O primeiro e-mail dizia: “ruy aki vai o txt q t falei -_- será q v vai gostar? :/ v eh 1 fofo º rsrsrs”. Dois dias depois: “ruy q bm q v amou 😀 eu tava c/ mt medo de v ñ gostar L si bem q a helo me disse q v ia gostar de qq jeito :’( fiquei >º prq se eh assim v eh 1 3º e aqui pra v oh >:O, se ñ, amo v 4ever
As duas mensagens me foram enviadas pela filha (15, 16 anos) de um amigo, a respeito de um texto que ela escrevera e queria que eu avaliasse. Oh, não, filha de amigo, não! –gemi. Tenho de fugir dessa roubada –vou dizer que estou sem tempo (verdade), não sei avaliar textos alheios (mentira) ou o texto se perdeu no ciberespaço (quase –eu o apaguei de propósito).
Ao contrário
Mas não adiantou. A garota o mandou de novo. Vou ter de ler o treco –tarefa nada fácil para um homem que ainda usa goma arábica e mata-borrão ao escrever. Por sorte, eu tinha alguém que fala e escreve fluentemente em internetês: minha neta Isabel, idem, 16 anos. Traduzido por ela (craque na escola também em português), até gostei do texto e mandei para a garota os elogios de praxe. A segunda mensagem foi para me agradecer.
Engraçado é que, ao ver na tela aqueles simbolozinhos –bonequinhos, contrações, abreviaturas, parênteses, pontinhos–, pensei estar diante dos poemas do modernista americano e.e. cummings (sim, era assim, em minúsculas, que ele se assinava –desde 1923, quando isso era novidade). Exemplo: “bRight s??? big/ (soft)// soft near calm/ (Bright)/ calm st?? holy”. Ou, na magnífica tradução de Augusto de Campos: “bRilha estr??? grande// (suave)/ suave perto calma/ (Brilha)/ calma estre?? santa”.
Só depois percebi que, ao contrário, o internetês é profundamente antiquado. Parece-se com aquelas cartas enigmáticas do velho Almanaque Capivarol.
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Ruy Castro é colunista da Folha de S.Paulo