anos durante os quais o livro ficou interditado. Uma filha de Rosa alegava ter seus direitos autorais violados pelo autor, que teria abusado do uso de trechos de uma obra dela sobre seu pai. O processo também acusava Alaor de danos à imagem de Rosa e de se imiscuir na vida privada do escritor.
Bola da vez
A desembargadora declarou a “inocorrência” de violação de direitos autorais (a transcrição de trechos estava dentro dos limites), considerou “inexistentes” os danos à imagem (ao contrário, o livro é uma visão apaixonada de Guimarães Rosa) e sua vida privada, “intocada”. E entendeu que a grande motivação do processo era a de “calar opiniões, sequer difamatórias” com o nítido fim de “monopolizar” a figura de Rosa.
Mas as próprias herdeiras se traíram ao escrever, “A obra de Guimarães Rosa não pertence somente a nós, suas herdeiras, porém a toda a humanidade”. A desembargadora acrescentou: “Exatamente”. E considerou a causa improcedente. O texto em que Elisabete Filizzola justifica seu voto é uma aula sobre liberdade de expressão (bit.ly/apvirosa).
Só falta agora que, passada a eleição, o Brasil chegue à maioridade com a liberação, geral e de vez, das biografias não autorizadas. A bola está com o Senado e com o STF.
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Ruy Castro é colunista da Folha de S.Paulo