Google, Apple, Samsung… Tam, Azul, Gol… Vivo, Claro, Oi… Nestlé, Kraft Foods, PepsiCo… Rede Bandeirantes, Organizações Globo, Editora Abril… Elsevier, Nature, Science… O que essas empresas têm em comum? Todas fazem parte de oligopólios – nome que os economistas usam para se referir a práticas econômicas em que poucas corporações acabam por dominar a quase totalidade do mercado em que atuam.
Costumam ser temerários os efeitos sociais dessa concentração. E o estudo do assunto valeu ao economista francês Jean Tirole, da Universidade de Toulouse, o prêmio Nobel de Economia, anunciado na segunda-feira (13/10).
“Jean Tirole é um dos mais influentes economistas de nosso tempo”, disse Staffan Normark, secretário da Real Academia Sueca de Ciências, responsável pela nomeação. “Seus trabalhos foram muito importantes para o entendimento e a regulação de setores dominados por um pequeno número de empresas poderosas.” O francês se notabilizou por suas análises sobre como governos devem lidar com fusões e cartéis de empresas; e como se devem regular monopólios e oligopólios.
“Seu trabalho, extremamente profícuo – dezenas de livros e mais de 200 artigos em jornais científicos importantes –, deu robusta consistência teórica à intervenção pública em espaços econômicos de grande importância para a sociedade, por exemplo, indústrias de infraestrutura ou indústrias de rede, como telecomunicações e energia”, diz a economista Lucia Helena Salgado, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Eletricidade, transporte, telecomunicações… “Todos nós somos, de um modo ou de outro, afetados pela concentração de grandes corporações nos mais diferentes setores”, frisou Tore Ellingsen, um dos representantes do comitê de premiação. Lembrando: a concentração dos mercados pode acontecer tanto nas mãos de empresas privadas quanto estatais.
“No Brasil, o monopólio mais emblemático, com todas as ineficiências próprias do monopólio, é a Petrobras”, comenta Salgado. “Já quando o assunto é oligopólio, o caso merecedor de estudo é o das empresas que compõem o mercado de telecomunicações.”
Efeitos colaterais
Não raramente, grandes empresas conseguem crescer a tal ponto que acabam por varrer a concorrência do mapa – criando situações de monopólio ou oligopólio que podem ter consequências nefastas para os consumidores e para a produtividade das economias.
Sem a devida regulação, nada impede que oligopólios e monopólios explorem seus consumidores de maneira, digamos, um tanto abusiva. Podem acabar cobrando preços mais altos do que o esperado. Além disso, mercados dominados por esse tipo de concentração tendem a bloquear a entrada de empresas menores – muitas vezes mais novas e potencialmente mais produtivas.
“Empresas pequenas querem se tornar grandes; e, em seguida, explorar o mercado de consumidores; e, se possível, eliminar a concorrência. A questão é: que tipo de regulação poderá fazer com que essas empresas operem com vistas aos melhores interesses não apenas corporativos, mas de toda a sociedade?”, comenta Ellingsen.
Há algumas recomendações gerais que costumam dar conta da regulação de mercados. Por exemplo: o estabelecimento de tetos de preço; ou a proibição de alianças entre concorrentes. Tudo isso está sistematizado nos trabalhos que Tirole desenvolve desde a década de 1980.
Mas iniciativas de regulação, apesar de desejáveis, nem sempre funcionam como soluções universais para todos os setores da economia. Por isso, elas devem ser formuladas considerando as particularidades de cada ramo – e essa ênfase setorial é outra contribuição importante do economista francês para tal debate.
“Vejamos o caso da imposição de preços máximos para monopolistas: isso pode resultar, sob uma perspectiva positiva para a sociedade, na busca pela redução de custos por parte da empresa”, diz o economista Herbert Kimura, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de Brasília (UnB). “Em contrapartida, por não haver concorrência, essa redução de custos pode ser prejudicial aos consumidores, uma vez que a busca por lucros máximos pode fazer com que os custos sejam minimizados em detrimento da qualidade dos produtos ou dos serviços disponibilizados”, pondera.
Outro caso interessante é quando um governo fixa preços para um setor oligopolizado qualquer. “Isso pode impedir, em um primeiro momento, que consumidores tenham que pagar valores elevados por serviços ou produtos; porém, o preço fixo pode tirar o incentivo para que empresas inovem ou se aprimorem, já que os benefícios gerados não se transformariam em maiores preços”, exemplifica Kimura. “Com isso, a regulação poderia prevenir abusos de oligopólios no curto prazo, mas causaria prejuízos à sociedade em médio e longo prazos.”
“A ideia básica de Tirole”, diz Salgado, “é desenhar mecanismos de modo a atrair decisões de investimento e esforços de redução de custo para que ao final todos saiam ganhando: investidor e consumidor”.
Modelos de regulação
“Regulação de mercados é um problema complexo, tanto no Brasil quanto em qualquer parte do mundo”, comenta o economista Rafael Coutinho, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP) – a propósito, ele estudou com Tirole na França. “Tirole desenvolveu, junto com colaboradores, os mais influentes modelos de como se deve desenhar esquemas contratuais de regulação que possam conduzir as empresas a prover serviços da maneira mais adequada, sem que elas cobrem caro demais por isso.”
Coutinho cita um exemplo: o abastecimento de água em uma determinada cidade. É comum que esse tipo de serviço seja operado por uma só companhia. Sendo um setor vital, governos podem conceder monopólio a alguma empresa – estatal ou privada. É o que economistas chamam de monopólio natural. Com a faca e o queijo na mão, essas empresas poderiam explorar o mercado consumidor da forma que as conviesse. No entanto, são as políticas de regulação que entram em jogo para que haja justiça e bom senso tanto no preço que o consumidor paga quanto no lucro que a companhia há de contabilizar.
“Não é por acaso que esse prêmio Nobel vai para alguém da França, país em que há participação forte do Estado em muitas áreas da economia; lá, os serviços públicos são altamente regulados”, diz o economista da USP. A própria AirFrance, por exemplo, é uma empresa com participação governamental.
Essa discussão é parte de uma subárea da microeconomia que os profissionais chamam de organização industrial. Esse é o nome que vem no título, aliás, de um importante livro que Tirole publicou em 1988: The theory of industrial organization. “Até a publicação dessa obra, esse campo de conhecimento era difuso; o trabalho de Tirole teve papel fundamental na organização dessa disciplina”, diz Coutinho. São reflexões que, a despeito de teóricas, têm aplicações empíricas diretas. Ainda hoje, o livro é referência tanto para estudiosos como para gestores.
******
Henrique Kugler, do Ciência Hoje On-Line