Ano de eleição representa cada vez mais época de muito trabalho para os departamentos jurídicos das duas maiores plataformas da internet no Brasil. Tanto Google como Facebook se tornam os alvos preferidos de ações judiciais movidas por candidatos de partidos de todo o tipo, preocupados com conteúdo que possa ser prejudicial à sua imagem.
Segundo a ferramenta Eleição Transparente, criada pelo Google em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a empresa de buscas é ré em 132 processos. Praticamente todos se referem à retirada de conteúdo, boa parte dele localizado dentro da plataforma de vídeos YouTube.
Esse volume representa 72,93% do total de processos registrados pela ferramenta da Abraji. Em segundo colocado, com 24 processos, vem o Ibope. Só depois aparecem empresas que, antes da popularização da internet, costumavam ser os alvos das ações de candidatos, como editoras e jornais.
O Google registrou um aumento proporcional de ações, em comparação com o pleito de 2012. Embora este tivesse mais candidatos, considerando-se todos os postulantes a cargos de vereador e prefeito nos 5.570 municípios, a eleição atual contou com um número maior de ações por candidato. Com isso, a filial brasileira confirma se destacar mundialmente em termos de processos recebidos, embora não divulgue números.
“A quase totalidade das ações que recebemos nessa época estão relacionadas à remoção de conteúdo”, explica Fabiana Saviero, diretora jurídica do Google. O que não é relacionado a isso, “é irrelevante”.
O Facebook, que registrou 346 milhões de “interações” (posts, curtidas e comentários) relacionadas às eleições em 2014, fala pouco sobre o tema. Não divulga números de ações que sofre, nem se houve um aumento em relação à eleição passada. O Facebook também preferiu não ceder seus dados para a ferramenta da Abraji.
A assessoria da rede social no Brasil se limitou a dizer que existe “uma equipe que trabalha 24 horas por dia e sete dias por semana para analisar qualquer tipo de conteúdo denunciado por meio do site”. O que permite supor que há muito trabalho.
Uma procura no site do Tribunal Superior Eleitoral por processos que tenham “Facebook” como uma das partes gera resultados em todos os tribunais regionais do País. Em São Paulo, são mais de 400 processos. Em Roraima, a contagem chega a 27 e, no Distrito Federal, a 175.
Há ainda o WhatsApp, que conta com milhões de usuários no País e se tornou a novidade digital desta eleição. Procurada pela reportagem, a assessoria do WhatsApp nos EUA disse que não se pronunciaria sobre as eleições no Brasil.
Resistência
Na maior parte das ações contra as plataformas o que interessa não é, claro, atingir o criador da obra, mas simplesmente tirá-la de circulação, estancando o prejuízo à imagem que possa causar em época eleitoral. Por isso, se processa os mensageiros e não os autores da mensagem.
“Primeiro, já temos uma tradição em nosso Judiciário de que o provedor é responsável de conteúdo. Depois, os políticos só querem remover o conteúdo de forma rápida”, diz a advogada Camila Marques, da organização internacional de direitos humanos Artigo 19.
As empresas se mostram dispostas a contestar. O Google recorreu em cerca de 20 ocasiões, incluindo a que culminou com a remoção de dois vídeos do grupo Porta dos Fundos (ver abaixo). Outro caso foi o do então candidato (hoje eleito) ao governo do Amazonas, José Melo de Oliveira, contra o canal de vídeos satíricos Amazonas de Verdade.
Apesar de não fornecer detalhes, o Facebook afirma que se dispõe a recorrer “em casos que entendemos serem representação livre da opinião do eleitor, desde que estejam dentro das nossas políticas e termos da comunidade”.
Para Eduardo Magrani, professor e pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Faculdade Getúlio Vargas (CTS-FGV) no Rio de Janeiro, a atitude das empresas é movida não só pela crença em valores como liberdade de expressão. “Quanto mais opiniões e conteúdo circulando, mais enriquecedor isso é para o seu modelo de negócios”, acredita.
Mas o prejuízo maior acaba mesmo sendo do eleitor, que tem na rede uma grande ferramenta de cidadania. “Em vez de fomentar mais participação, está se retirando as expressões da rede”, lamenta Magrani. Para Camila Marques, do Artigo 19, o cenário decorre de “figuras políticas sem tolerância a críticas e de um Judiciário extremamente conservador, que se pauta em ações genéricas”.
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Camilo Rocha, do Estado de S.Paulo